Não bastasse a dificuldade em engatar retomada consistente nos últimos dois anos, a economia brasileira flerta com a volta ao terreno negativo no início de 2019. Indicadores já divulgados sinalizam baixa do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre – o resultado oficial será apresentado no dia 30 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para elevar a angústia, economistas apontam que a possibilidade de retorno da recessão técnica ao país já aparece no horizonte.
O jargão é usado para descrever dois trimestres seguidos de queda no PIB. Ou seja, seria espécie de aquecimento para a recessão, que é caracterizada pelo declínio expressivo da atividade em diversos setores durante período maior. A última registrada no Brasil foi entre 2015 e 2016. Na ocasião, o PIB caiu por oito trimestres consecutivos.
O risco de recessão técnica cresceu após a confirmação de dados frustrantes em segmentos como indústria e serviços entre janeiro e março. Atritos do governo Jair Bolsonaro na relação com o Congresso e a piora no cenário internacional também frearam o desempenho do PIB.
— A economia não ganhou impulso, esfriou no início do ano. Isso retardou ainda mais a retomada, que já era muito lenta — afirma o economista Thiago Xavier, da consultoria Tendências.
Considerado uma prévia do PIB, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) caiu 0,68% no primeiro trimestre. O indicador no vermelho reforçou as projeções de que o resultado calculado pelo IBGE virá negativo no dia 30.
Ao divulgar o desempenho trimestral da economia, o instituto costuma revisar os números dos três meses anteriores. Como o PIB cresceu apenas 0,1% entre outubro e dezembro do ano passado, há possibilidade de o dado ser atualizado para baixo e, consequentemente, tornar-se negativo. Ou seja, em caso de confirmação do recuo projetado para janeiro e março, a economia já entraria em recessão técnica a partir do dia 30.
— É um risco. Mas, mesmo sem revisão para baixo, o crescimento de apenas 0,1% não representaria grande recuperação — sublinha o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin. — O ano começou com excesso de otimismo. Aí veio o choque de realidade — acrescenta ele.
Analistas mencionam que incertezas relacionadas ao avanço de propostas como a reforma da Previdência também podem prejudicar o desempenho da atividade até o final do segundo trimestre. Mudanças no sistema de aposentadorias agradam a setores como o mercado financeiro pela potencial capacidade de auxílio no ajuste das contas públicas e de atração de mais investimentos ao país.
— Ainda não dá para saber o que virá pela frente. Os números preocupam — pontua a pesquisadora Juliana Cunha, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Entre janeiro e março, o setor de serviços, que representa cerca de 70% do PIB, registrou três recuos mensais consecutivos (veja no gráfico abaixo). Com duas baixas, a produção industrial também abalou o desempenho da economia na largada do ano. Para piorar o cenário, a taxa de desemprego subiu para 12,7%, atingindo 13,4 milhões de brasileiros. Com mais pessoas à procura de trabalho, o consumo das famílias e a produção de empresas tendem a ser represados.
Segundo a Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), o índice de confiança dos empresários do setor caiu 3,2 pontos em maio, para 57,7 pontos, menor nível desde outubro de 2018.
— O país tem condições de crescer, mas há grandes incertezas sobre o conjunto de reformas que têm de ser feitas. Sem mudanças na Previdência ou com uma proposta desidratada, não haverá ajuste fiscal — observa a economista Margarida Gutierrez, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Entenda as definições na economia
RECESSÃO TÉCNICA
Jargão usado por economistas para descrever período de dois trimestres consecutivos de recuo no PIB.
RECESSÃO
Conceito mais amplo do que o de recessão técnica. É caracterizado por declínio expressivo de diversos setores e, consequentemente, do PIB. No Brasil, a última durou oito trimestres, entre 2015 e 2016.
DEPRESSÃO
Não há uma definição única. A depressão pode ocorrer após período de recessão, com tombo no poder aquisitivo de toda a população e sucessivas falências de empresas. Entre os exemplos está a Grande Depressão de 1929, que espalhou pobreza à época nos Estados Unidos. Em linhas gerais, considera-se que o fenômeno tem efeitos mais severos do que os da recessão.
ESTAGNAÇÃO
Descreve o período em que determinado país não consegue manter nível de crescimento à altura de seu potencial econômico.
Desempenho do PIB
Variação frente ao trimestre anterior (em %)
2014
1º trimestre: 0,5
2º trimestre: -1,3
3º trimestre:0,2
4º trimestre: 0,4
2015
1º trimestre: -1,1
2º trimestre: -2,2
3º trimestre: -1,4
4º trimestre: -0,8
2016
1º trimestre: -0,9
2º trimestre: -0,2
3º trimestre: -0,6
4º trimestre: -0,6
2017
1º trimestre: 1,5
2º trimestre: 0,3
3º trimestre:0,1
4º trimestre: 0,3
2018
1º trimestre: 0,4
2º trimestre: 0
3º trimestre: 0,5
4º trimestre: 0,1
Fonte: IBGE
Projeções do PIB para 2019*
28/12: 2,55%
4/1: 2,53%
25/1: 2,50%
22/2: 2,48%
29/3: 1,98%
26/4: 1,70%
17/5: 1,24%
Fonte: Banco Central. Previsões de analistas do mercado financeiro consultados no boletim Focus.