Depois de ensaiar retomada, a abertura de empregos com carteira assinada perdeu fôlego na indústria gaúcha, um dos setores intensivos em mão de obra no Estado. Diante do fraco desempenho da economia, o Rio Grande do Sul voltou a amargar o fechamento de fábricas, o que eleva a preocupação de empresários e trabalhadores.
Na segunda-feira, a Duratex, dona da marca de louças sanitárias Deca, confirmou o término das atividades de planta produtiva em São Leopoldo, no Vale do Sinos. A unidade empregava 480 pessoas. Na mesma data, a Nestlé fechou posto de recebimento de leite em Palmeira das Missões, na Região Noroeste, causando corte de 18 funcionários.
A perda de fôlego na criação de empregos na indústria gaúcha pode ser evidenciada nas estatísticas do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia. No acumulado de 12 meses até maio, último dado disponível, o setor registrou fechamento de 2,4 mil vagas com carteira assinada. Segundo o levantamento, o saldo resultou da diferença entre 256,1 mil contratações e 258,5 mil demissões.
O desempenho negativo interrompe a tentativa de retomada vista em igual período anterior. No acumulado de 12 meses até maio de 2018, a indústria abriu 1,7 mil vagas. À época, o resultado havia sido o primeiro após quatro quedas consecutivas no mesmo intervalo de anos anteriores. No auge da recessão, entre 2015 e 2016, o setor chegou a perder 55,2 mil vagas em igual intervalo. O recorte leva em conta os números da indústria de transformação, excluindo segmentos como o extrativo e o da construção civil.
— A indústria foi o setor que mais sofreu com a crise econômica. Caiu bastante e teve alguns desvios positivos. A indústria não está competitiva por causa de uma série de medidas tomadas ao longo das últimas décadas. A alta carga tributária, por exemplo, afasta investidores do Estado e do país — pontua Thômaz Nunnenkamp, coordenador do Conselho de Relações do Trabalho da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs).
Baixa demanda afeta setor calçadista
Dentro do setor de transformação, as fábricas calçadistas apresentaram o pior saldo de empregos com carteira assinada. No acumulado de 12 meses até maio, as empresas do ramo fecharam 4,2 mil postos de trabalho no Estado.
Presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein avalia que o corte de vagas reflete a fraca demanda dentro do mercado nacional, enquanto as exportações do segmento sobem. Nos primeiros cinco meses do ano, os embarques do Rio Grande do Sul ao Exterior avançaram 11,8% em número de pares e 2,7% em receita.
— As dificuldades na geração de empregos são resultado da novela que é a falta de demanda no mercado interno. A economia não teve a recuperação esperada. O brasileiro não está comprando sapato — descreve o presidente-executivo da Abicalçados, sediada em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos.
Conforme o dirigente, as vendas de indústrias calçadistas poderão ter estímulo dos termômetros no curto prazo. Na avaliação de Klein, caso a onda de frio permaneça no Estado, os negócios poderão subir, com chance de incentivar contratações no setor.
— Não há perspectiva clara de retomada da economia nos próximos meses. É preciso que haja maior consumo, e o frio tende a fazer as vendas de calçados subirem — relata Klein.
Segundo o Caged, a indústria de transformação fechou 3,9 mil vagas com carteira assinada em maio no Rio Grande do Sul. No acumulado dos cinco primeiros meses do ano, o resultado foi positivo, com criação de 20,9 mil empregos, mas menor do que o verificado em 2018, também sinalizando perda de fôlego. No acumulado de janeiro a maio do ano passado, o setor abriu 23,8 mil postos.
Para lideranças do setor, a reação mais consistente depende da melhora no ambiente de negócios, com o avanço de reformas como a tributária e a da Previdência. Analistas, entretanto, mencionam que os eventuais impactos dos projetos não seriam imediatos.
— A indústria também precisa de melhorias no setor de infraestrutura. O Rio Grande do Sul está na ponta do país, o que encarece fretes. Avançar em concessões e parcerias com a iniciativa privada é uma das opções para a economia voltar a girar — argumenta Nunnenkamp.
Busca por qualificação pode ajudar quem procura emprego
Diante das dificuldades da economia na largada do ano, analistas indicam que a busca por qualificação pode auxiliar quem deseja retornar ao mercado de trabalho, em setores como a indústria. Para incrementar o currículo de eventuais interessados, entidades como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial no Estado (Senai-RS) oferecem cursos diversos, tanto pagos quanto gratuitos.
Diretor regional do Senai-RS, Carlos Artur Trein afirma que, além de conhecimentos técnicos, empresas cobram cada vez mais de seus funcionários o domínio de soft skills — em tradução livre, competências comportamentais. Esse conjunto reúne, por exemplo, aptidão para trabalhar em grupo e busca por soluções de problemas de maneira criativa.
— Em um momento como este na economia, adquirir novas competências é uma necessidade constante — define Trein.
O Senai-RS oferece 1,5 mil opções de cursos em diversas áreas da indústria. O número contempla desde atividades presenciais e semipresenciais até modalidades totalmente a distância. Para eventuais interessados, Trein sugere a consulta ao site da entidade. O endereço apresenta ao público as oportunidades disponíveis e as unidades do Senai-RS mais próximas.
Diretor-técnico da Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS), Darci Cunha também vê na busca por capacitação o caminho a ser perseguido por quem almeja recolocação no mercado de trabalho. Segundo Cunha, a FGTAS oferece cursos gratuitos que costumam durar de 30 a 50 horas — a maior parte voltada ao setor de serviços. Mais informações sobre as atividades podem ser consultadas no site da entidade.
— Percebemos que a indústria vem intercalando altas e quedas no mercado de trabalho. Não deslancha. Recomendamos a busca por qualificação a quem está desempregado. Procurar vagas em setores como o de serviços é uma opção — diz Cunha.
As empresas que demitiram
Bottero
A fabricante de calçados fechou, em julho de 2018, quatro unidades produtivas em Nova Petrópolis, Osório, Parobé e Santo Antônio da Patrulha. O fim das atividades causou 630 demissões.
Kimberly-Clark
A multinacional anunciou, em fevereiro passado, o fechamento de fábrica em Eldorado do Sul. Cerca de 260 funcionários atuavam no local. De origem americana, a Kimberly-Clark desenvolve itens de higiene pessoal, como guardanapos, fraldas e absorventes femininos.
Quaker
A multinacional PepsiCo, dona da marca, que aposta em produtos de aveia, confirmou em maio o fechamento de sua fábrica em Porto Alegre, que funcionava desde a década de 1950. O término das atividades da Quaker resultou na demissão de 180 empregados.
Pirelli
A empresa irá transferir, de Gravataí para Campinas (SP), a produção de pneus de motocicletas em 2021. O anúncio ocorreu em maio. À época, a companhia gerava 900 empregos diretos na Região Metropolitana.
Nestlé
A companhia fechou, na segunda-feira, posto de recebimento de leite em Palmeira das Missões, no noroeste do Estado. A decisão provocou 18 demissões.
Duratex
A dona da marca de louças sanitárias Deca também confirmou, na segunda-feira, o fechamento de unidade no Rio Grande do Sul, localizada em São Leopoldo, no Vale do Sinos. A fábrica empregava 480 pessoas. A empresa não informou o número exato de demissões, porque parte dos funcionários poderá ser transferida a outras operações.