Diretor-geral da Fator Administração de Recursos, Paulo Gala diz que o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia deve beneficiar a agropecuária brasileira, mas teme prejuízos à indústria. Em entrevista à coluna, Gala também analisa as reformas em debate no país, como a da Previdência, e pontua os desafios para a reação da economia, que flerta com o retorno da recessão técnica.
Qual o diagnóstico da economia brasileira?
O país tem 99% de chances de ter nova recessão. O PIB (Produto Interno Bruto) do segundo trimestre sairá em agosto. Com os números de setores que já foram divulgados em abril, maio e junho, temos quase certeza de que estamos em recessão. O PIB caiu um pouco, 0,2%, no primeiro trimestre. No segundo, deve aparecer outra pequena queda. Há dados ruins de produção de veículos, de produção industrial. Não é uma recessão no sentido de o PIB despencar. Não é isso. Seria uma recessão técnica (dois trimestres consecutivos de queda na economia). O diagnóstico mais correto seria o de estagnação.
Aprovada em comissão, a reforma da Previdência segue ao plenário da Câmara dos Deputados. Qual sua avaliação sobre o projeto?
A reforma que está passando é a possível. São muitos interesses em jogo. Está saindo até um pouco maior do que se imaginava. A questão da reforma tributária é mais delicada. Uma coisa é fazer a simplificação dos impostos que já existem. Isso deve passar no Congresso, tem chance de andar. Outra coisa é rediscutir a repartição do sistema tributário. É bem mais difícil. Envolve interesses muito pesados de governadores e municípios. Se a reforma for na linha da simplificação, vai andar.
Após 20 anos, Mercosul e União Europeia fecharam acordo comercial. Quais os efeitos para o Brasil?
Precisamos ter cuidado nessa questão. Pode trazer ganhos no curto prazo, mas no longo pode atrapalhar bastante. O setor industrial já está muito combalido. Em termos de corrida tecnológica, estamos muito atrás de empresas europeias. Quando formos expostos à competição mais agressiva, nosso setor industrial tende a sofrer ainda mais. Por isso digo que é um peso-pena entrando no ringue para lutar contra um peso pesado. Na agricultura, acho o acordo ótimo, porque já somos pesos pesados. No setor industrial, a situação é muito assimétrica. Ninguém sabe o que vai acontecer de fato, mas o grande risco é de sermos nocauteados pela indústria europeia.
A retomada da economia brasileira depende de quais medidas?
Temos dois problemas de difícil resolução. O primeiro é o nível ainda muito elevado de endividamento de famílias e empresas. Isso pressiona as decisões de consumo e investimentos. A única solução é ter mais rodadas de corte no juro básico. O Banco Central terá de aliviar mais, ajudar as pessoas a reciclarem as dívidas, trocando pelo menos as mais caras pelas mais baratas. O segundo é o governo tentar mais espaço com o Congresso para fazer investimento público, especialmente em infraestrutura. Vejo essa parte como mais difícil. O governo está muito focado na reforma da Previdência, que é fundamental e deve passar, mas precisaria centrar esforços em alguma mudança para poder fazer investimento. Ao mesmo tempo em que empresários estão endividados, suas lojas e fábricas estão vazias. Eles não sairão investindo só por causa da aprovação da reforma da Previdência. Precisaríamos de impulso público.
Como abrir espaço para investimento público?
É uma questão que envolveria o Congresso. É encontrar espaço fiscal a partir de autorização dos parlamentares. Obviamente, eu teria postura em defesa de usar o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para ajudar na retomada da economia.
O governo sinalizou que não pretende usar o BNDES nesse processo.
Pois é. A questão é ver até quando o governo vai aguentar a queda na atividade econômica.
O juro básico, hoje em 6,5% ao ano, poderia cair até qual nível neste ano?
Pode ficar abaixo de 5%. Não resolve todos os problemas do país. Mas é uma ferramenta que ajuda.
Como fazer o corte no juro chegar com mais vigor ao consumidor?
Isso só viria com maior concorrência no setor bancário. A boa notícia é que as fintechs (startups do setor financeiro) estão ocupando espaço. Estão começando a colocar riscos ao oligopólio do sistema financeiro. Sou otimista com isso. Acho que teremos boas notícias. O Banco Central está trabalhando na direção correta em relação a isso.