O acordo comercial entre Mercosul e União Europeia (UE), anunciado na sexta-feira, deve estimular a busca por modernização na indústria gaúcha. Segundo especialistas, a renovação será necessária para que o setor tenha fôlego suficiente para competir na corrida com os europeus, que poderão vender mais ao Brasil por causa do acerto entre os blocos econômicos.
Parte da renovação industrial dependerá do avanço de ações do poder público. Entre as medidas estão as reformas tributária e da Previdência, com potencial de melhorar o ambiente de negócios e abrir mais espaço para investimentos privados, dizem analistas.
— Toda a indústria precisa se reciclar. Estamos atrasados em qualidade e modelos inovadores. É preciso trazer tecnologia e buscar parcerias, inclusive com os europeus —afirma Frederico Behrends, coordenador do Grupo Temático de Negociações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs).
Para entrar em vigor, o acordo precisará ser aprovado pelo parlamento de todos os países envolvidos. A partir daí, o prazo para redução nas alíquotas deverá variar conforme cada setor econômico. O intervalo máximo é de 15 anos.
— A indústria brasileira é bastante fechada ao Exterior, mas terá tempo para se adaptar a mudanças necessárias — estima Behrends.
Em 2018, as exportações totais do Rio Grande do Sul à UE, que também contemplam os embarques da agropecuária, somaram US$ 4,1 bilhões, alta de 79,4% frente ao ano anterior. O resultado foi impulsionado por operação atípica — o registro de venda de plataforma no valor de US$ 1,5 bilhão.
A segunda principal mercadoria enviada à União Europeia no período foi farelo de soja, cujos embarques alcançaram US$ 720,5 milhões. Depois, apareceram fumo em folhas, com US$ 576,2 milhões, e celulose, com US$ 163,2 milhões. O levantamento é do Grupo de Pesquisa Competitividade e Economia Internacional da Unisinos, com base em dados do Ministério da Economia.
Um dos setores industriais que demonstram otimismo com o acordo comercial é o moveleiro. A avaliação positiva está ancorada no fato de o segmento já ter experiência de vendas à União Europeia. Presidente da Associação das Indústrias de Móveis do Estado (Movergs), Rogério Francio sublinha que 16% das exportações do segmento são destinadas a países do bloco.
— Temos bom relacionamento com a comunidade europeia. Com a redução nas tarifas, seremos ainda mais competitivos — projeta Francio.
Analistas frisam que, na comparação com a indústria, a agropecuária gaúcha — e brasileira — tem maior competitividade no cenário externo. Economista-chefe do Sistema da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Antônio da Luz menciona que, apesar de ainda não ter sido totalmente detalhado, o acordo comercial pode estimular as vendas de produtos do campo como proteína animal, arroz e milho:
— Hoje, temos tributação sobre esses itens, série de barreiras comerciais e cotas por lá. Ainda não conhecemos os microdetalhes do acordo, mas acreditamos que os efeitos poderão ser amplamente positivos.
Setor vitivinícola enfrenta maior risco de perdas com negociação
Ao mesmo tempo em que abre janela para alta nas exportações do Estado, o acordo comercial tende a estimular o desembarque de mais produtos europeus no mercado gaúcho. Em 2018, o Rio Grande do Sul importou US$ 1,6 bilhão em mercadorias da União Europeia (UE), avanço de 8,4% frente a 2017.
Professor da Unisinos, o economista Marcos Tadeu Caputi Lélis pondera que o resultado não contempla as mercadorias adquiridas por importadores de outros Estados e, em seguida, repassadas ao Rio Grande do Sul. Por isso, chama atenção para o recorte nacional. Em 2018, as importações brasileiras de produtos da União Europeia chegaram a US$ 34,8 bilhões, alta de 8,4%, com destaque para itens farmacêuticos (US$ 3,9 bilhões).
— A agropecuária brasileira é bem competitiva, mas há setores da indústria que podem ter problemas no acordo entre Mercosul e União Europeia. Entre eles estão o farmacêutico e o de autopeças — comenta Lélis.
O economista acrescenta que, no caso do Rio Grande do Sul, um dos temores é de que o setor vitivinícola amargue perdas com a eventual entrada de mais vinhos e espumantes europeus. O Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) confirma a preocupação. Presidente da entidade, Oscar Ló diz que o setor está em tratativas com o governo Jair Bolsonaro para amenizar possíveis impactos negativos.
— Os vinhos nacionais têm alta carga tributária. A União Europeia subsidia muito a produção local. O governo nos chamou para conversar e indicou que está disposto a adotar medidas compensatórias. Estamos vendo o que pode ser feito, desde linhas de financiamento e apoio a seguro agrícola até a eventual criação de um fundo para o setor — relata o presidente.