No debate sobre a doença que acomete a economia brasileira e a impede de avançar, volta o embate entre duas grandes linhas de pensamento sobre o tema, ortodoxia e a heterodoxia. Luiz Fernando de Paula, professor do pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), presidiu a Associação Keynesiana Brasileira (AKB) entre 2009 e 2013, portanto se alinha ao segundo grupo. Define-se como pós-keynesiano, referência a John Maynard Keynes, economista que influenciou o New Deal, plano que ajudou os Estados Unidos a saírem da Grande Depressão nos anos 1930. Com consciência fiscal, admite que não há "bala de prata" para reanimar a atividade, mas aponta medidas que podem ajudar.
Qual é o diagnóstico da economia brasileira?
A recessão técnica se caracteriza por dois trimestres
de PIB negativo, então estamos perto da recessão,
mas tecnicamente ainda não. Há risco de volta (à recessão).
Na comparação com recessões passadas, entre 1981 e 198,
a de 1991, com o plano Collor, sempre as recuperações foram mais rápidas do que observamos em 2017/2018. Tudo indica que a economia está saindo de uma recuperação muito lenta e entrando em uma nova recessão. E sem perspectiva de curto e médio prazo para sairmos dessa estagnação.
Qual é a causa?
De certa forma, o diagnóstico do Paulo Guedes não é muito diferente do governo Temer. Faz ajuste fiscal, aumenta a confiança dos agentes com a sinalização da sustentabilidade da dívida, e o aumento da confiança faz com que as famílias voltarem a gastar, as empresas voltem a investir. Essa é a chamada contração fiscal expansionista, significa que o corte nas despesas teria esse efeito de gerar crescimento. É uma tese bastante controversa, inclusive nos EUA. Paulo Guedes confia demais no termo usado pelo Paul Krugman (Nobel de Economia em 2008), a "fadinha da confiança". É a ideia de que, tirando as amarras do Estado sobre a iniciativa privada, com reforma trabalhista, a previdenciária, estimula empresários a contratarem mais e gera maior crescimento.
Entramos em uma espécie de ciclo vicioso, com todos os motores da economia falhando.
Qual o problema?
O problema é que a economia está com enorme ociosidade. Com capacidade produtiva enorme que não usam, os empresários só vão investir se houver perspectiva de aumento de vendas. Entramos em uma espécie de ciclo vicioso, com todos os motores da economia falhando. As famílias estão fortemente endividadas, mesmo com redução de juros, e como o desemprego está muito elevado, a tendência é não contrair empréstimos e, aos poucos, ir pagando os que já tem. O comércio exterior também não tem perspectiva, muito em decorrência dessa briga entre China e EUA. O gasto público, até pela regra do teto, também não é opção. E a arrecadação cai por causa da recessão.
Se os motores falham, como sair do lugar?
É a pergunta mais difícil. Ouço economistas dizendo que não adianta repetir os estímulos que Dilma (Rousseff) adotou no primeiro governo, porque não dá certo. É falacioso, porque foram estímulos errados. Por exemplo, fez política de expansão fiscal não por meio de investimentos e gastos públicos, mas com uma inversão fiscal. Permitiu que empresários trocassem o pagamento previdenciário por percentual de 1% a 1,5% sobre o faturamento. Abriu mão de receita, deu subsídio para a indústria, o que os empresários fizeram foi aumentar margem de lucro.
Usar um pouco das reservas internacionais para reduzir a dívida pública abriria espaço para investimento público.
O que se pode fazer?
Não tem bala de prata. Haveria um conjunto de elementos. Por exemplo, algo semelhante ao que Ciro Gomes propôs na campanha, fazer uma renegociação geral de dívida (das pessoas). As famílias não estão consumindo, faria sentido algum mecanismo que não seja puramente tópico para tentar resolver esse problema. Outro é que temos de manter uma direção de sustentabilidade da dívida (pública) no longo prazo, mas com teto
de gastos, regra de ouro, há travas enormes para a economia. O investimento público é importante porque, especialmente em infraestrutura econômica e social, tem multiplicadores sobre a renda relativamente elevados. Seria preciso criar algum mecanismo. Usar um pouco das reservas internacionais para reduzir a dívida pública abriria espaço para investimento público. Seria preciso fazer uma rearticulação de conjunto de políticas que reavivasse a economia, que está completamente anêmica, e a política do governo só enfraquece mais o doente.
O que seria "um pouco" das reservas?
É difícil avaliar, o nível atual bastante significativo
(cerca de US$ 386 bilhões). Não seria um grande volume, mas para sinalizar que está controlando no curto prazo.
E abriria espaço para criar um fundo público para infraestrutura, para a economia reagir. Retomar programas como o Minha Casa Minha Vida, que envolve a construção, setor intensivo de mão de obra. O desemprego é alto e, quando se torna prolongado, parte se torna estrutural. As pessoas expulsas do mercado de trabalho não voltam, porque estão com idade avançada, não são qualificadas, é um problema. É o chamado problema de histerese, ou seja, a própria persistência de um fator negativo tende a prolongar seu tempo.
Liberação de FGTS ajuda ou atrapalha?
Foi um fator que, no governo Temer, deu uma aliviada na economia. O governo atual não está percebendo, está apostando muito na fada da confiança, só que o tempo vai passando e a economia não reage e a situação vai se complicando. Alguma coisa tem de ser feita, e não pode demorar muito.