Os sinais de que a atividade econômica brasileira precisa de vitaminas para reagir à crise intensificam tanto a busca por fórmulas que não comprometam o organismo quanto acenos com remédios apenas virtuais para abrir o apetite. Na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou uma liberação de R$ 100 bilhões em depósitos compulsórios (recursos retidos nos bancos, que não podem emprestá-los aos clientes), que não foi confirmada pelo Banco Central (BC), autoridade que define esse tipo de medida. Além de certa invasão de território, ficou demonstrada a percepção, até do ultraliberal Guedes, que produção e emprego precisam mais do que uma carga de bateria para se recuperar. O ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, da consultoria Tendências, disse à coluna que há pouco a fazer para dar resultado ainda em 2019:
– Este é um ano perdido em crescimento econômico.
É razoável esperar liberação de R$ 100 bilhões em compulsórios bancários?
O ministro, obviamente, faturou em cima de decisão natural, esperada, do Banco Central (BC). A liberação de compulsórios está em curso há muito tempo. O Brasil tem excesso de recolhimentos compulsórios. Provavelmente, um dos mais altos do mundo. Isso é herança dos tempos pré-real, dos riscos inflacionários daquele período e das crises bancárias e cambiais que ocorreram depois do plano. O BC tem feito redução gradativa e cuidadosa desses compulsórios, sempre que há condições favoráveis no ambiente macroeconômico, isto é, sem risco de gerar pressões inflacionárias. Portanto, dado que essa enormidade de compulsórios constitui uma anomalia na política monetária brasileira, o que influencia o spread (diferença entre a taxa paga aos clientes que aplicam dinheiro nos bancos e a cobrada dos que contratam empréstimos), dificulta a expansão do crédito, o BC tem todo interesse em redução, não para estimular a atividade econômica, embora possa ter algum efeito. O objetivo é melhorar a eficiência da política monetária e assim reduzir spread bancário e as taxas de juros finais para os tomadores, pessoas físicas. O Rio Grande do Sul tem um dos spreads mais altos do Brasil, uma das causas é que o judiciário gaúcho é mais 'antibanco' do que o resto do país. Isso aumenta o risco de emprestar para gaúchos.
Existe algum risco em liberar compulsório?
Não, é um mecanismo que só serve para esterilizar dinheiro. A liberação supre o mercado de liquidez. Vai gerar mais crédito, mas o efeito é reduzir custos dos bancos e portanto do spread. O objetivo é eficiência. Se baixar o custo, o banco reduz o spread, porque banco, ao contrário do que as pessoas pensam, gosta de juro baixo, não de juro alto. Com juro baixo, empresta mais, com juro alto tem mais inadimplência. Não é por falta de crédito que a economia está estagnada, não é por taxa de juro mais alta que a economia está patinando, é por problema de confiança.
O ministro agiu por impulso e pela necessidade de dar uma boa notícia, digamos assim, porque tem cobrança muito grande no Brasil de que o governo resolva já o problema do desemprego, e não tem como fazer isso.
O ministro invadiu território do BC?
O que disse, 'vamos liberar R$ 100 milhões', não está errado, mas não disse quando, pode ser no dia de são nunca (risos) ou daqui a algum tempo. O ministro agiu por impulso e pela necessidade de dar uma boa notícia, digamos assim, porque tem cobrança muito grande no Brasil de que o governo resolva já o problema do desemprego, e não tem como fazer isso. Mas o ministro precisa dar um sossego às ansiedades, falou algo que não tem nenhum efeito concreto. Até porque se isso viesse a acontecer seria visto como interferência. É prerrogativa do CMN (Conselho Monetário Nacional), e o ministro é presidente do conselho, mas o anúncio, as normas são tarefa do BC, interpreta-se como função do BC. Tem hora que ministros escorregam, são levados pelo entusiasmo.
Mas não é preciso fazer algo?
Se o governo tentar artificialmente estimular demanda, seja investimento ou consumo, tem tudo para dar errado, como deu errado no governo Dilma. É preciso aprender lições, existe um processo em curso que vai contribuir para melhorar o ambiente de negócios, aumentar a produtividade, reforçar confiança e tudo isso depende da reforma da Previdência, da reforma tributária, da abertura da economia, do andamento dos programas de investimento em infraestrutura e assim por diante. Tem de ter paciência, serenidade, para aguardar tanto a realização dessas reformas como o amadurecimento de seus efeitos. Tentar um atalho nesse momento seria uma estratégia equivocada, embora, no primeiro momento, agradasse muitas pessoas angustiadas com o desemprego.
Então, não é por um passe de mágica, ou band-aid que vai estancar. Paciência, serenidade e calma são os melhores conselheiros do governo neste momento.
Essa angústia não está disseminada?
