No Rio Grande do Sul, em uma década, 72 mil celulares foram apreendidos nas cadeias (dados de 2008 a 2017). É o retrato de que a proibição do uso de telefones pelos detentos, na maioria das prisões, é realidade somente no papel. É justamente para evitar que líderes de facções mantenham contato com o crime no lado externo que especialistas da área de segurança defendem a implementação de um regime diferenciado no Estado.
Neste modelo, semelhante ao adotado nas penitenciárias federais, o isolamento e as revistas frequentes dificultariam a ocultação de aparelhos pelos presos. Entre as alternativas discutidas está a construção de uma prisão com esse perfil ou a adaptação da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, a Pasc.
Em julho de 2017, o RS adotou como medida de combate ao crime organizado o isolamento de 27 chefes de facções fora do Estado. A medida é apontada como um dos fatores na redução dos indicadores de homicídios. No primeiro semestre deste ano, foram registradas 303 mortes a menos do que no mesmo período do ano passado no Estado. Dos apenados, oito regressaram ao território gaúcho e 17 estão prestes a ter o período de confinamento encerrado. O grupo soma 387 anos de pena a cumprir por crimes como homicídio, tráfico de drogas e ataques a bancos.
A cada 360 dias, é preciso pedir autorização ao Judiciário para que os presos permaneçam segregados. A Polícia Civil e o Ministério Público solicitaram no mês passado que o prazo seja prorrogado. Todos os presos tiveram o pedido de manutenção do isolamento negado.
Neste cenário, a implementação de um regime próprio, que permitiria manter líderes confinados, sem acesso a celulares, mas sem necessitar do encaminhamento para fora do RS, surge como alternativa para enfrentamento ao crime. A Promotoria defende que o regime seja instalado em uma nova penitenciária estadual, com cem a 200 vagas, em celas individuais, com controle de visitas e investimento em tecnologias, como bloqueador de celular e scanner.
A proposta foi levada ao secretário da Administração Penitenciária, César Faccioli. Isso impediria ainda o contato com detentos de outras organizações criminosas.
— Nas prisões federais estão os presos mais perigosos de cada Estado. Em Mossoró, por exemplo, está o Fernandinho Beira-Mar. Embora não entre celular, não evita 100% da comunicação. Eles acabam tendo contato. E isso pode ser perigoso ali na frente. Seria muito melhor termos estrutura diferenciada para isolá-los aqui — analisa o coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública do MP, promotor Luciano Vaccaro.
22 horas por dia na cela
Dentro dessas penitenciárias federais, parte do espaço é destinada ao mais rígido sistema permitido no Brasil: o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), onde o detento permanece 22 horas por dia na cela. Desde fevereiro, as visitas nas unidades federais só são permitidas em parlatório, onde o preso e o familiar ficam separados por um vidro e se comunicam por interfone. Com celas individuais, uniformes, apenas duas horas por dia de banho de sol, sob vigilância de câmeras e sem acesso aos meios de comunicação, segundo o Ministério da Justiça, as prisões federais nunca registraram fugas, rebeliões ou superlotação. Nenhum celular entrou nas unidades, que contam com quatro etapas de revista.
Juiz da 1ª Vara de Execução Criminal de Porto Alegre, Paulo Augusto Oliveira Irion também acredita que a construção de uma prisão com aplicação do RDD é a saída para conseguir manter criminosos sem contato com o mundo externo, sem impedir a convivência com familiares.
— Está na hora de o RS ter uma prisão estadual com condição de aplicação de RDD. Com presos sendo mantidos no Estado, não ficando afastado dos familiares, o que vai a favor da reintegração na sociedade. Pode ser uma casa pequena, com agentes penitenciários especializados nesse regime.
Não precisa ter o tamanho de uma penitenciária federal. Assim se conseguiria fazer com custo menor – argumenta.
Como funciona a penitenciária federal
- Perfil do detento: o regime diferenciado é voltado para detentos de alta periculosidade, como líderes de organizações criminosas que seguem comandando crimes de dentro das cadeias. O espaço poderia abrigar, por exemplo, criminosos no retorno de penitenciárias federais.
- Visitas: em fevereiro, uma portaria do Ministério da Justiça recrudesceu as regras para visitas em prisões federais. Até então, a maioria dos presos recebia visitas no pátio, embora de forma controlada. A partir da publicação, visitas em penitenciárias federais de segurança máxima só podem ser feitas por parlatório ou videoconferência. No parlatório familiares, separados por vidro, podem conversar com o preso por um interfone.
- O preso poderá ser atendido uma vez por semana, apenas por um advogado, em dia e horário de expediente administrativo, unicamente em parlatório, às segundas, terças ou sextas-feiras, mediante prévio agendamento e terá duração máxima de uma hora.
- Visita íntima: nas penitenciárias federais, a visita íntima pode ser concedida com periodicidade mínima de uma vez por mês por uma hora. No entanto, é vedado a visita íntima a líderes de organização criminosa e membros de quadrilha ou bando envolvido na prática reiterada de crimes com violência, entre outros.
