Bastaram algumas horas de chuva forte e o sistema de drenagem da principal cidade gaúcha voltou a naufragar entre o final da manhã e a tarde desta quinta-feira (23). A população de Porto Alegre testemunhou mais uma vez cenas caóticas de água brotando do chão, vias interrompidas, necessidade de resgates por barco e falta de informações antecipadas por parte da prefeitura.
Além de bairros como Menino Deus e Cidade Baixa voltarem a submergir, zonas até então a salvo de transtornos foram atingidas principalmente em pontos da Zona Sul. Em entrevista coletiva, o prefeito Sebastião Melo creditou os novos problemas a um conjunto de causas, como a concentração das pancadas previstas em um curto período de tempo.
Especialistas do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) sustentam que a precipitação registrada não representaria um desafio substancial em condições normais, mas sobrecarregou um sistema debilitado por falhas anteriores que levaram ao desligamento da maior parte das casas de bombas e ao comprometimento parcial da canalização pluvial. Para evitar danos ainda maiores, Melo anunciou o fechamento das cinco comportas que estavam abertas e um esforço para intensificar a limpeza da rede de drenagem.
Alarmada, até o começo da tarde a população da Capital permanecia sem esclarecimentos oficiais sobre o novo dilúvio que tomava a cidade pelos mesmos bueiros por onde deveria escoar a chuva, que chegou a somar mais de cem milímetros em partes da Zona Sul ao longo de 12 horas. Um cenário observado nas últimas semanas se repetiu: ao menos 10 crianças precisaram ser retiradas de bote de uma creche em uma esquina da Avenida Otto Niemeyer.
Em uma primeira manifestação oficial, por meio de um vídeo divulgado via redes sociais, o diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), Maurício Loss, culpou a quantidade de chuva "além do que os modelos previam" pelas dificuldades e garantiu que a prefeitura trabalhava para ampliar a capacidade de bombeamento em instalações que atendem os bairros Menino Deus e Cidade Baixa. A previsão do Instituto Nacional de Meteorologia da véspera indicava possibilidade de volumes próximos a 70mm.
Na entrevista coletiva concedida pouco depois das 15h, Loss e o prefeito admitiram que o aguaceiro se somou a outros problemas.
— Nós temos uma rede (de drenagem) extremamente sobrecarregada por água e, agora, com sua capacidade reduzida porque há um grande acúmulo de areia, de lodo, depositado sobre essa rede, então diminui ainda mais a eficiência. Faz com que a água fique mais superficial, visto que aqui tivemos um grande volume de chuva. Fora essa catástrofe que estamos vivendo, só esse volume acumulado de chuva em um curto período de tempo já estaria nos trazendo problema, só que agora temos ainda o somatório do Guaíba extremamente alto — afirmou o diretor-geral do Dmae.
Melo voltou a enfatizar que todo o sistema de prevenção de cheias e alagamentos do município precisa ser reavaliado:
O que vimos é um desdobramento do fato de a água ter entrado anteriormente
FERNANDO DORNELLES
Especialista do IPH
— O que eu posso reafirmar com toda tranquilidade é o seguinte, que as causas da inundação não são uma coisa só. O sistema precisa ser revisitado na sua totalidade, com decisões que tomaremos a curtíssimo, médio e a longo prazo.
Para o professor do IPH Fernando Dornelles, a chuva não pode ser vista de forma isolada como responsável pelos novos transtornos.
— O que vimos é desdobramento do problema da água ter entrado anteriormente no pôlder (área protegida por dique ou muro). Se a cidade não tivesse inundado já, e as casas de bombas estivessem operando em capacidade plena, essa chuva não seria nada anormal. Já passamos outras vezes por chuvas como essa, e Porto Alegre superou. Ocorriam alagamentos em alguns pontos, de forma transitória. O problema é que agora estamos com as casas de bombas funcionando parcialmente — sustenta Dornelles.
No começo do mês, a Capital chegou a ficar com apenas quatro das 23 casas de bombeamento pluvial em operação. No momento, 10 se encontram ativas, mas enfrentam limitações como um número menor de motores em funcionamento e o assoreamento da canalização.
Também professor do IPH, Fernando Fan concorda que os alagamentos da quinta-feira podem ser explicados pelo depósito de lodo e sujeira na rede de drenagem, em conjunto com a redução na força total de bombeamento e a elevação do Guaíba, que estava pouco acima de 3m90cm até o meio da tarde (o recorde é de 5m35cm):
— Esse é o panorama geral. Se (no vídeo divulgado pelo Dmae) eles informam que estão tentando ampliar a capacidade de bombeamento, é porque não está a pleno.
Fernando Dornelles reforça que, com o Guaíba elevado, sem a força das bombas não há como "empurrar" os alagamentos para fora da cidade. Por isso, é fundamental contar com um sistema que esteja à altura da tarefa.
Maurício Loss informou que, além de seguir tentando recuperar mais bombas, o Dmae está fazendo três pregões para contratar os serviços de mais 30 caminhões de hidrojato (usados para limpar a canalização pluvial). O primeiro deles resultou em uma primeira leva de oito equipamentos que, segundo o diretor-geral, devem agilizar a desobstrução do sistema de drenagem nos próximos dias.
Comportas serão novamente fechadas
O prefeito Sebastião Melo aproveitou a entrevista coletiva para anunciar medidas destinadas a evitar transtornos ainda maiores. Entre elas está o fechamento de cinco comportas, que haviam sido abertas ao longo do Muro da Mauá e dos diques de contenção, para impedir que o esperado repique do nível do Guaíba jogue ainda mais água para dentro da Capital além da inundação remanescente. Nas últimas semanas, alguns portões haviam sido abertos porque a altura da água era maior dentro da cidade do que na face externa da linha de contenção.
— Tomamos a decisão, que começa agora à tarde, do fechamento das comportas. Por que razão? Porque essa chuva, do ponto de vista do rio, ela começa a chegar amanhã (sexta-feira) e, segundo os meteorologistas e os hidrólogos, poderá elevar de 40cm a 50cm o rio (Guaíba) - justificou Melo.
Segundo Maurício Loss, os técnicos do Dmae seguiam monitorando "minuto a minuto" o fluxo da água para determinar qual seria o melhor momento para recompor as barreiras ao longo do muro e dos diques. Para isso, seriam utilizadas as próprias comportas, onde possível, ou as chamadas "bags", espécie de sacos destinados a conter a propagação da água.
As comportas que deveriam ser fechadas são a 3, localizada no Muro da Mauá próximo à Rua Padre Thomé, no Centro, e as de número 11, 12, 13 e 14, seguindo em direção ao Norte (a 3 foi derrubada para liberar a água do Guaíba, e a 14 foi rompida pela força da inundação ainda nos primeiros dias da enchente).
O prefeito também divulgou a suspensão das aulas nas redes pública e privada no município para reduzir a necessidade de deslocamentos durante a nova crise registrada na Capital.