É natural, as empresas estão vendendo menos, algumas com dificuldade de acesso ao crédito. Além disso, a atividade econômica está praticamente estagnada, e não é por falta de estímulo creditício, é pela associação de incertezas, de um lado sobre a reforma da Previdência e do outro com o andamento do conjunto geral do governo. Portanto, gostemos ou não, 2019 é um ano perdido em crescimento econômico, vamos crescer muito provavelmente abaixo do 1%. O próprio BC projetou 0,8%, nós, da Tendência, estamos com 0.9%. Há 17 semanas que o mercado revê a projeção para baixo. O ano começou com projeções de 2,5%, tinha gente até falando em 3%. Foram acontecendo coisas. Primeiro, a reforma da Previdência não foi tão rápida quanto o governo sinalizava e muitos analistas esperavam. Segundo, houve uma desaceleração da economia mundial, particularmente com os receios da guerra comercial entre Estados Unidos e China. Houve aumento da crise argentina, que é o principal mercado de exportação para automóveis e bens de capitais do Brasil e o desastre de Brumadinho. O desastre reverteu a projeção de crescimento da indústria extrativista, falava-se em crescimento de 6% neste ano, agora já se fala em que de 5% ou 6%. Então, não é por um passe de mágica, ou band-aid que vai estancar. Paciência, serenidade e calma são os melhores conselheiros do governo neste momento.
O caminho para o corte do juro básico está aberto?
A Selic pode cair na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), se a reforma da Previdência estiver aprovada. Na verdade, isso é um debate, economistas de peso dizendo que o BC deveria já devia ter baixado taxa de juro, eu estou do lado que privilegia a atitude do BC. Banqueiros centrais de todo mundo não se movem por entusiasmo, eles têm responsabilidade de prover um bem público fundamental, que é estabilidade da moeda. Portanto, têm de agir com prudência, moderação, fazer uma avaliação criteriosa de todas as condições ambientais, para tomar uma decisão da qual não tenha de voltar atrás. Tudo indica que o cenário está melhorando, vai se consolidando a percpeção de que vai sair uma reforma previdenciária robusta o suficiente para livrar o Brasil de risco de insolvência fiscal, que se viesse acontecer teria impacto horroroso sobre a inflação.
O consumo no Brasil é na ordem de R$ 4 trilhões ao ano, como R$ 16 bilhões de FGTS, R$ 50 bilhões que seja, vai fazer efeito na economia? Dado os níveis de desemprego e de incerteza, a grande maioria dos que receberem vão pagar dívidas ou deixar na poupança.
Para abrir caminho para o corte, basta a aprovação da reforma na comissão especial ou tem de ser no plenário?
Tem que ser no plenário, a comissão aprova o relatório, mas no plenário podem surgir destaques de votações em separado. A aprovação da comissão vai mostrar o jeito do projeto mas é sempre bom ter um pé atrás, pode ter um acidente de percurso, uma declaração de mau jeito do ministro, do próprio Bolsonaro, a pressão das corporações sobre os deputados.
Não tem nada responsável para fazer?
Nada. Tem esses band-aids que geram efeito pirotécnico, mas com pouca influência relativa na economia. O consumo no Brasil é na ordem de R$ 4 trilhões ao ano, como R$ 16 bilhões de FGTS, R$ 50 bilhões que seja, vai fazer efeito na economia? Além do mais, dado os níveis de desemprego e de incerteza, a grande maioria dos que receberem vão pagar dívidas ou deixar na poupança, porque não sabem se vai ter emprego. Não adianta imaginar que uma pessoa que teve pneumonia, febre de 40ºC, passou uma semana acamado, no outro dia se levanta e vai correr uma maratona. É necessário um período de recuperação, para os remédios façam efeito até que, lá na frente, tenha condições de correr a maratona. Se ele for correr a maratona ele cai na primeira milha. Não é?
Já tivemos dois anos de convalescença, não foi o suficiente?
Felizmente, o Brasil hoje tem mecanismos de proteção social que diminuem o impacto dessa situação horrorosa. Tem seguro-desemprego, bolsa-família, muitas pessoas pouparam durante o seu tempo empregadas, a demissão permite o levantamento do FTGS. Então, os efeitos sociais do desemprego são menores do que em épocas passadas. O Brasil passou por um vendaval muito forte, que foi o segundo mandato do Lula e os dois da Dilma, nunca antes na história do país se fez tanta bobagem em política econômica, intervenção tão desastrosa no setor elétrico, pedaladas fiscais, transferências de quase R$ 600 bilhões para o BNDES para atender o objetivo de fazer campeões nacionais. Gastou-se, em subsídio no BNDES a cada ano, mais do que o custo do bolsa-família que beneficia 47 milhões de brasileiros. Houve uma sucessão inacreditável de bobagens, erros clamorosos.