Foi durante uma reunião de trabalho, em março, que a cúpula da segurança pública gaúcha reconheceu: medidas preventivas e captura de bandidos tinham efeito quase nulo na escalada da violência no Estado. Não era mais possível conviver com decapitações, esquartejamentos e dar explicações sobre crimes bárbaros como um pai executado por engano em estacionamento de supermercado e mãe assassinada por ladrão em frente a escola do filho.
– Solução tradicional para problemas que não se resolvem exige mudanças. Não pode ser mais do mesmo – sentenciou Cezar Schirmer, secretário da Segurança Pública (SSP).
A frase foi a senha para desencadear a Operação Pulso Firme, maior ofensiva realizada no Estado, com a participação de 3 mil agentes de 19 instituições municipais, estaduais e federais. A ação foi tornada pública na madrugada de sexta-feira com com a transferências de 27 condenados gaúchos para penitenciárias federais em Mato Grosso do Sul, Rondônia e Rio Grande do Norte. A maioria deles é considerada líder de facções que comandava crimes de dentro das cadeias gaúchas.
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A ação foi estudada por cinco meses. Em meio a análises de planos por técnicos da SSP em parceria com policiais civis, militares e agentes penitenciários, brotou a ideia de transferir para fora do Estado os responsáveis pelas mortes nas ruas que, sabidamente, estavam dentro das cadeias.
E um fator chamou a atenção: o isolamento na penitenciária federal no Paraná de Jackson Peixoto Rodrigues, o Nego Jackson, em fevereiro, e o de José Dalvani Nunes Rodrigues, o Minhoca, na prisão federal de Mato Grosso, em março, coincidiram com a redução de homicídios em Porto Alegre. Líderes de facções criminosas – refugiados no Paraguai, onde foram presos –, os dois são acusados de comandar dezenas de assassinatos na Capital.
Ainda em março, foi reforçado o patrulhamento na Grande Porto Alegre com 350 PMs vindos do Interior, acrescido de duas centenas de agentes da Força Nacional. O passo seguinte foi buscar apoio de outras instituições ao plano de transferir líderes de facções para penitenciária federais e "cortar a cabeça pensante" dos crimes nas ruas. Em Porto Alegre, Schirmer se reuniu com a direção do Ministério Público, com a presidência do Tribunal de Justiça e teve três encontros com generais do Comando Militar do Sul.
Em Brasília, o secretário foi ao gabinete do ministro da Justiça, Osmar Serraglio. Responsável pela Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Serraglio era figura importante para que o projeto se concretizasse com aval da Justiça Federal, que decide sobre transferências para prisões da União.
Em junho, o sinal verde do Ministério da Justiça
A queda de Serraglio, no final de maio, e a chegada do novo ministro da Justiça, Torquato Jardim, fez Schirmer retomar o assunto em junho, quando recebeu o sinal verde para as transferências. O objetivo da SSP era remover 46 apenados, mas 19 nomes foram vetados, uma parte por juízes gaúchos e outra por magistrados federais.
– O ideal seria transferir 200 criminosos, mas esses 27 dão mostra das nossas intenções – afirmou Schirmer em entrevista coletiva, na qual o governo do Estado e autoridades comemoraram a ofensiva como "marco do enfrentamento ao crime". O chefe do Executivo, (governador) José Ivo Sartori, saudou a integração com 19 instituições – entre forças estaduais, federais e de Porto Alegre – e disse que ela representa uma conquista nacional.
– Este trabalho deve ser contínuo e permanente. Esse será um final de semana diferente para os gaúchos – enfatizou Sartori.
A ação teve início na madrugada de quinta-feira, quando a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) concentrou os 27 presos na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). A maioria dos transferidos estava detida no Presídio Central de Porto Alegre e na Pasc. Antes de serem levados em camburões para a Base Aérea de Canoas, todos baixaram a cabeça e, em fila indiana, dirigiram-se às viaturas.
No meio da manhã de sexta-feira, o grupo embarcou em dois aviões da Aeronáutica com destino às penitenciárias federais de Porto Velho (RO), Mossoró (RN), e Campo Grande (MS), sendo nove presos para cada. A remoção de Charqueadas até Canoas, mobilizou PMs do patrulhamento ostensivo, bombeiros e policiais rodoviários federais. Foram bloqueados trechos da BR-290 e da RS-401 para permitir a passagem do comboio, gerando congestionamentos nas rodovias.
Os presos escolhidos para deixar o Estado comandavam o tráfico de drogas, ordenavam execuções, assaltos a banco, roubos de carro, entre outros crimes de dentro do sistema prisional. Por serem os líderes das maiores facções gaúchas e manterem contato com seus subordinados nas ruas, há receio de que essas transferências causem uma onda de violência no Estado. Questionado sobre o assunto, Schirmer ressaltou:
– Estamos atentos, preparados para tudo, para o que der e vier.
O secretário ainda destacou que a chegada às ruas do Estado de 1.018 novos PMs neste mês, além do anúncio de concurso para 6,1 mil servidores, não são por acaso.