Prisão federal de Charqueadas nunca saiu do papel
Chefe do Departamento de Inteligência Estratégica da Secretaria da Segurança Pública (SSP) do RS, e ex-chefe da Polícia Civil, Emerson Wendt explica que, apesar de impedir a comunicação externa com integrantes do mesmo grupo, o contato com criminosos de outros Estados pode ser um risco à segurança.
— Essa seria a melhor saída: ter um RDD. Teria o mesmo efeito que tem enviando para o sistema prisional federal, mas mais positivo em relação a não possibilitar contato com presos de outras facções — afirma o delegado.
Para o delegado, uma possibilidade de isolar criminosos do Estado aqui seria construir uma prisão federal para abrigar só presos gaúchos.
— Creio que o melhor seria cada Estado ter sua prisão federal, para isolar os principais presos, que têm influência na rua. Também é fundamental descapitalizar as organizações criminosas. Algo que já vem sendo feito. Não adianta isolar, se ele continua com capital.
“Importação”
O RS aguarda há mais de dois anos pela construção da Penitenciária Federal de Charqueadas, na Região Carbonífera. Anunciada em 2017, a obra tem orçamento de R$ 50 milhões. O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) terá de lançar outra licitação para a obra caso decida levar o projeto adiante — procurado sobre prazos, o Depen não se manifestou.
Já o magistrado da 1ª Vara de Execução Criminal, Paulo Irion, é contrário à construção de uma unidade federal aqui.
— Sou totalmente contra. A capacidade de um federal é 208 presos. Nós não temos essa demanda aqui. Íamos acabar importando presos de outros Estados. Fazendo com que outras facções criminosas passem a atuar aqui — afirma.
Custo de unidade modelo é de R$ 45 milhões
A mais nova penitenciária federal é a de Brasília, inaugurada há nove meses, que custou R$ 45 milhões. O valor serve de base para analisar o investimento necessário para construção de uma prisão em modelo semelhante no Estado. Diante do cenário de escassez de recursos, uma das possibilidades debatidas para isolar presos é adequar a Penitenciária de Alta Segurança (Pasc). A unidade, inaugurada em 1992, tem celas individuais. Mas com o histórico de fugas, perdeu ao longo dos anos o status de segurança máxima.Após a Operação Pulso Firme, em 2017, o Departamento de Inteligência da Secretaria da Segurança Pública produziu relatório, no qual defendia a adequação da penitenciária para receber celas em RDD.
O documento foi debatido com a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). A sugestão era reformar uma galeria da Pasc ou construir uma nova ala, com 60 a 70 vagas, junto aos muros da prisão. Sem bloqueador de celular, a unidade contaria com revistas frequentes. Seria uma forma de isolar os principais chefes, com mais agilidade, impedindo que comandem delitos cometidos do lado de fora.
– Um criminoso que precisa entrar em contato com um líder dentro da cadeia simplesmente pega o telefone e fala diretamente. Muitos vídeos de execuções eram feitos com objetivo de mostrar ao mandante, que estava na prisão. Tem pessoas que necessitam estar segregadas. Um ambiente aqui vai te dar um resultado mais efetivo do que construir uma ou duas cadeias maiores. Porque isola quem com uma ligação pode comandar execuções, incêndios em ônibus, roubos a bancos – avalia o delegado Rodrigo Pohlmann, que na época chefiava o Departamento de Inteligência Estratégica da SSP.
Em contrapartida, o juiz Paulo Irion, responsável pelos presídios da Região Carbonífera, entende que a penitenciária não possui condições de abrigar uma prisão com essa finalidade:
— A Pasc está defasada. Não tem condições.
Planos
Conforme o secretário Cesar Faccioli, a proposta de implantação de um RDD no Estado está nos planos do governo. Entretanto, há outras prioridades, como a falta de vagas no presídios, o que tem gerado acúmulo de presos em viaturas.
— O plano ideal é a construção de uma nova casa, pequena. Outra hipótese é adaptação da estrutura da Pasc. Qualquer casa permite intervenção de engenharia adpatada para RDD.
O Rio de Janeiro, há cerca de oito anos, apostou nessa fórmula de transformar uma prisão existente em penitenciária de segurança máxima com regime diferenciado, em Bangu 1. Com capacidade para 48 presos, a cadeia opera sem superlotação. Mas as principais lideranças ainda seguem encaminhadas para unidades federais fora do Estado. O local é usado por períodos mais curtos, por exemplo, para receber os detentos que retornam ou estão prestes a serem encaminhados ao sistema federal. O promotor Luciano Vaccaro alerta que reformar uma prisão traz riscos:
— Quando tem uma estrutura que os presos já conhecem é difícil de ter isolamento 100%. E os presos conhecem cada centímetro da Pasc. Uma estrutura nova seria diferente. Mas claro se houver uma decisão de fazer um RDD na Pasc amanhã nós concordamos. Melhor do que não ter. Então teríamos que normatizar, regrar o RDD no Estado, por meio de uma portaria.