Nas avaliações sobre o fechamento do acordo de livre-comércio entre União Europeia (UE) e Mercosul, não faltaram cobranças de coerência interna ao governo Bolsonaro e a seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que desdenharam da exportação de commodities (produtos básicos sem ou com pouco beneficiamento, como minério de ferro e soja), atacaram fóruns multilaterais e, no caso específico do ministro, chegou a apontar chanceler alemã, Angela Merkel, como ativista do globalismo "pintado pelo marxismo cultural" (perdoe-o, Konrad Adenauer, deve ter esquecido uma ou duas lições de história).
Ainda bem, neste caso, que faltou coerência interna.
Há vantagens econômicas, mesmo que não alcancem os valores divulgados pelo Ministério da Economia. Além disso, a futura assinatura do acordo com o bloco econômico já vai fazer com que seja arquivada a ideia insensata de abandonar o Acordo de Paris e suas metas
de redução de gases que provocam o efeito-estufa. Acabou se tornando uma espécie de seguro contra "terraplanismos" – o conjunto de teorias conspiratórias que desafiam o conhecimento estabelecido e a racionalidade.
Além disso, representa compromisso de longo prazo com um conjunto de nações com seis valores em sua origem: dignidade do ser humano, liberdade, democracia, igualdade, Estado de Direito, direitos humanos. O que no passado foi declaração de intenções quase inócua adquiriu sentido dadas as circunstâncias das relações globais no final da segunda década dos anos 2000.
Mais do que um acordo que libera de imposto de importação a maioria dos produtos europeus no Mercosul, assim como boa parte dos brasileiros, argentinos, uruguaios e paraguaios na Europa, o compromisso é com um dos últimos bastiões de civilidade no planeta, dadas as circunstâncias do antigo guardião do Estado de democrático de direito,
da economia de mercado e da liberdade de expressão, o país de Donald Trump.
Claro, os 28 países ainda falham na aplicação interna de seus seis princípios. Mas a nenhum de seus líderes ocorreria atentar, mesmo verbalmente, de forma oficial, contra qualquer um dos tópicos que representam não ideologia à esquerda ou à direita, mas um estágio civilizatório da humanidade. Não o úlitmo, esperamos.