Foi como uma camiseta com a inscrição "Mind the gap" (alerta do metrô de Londres sobre a lacuna entre a plataforma e o trem, que em tradução informal seria "cuidado com o buraco") que o presidente demitido da Petrobras, Roberto Castello Branco, fez nesta quinta-feira sua apresentação do resultado da estatal em 2020.
– Fugir da regra de paridade internacional foi desastroso, a Petrobras perdeu US$ 40 bilhões (R$ 218 bilhões). Nos últimos dois anos, reduzimos a dívida em quase US$ 36 bilhões, mas a empresa ainda é muito endividada, são US$ 75,5 bilhões, e majoritariamente em dólares. Como vai conciliar as obrigações em dólares com receita em reais? É surpreendente, em pleno século 21, dedicarmos tanta atenção a isso – afirmou, sem fugir do tema já no início da teleconferência, sem esperar perguntas.
No mercado, havia expectativa de que a Petrobras apresentasse bons resultados, mas o lucro de R$ 59 bilhões entre outubro e dezembro de 2020 surpreendeu: foi o maior em um trimestre na história corporativa do Brasil. Um resultado desse tamanho não veio apenas da operação usual, mas da reestimativa de perdas bilionárias.
Foram R$ 31 bilhões de revisão de queda em valor de ativos e investimentos (os "impairments" provocados por contenção de repasses aos combustíveis e corrupção exposta pela Lava-Jato) e R$ 13,1 bilhões de ganhos com revisão de despesas com o plano de assistência médica. No comunicado que encaminhou ao mercado na quarta-feira, o presidente da estatal, Roberto Castello Branco afirmou que "a meta era sair da crise melhor que antes" e "entregamos nossas promessas".
A escolha da frase é uma referência a críticas feitas ao presidente Jair Bolsonaro por ter contrariado seus compromissos de campanha ao interferir na estatal e demitir Castello Branco, responsável pela gestão que gerou o lucro. E a promessas que o próprio executivo ouviu de que teria autonomia para administrar a empresa.
Mesmo sendo excepcional, o lucro do último trimestre ainda é menor do que a perda de valor de mercado provocada pela intervenção de Bolsonaro, ainda em R$ 70 bilhões. No final da manhã, as ações ordinárias da estatal subiam quase 4%, acenando com nova suavização de danos, embora discreta.
Também fez questão de destacar de seus maiores objetivos: reduzir a pesada dívida da estatal e voltar a distribuir dividendos (parcela do lucro dividida entre os acionistas). Como a União detém a maior fatia na Petrobras, será o maior beneficiado. Com o megalucro, a Petrobras vai distribuir R$ 10,3 bilhões em dividendos no dia 29 de abril, disse Castello Branco.
Na véspera, o conselho de administração da Petrobras decidiu interpelar Bolsonaro para que esclareça as acusações contra a atual gestão. Em entrevistas e em declarações a apoiadores gravadas em vídeo, o presidente afirmou que salário de Castello Branco é alto demais, que ele está há 11 meses em casa sem trabalhar (está em home office, como boa parte dos servidores federais) e, especialmente, a frase "coisas erradas estão acontecendo", que embute o risco de contagiar a reputação dos conselheiros.
Na quarta-feira, Bolsonaro tentou suavizar as pesadas críticas ao executivo, dizendo que ele foi um "bom gestor", mas é uma "pessoa de idade" e está "cansado":
– Eu não interferi. Eu simplesmente resolvi substituí-lo por seu mandato estar no fim. Logicamente, porque é uma pessoa que está bastante cansada, né? Uma certa idade, e com toda a certeza, poderá até ajudar remotamente, a transição do novo presidente da Petrobras.
A reação veio no comentário de Castello Branco sobre a paridade de preços ser “surpreendente no século 21”, uma insinuação de que Bolsonaro não estaria conectado à modernidade. A primeira pergunta ao executivo, sobre o processo de transição, veio antecedida de elogios à diretoria:
– Até agora, não tenho informação sobre a transição, mas vamos ajudar.
Todas as perguntas seguintes, feitas por analistas do mercado, vieram antecedidas de elogios à condução da atual gestão. Em uma resposta, Castello Branco afirmou que não haverá "debandada" da diretoria, que ficará nos cargos aguardando definições da troca na presidência.