Em julho de 2017, em megaoperação que reuniu 3 mil agentes, o Rio Grande do Sul encaminhou para penitenciárias federais criminosos considerados os principais líderes de organizações criminosas do Estado. Quase dois anos depois, 17 desses presos podem regressar ao território gaúcho. Para tentar evitar o retorno, o Ministério Público (MP) encaminhou à Justiça no fim da tarde desta terça-feira (25) pedido de renovação para que eles continuem mais 360 dias segregados.
Entre os alvos dessas solicitações do MP, estão criminosos identificados como chefes de seis organizações criminosas. O grupo isolado soma 387 anos de pena a cumprir por crimes como homicídio, tráfico de drogas e ataques a bancos. Entre os argumentos do MP para mantê-los longe do Estado está a queda nos índices de criminalidade — atribuída ao afastamento desses chefes —, está o fato de o sistema prisional gaúcho não possuir presídio que consiga impedir a comunicação dos detentos por meio de celulares.
Para o coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública, promotor Luciano Vaccaro, a manutenção dessas lideranças isoladas permite, por exemplo, reunir mais provas contra os chefes. Nos documentos o MP cita, por exemplo, um caso de delação premiada, que gerou 60 processos contra uma organização criminosa. O delator é mantido em programa de proteção a testemunhas.
— A maioria dos homicídios é vinculada ao tráfico de drogas. E nesse período começamos a denunciar por homicídio pessoas que antes não eram acusadas ou não se conseguia fazer provas contra elas. Hoje estão denunciados, com uma prova robusta, em relação a crimes com penas elevadas. Estamos, no júri, denunciando os crimes cometidos por mandantes. Eles estão sentindo essa resposta do Estado. O índice de condenação do júri é elevadíssimo — afirma Vaccaro.
Dos presos, nove estão mantidos na penitenciária federal de Porto Velho, em Rondônia, sete estão em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul e um está em Mossoró, no Rio Grande do Norte. O pedido não atinge todos os 33 presos do RS que atualmente estão mantidos isolados fora do Estado. A solicitação é voltada para os criminosos transferidos a partir da Pulso Firme, que estão próximos do término do prazo de confinamento. Dos 27 enviados durante a ofensiva há quase dois anos, oito regressaram para o RS.
— É um isolamento pontual, num universo de 40 mil presos. Mas são eles que mantêm o controle da criminalidade. A transferência, em conjunto a uma série de medidas, foi ponto de partida para a redução dos índices. Em caso de retorno, o risco de um retrocesso seria muito grande — afirma o procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen.
Descapitalização
Além do isolamento, a descapitalização das facções, por meio da apreensão de bens, como imóveis e carros e bloqueio de contas, estão entre as ações que vem sendo realizadas para tentar reduzir o poder dessas organizações. Em outubro de 2016, foi criada uma Promotoria Especializada no Combate à Lavagem de Dinheiro, que atua em parceria com a Polícia Civil.
Chefe do Núcleo de Inteligência do MP, o promotor Marcelo Tubino participou dos trabalhos da promotoria desde a criação de um projeto-piloto. A redução de crimes violentos tem sido o principal foco da especializada. Somente uma facção teve nesse período cem contas correntes bloqueadas.
— O confinamento torna o líder incomunicável e afastava da célula de execução e operação. Na área de lavagem de dinheiro, em conjunto à polícia, passamos a imobilizar o patrimônio dessas organizações criminosas. Uma empresa para funcionar bem precisa ter um bom diretor e precisa de dinheiro. Se o office boy falta dias seguidos, a empresa substitui. Mas se a gente tirar o dinheiro, ela já não vai conseguir substituir facilmente. E se conseguir tirar a cabeça da empresa, vai desestabilizar. É assim como as organizações criminosas — analisa Tubino.
O desafio constante, no entendimento do promotor, é entender como as facções guardam e dissimulam esse dinheiro. As constantes formas que eles encontram de ludibriar o poder público. Ao longo desse período, 198 empresas foram investigadas em operações da Promotoria. Dessas, 124 foram alvo em ações contra quatro grupos criminosos.
— Acima de tudo tem de haver o ataque patrimonial. É o que vai retirar a capacidade de reorganização. Quando se atinge a capacidade econômica do grupo. Se o traficante tem caminhão apreendido, vai conseguir comprar outro. Se bloquear o dinheiro dele, sequestrar imóveis, não vai ter como renegociar.
É um isolamento pontual, num universo de 40 mil presos. Mas são eles que mantêm o controle da criminalidade. A transferência, em conjunto a uma série de medidas, foi ponto de partida para a redução dos índices. Em caso de retorno, o risco de um retrocesso seria muito grande.
FABIANO DALLAZEN
Procurador-Geral de Justiça
A solicitação
O pedido para que os presos permaneçam mais 360 dias isolado foi encaminhado às Varas de Execuções Criminais (VECs) de Porto Alegre, responsável por 12 desses presos, Novo Hamburgo, por quatro deles, e Canoas, com um detento.
Se os pedidos forem aceitos pelo Judiciário, ainda será necessário encaminhar a solicitação à Justiça Federal, que precisa confirmar a permanência dos presos fora do Estado. No ano passado, como a solicitação não foi aceita na VEC da Capital, o MP recorreu com ação cautelar ao Tribunal de Justiça do Estado para suspender o retorno dos presos.
— Nossa expectativa é de que todos os juízes, justamente em razão do que o TJ decidiu no ano passado, dando provimento aos nossos recursos, e entendendo da periculosidade deles e da necessidade de permanecerem lá, de outros trabalhos que estão sendo feito no combate às facções, que já no primeiro grau termos a acolhida dos nossos pedidos. Isso tudo que está sendo feito está contribuindo para a redução da criminalidade. Mas se isso não for possível, infelizmente, vamos buscar de novo no segundo grau, com os recursos apropriados a permanência deles em prisões federais — afirma o promotor Luciano Vaccaro.