O Mercosul e a União Europeia (UE) selaram um acordo de livre-comércio entre os dois blocos nesta sexta-feira (28). O trato, que começou a ser trabalhado em 1992, vinha sendo negociado entre as partes desde 1999 e já esteve prestes a ser fechado outras vezes. O entendimento havia se tornando prioridade para a gestão de Jair Bolsonaro.
O Ministério da Economia estima que o acordo UE-Mercosul deve representar um incremento de US$ 87,5 bilhões em 15 anos para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, podendo chegar a US$ 125 bilhões.
De acordo com informações do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Agricultura, o acordo comercial cobre temas tarifários e regulatórios, incluindo serviços, compras governamentais, barreiras, medidas sanitárias e propriedade intelectual. O pacto entre os países membros envolve 780 milhões de pessoas.
O entendimento havia se tornando prioridade para a gestão de Jair Bolsonaro (PSL), ainda que após a eleição o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenha afirmado que o Mercosul não seria prioridade para o país. Depois ele recuou.
Acordo passará pelo Congresso Nacional
Além disso, o tratado deve demorar a entrar em vigor. O que ocorreu nesta sexta-feira (27) foi a conclusão das negociações e o anúncio político. A partir de agora, os dois blocos fazem a revisão técnica e jurídica dos termos fechados. Só neste ponto será definida uma data para assinatura efetiva do acordo.
Depois disso, os presidentes dos países do Mercosul enviam o acordo para o Congresso, já que deputados e senadores precisam aprovar o tratado. Na UE, o acordo é encaminhado para votação no Parlamento Europeu.
Conforme informações do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Agricultura, o acordo comercial cobre temas tarifários e regulatórios, incluindo serviços, investimentos, compras governamentais, barreiras, medidas sanitárias e propriedade intelectual. O pacto entre os países membros envolve 780 milhões de pessoas.
O documento firmado nesta sexta prevê que mais de 90% das exportações do Mercosul terão tarifas zeradas em até dez anos. O restante das exportações terá reduções parciais das tarifas atualmente impostas pela União Europeia, com cotas de importação.
Redução nas barreiras de exportações
Na parte agrícola, ainda segundo as pastas, o acerto deve reduzir barreiras no mercado europeu de produtos importantes para o Brasil, como suco de laranja, frutas e café solúvel. Também deve haver redução das tarifas na exportação de produtos industriais.
Conforme fontes em Bruxelas, a cota para exportação de açúcar chegou a 180 mil toneladas que poderão entrar sem cobrança de tarifa. Na carne de frango, a cota também será de 180 mil toneladas.
A cota de carne bovina foi selada em 99,9 mil toneladas, abaixo dos 100 mil como era exigência dos europeus e dos 140 mil que já haviam sido oferecidos em rodadas anteriores de negociação anos atrás. O Mercosul, no entanto, conseguiu reduzir a tarifa intracota.
No setor de vinhos — que era uma das preocupações dos sul-americanos dada à alta competitividade dos europeus — o prazo para a redução de tarifas será longo, principalmente para espumantes.
A conclusão do pacto vem na esteira de uma maratona de reuniões de chanceleres e ministros dos quatro países-membros do bloco sul-americano (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) com os comissários europeus o Comércio, Cecilia Malmström, e da Agricultura, Phil Hogan.
A delegação brasileira era encabeçada pelo chanceler, Ernesto Araújo, e pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina. O secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, Marcos Troyjo, também veio à Bélgica.
Eles estavam em conversas na sede da Comissão Europeia,braço executivo da UE, desde a noite de quarta-feira (26). Antes da cúpula política, negociadores das duas partes haviam discutido detalhes técnicos do documento.
A União Europeia é a segunda maior compradora de bens do Mercosul (20%), atrás apenas da China. As exportações do quarteto sul-americano para os 28 países do bloco europeu totalizaram 42,6 bilhões de euros em 2018. No outro sentido, a UE vendeu o equivalente a 45 bilhões de euros.
Carnes, soja, café, bebidas e tabaco estão entre os itens mais comercializados do sul para o norte. Na contramão, a UE vende sobretudo veículos e máquinas, produtos farmacêuticos e químicos e equipamentos de transporte ao Mercosul.
As transações incluem também serviços e investimentos.
Longa negociação nos últimos anos
As negociações atravessaram várias fases, com ambos os lados interpondo obstáculos a seu avanço. Inicialmente, os europeus não queriam incluir produtos agrícolas no acerto, e o consórcio sul-americano resistia em reduzir seu imposto de importação.
Em 2004, as conversas foram interrompidas. O diálogo só seria retomado seis anos depois, abrindo uma sequência de nove rodadas de ofertas (até 2012), mas sem render frutos concretos.
A parceria voltou à pauta em 2016, mas a esta altura deixando de fora cotas e especificações para carne bovina e etanol, restrições logo abandonadas.
Nas últimas semanas, os negociadores europeus tinham se mostrado reticentes em relação às condições oferecidas pelo Mercosul nos segmentos de peças automotivas, produtos agrícolas e serviços marítimos.
Na reta final das negociações, a UE se dividiu em duas frentes: um grupo liderado pela Alemanha e pela Espanha enviou carta à Comissão pedindo que elas fossem encerradas rapidamente.
Já uma ala capitaneada por França e Irlanda assinou uma missiva defendendo que um acordo poderia "desestabilizar a produção e o setor agrícola" e expressando preocupação especial com as cotas a serem definidas para a entrada de carne bovina, frango, açúcar, etanol na UE.
Considerada uma vitória da gestão Bolsonaro, as negociações entre Mercosul e União Europeia foram retomadas com vigor ainda no governo Michel Temer, que assumiu a presidência interinamente em maio de 2016 quando Dilma Rousseff foi afastada. Naquele mesmo mês, houve troca de ofertas entre os dois blocos e as conversas ganharam um estímulo que não se via há mais de 10 anos.
A equipe de Temer avançou ainda em outros acordos bilaterais -Canadá, Singapura, Coreia do Sul e EFTA (Noruega, Islândia, Suíça e Liechtenstein)- que poderão ser selados rapidamente por Bolsonaro. Foi uma mudança de postura em relação a Dilma, que praticamente abandonou as negociações de acordos bilaterais, porque tinha uma postura mais protecionista.
No governo Luiz Inácio Lula da Silva, a prioridade era a Organização Mundial de Comércio (OMC) e a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) foi abandonada, mas as negociações de um acordo Mercosul - União Europeia ganharam atenção especial. Em um esforço capitaneado pelo Brasil, o acordo Mercosul -UE quase foi fechado em 2004 durante uma reunião em Lisboa. Todavia acabou naufragando por resistência da Argentina, na época comandada pelo casal Kirchner, e dos europeus, particularmente da França. Foi grande a frustração do então chanceler Celso Amorim.