No último dia 30, o Lar Residence – estabelecimento focado em estadias longas no Centro Histórico, com mais de 40 anos de trajetória – foi o sexto hotel a encerrar as atividades em Porto Alegre desde o início da pandemia de coronavírus. A notícia veio oito meses depois do fechamento do tradicional Hotel Everest, a 750 metros dali, que sucumbiu mesmo sendo vizinho de um dos pontos turísticos mais tradicionais e queridos da cidade, o Viaduto Otávio Rocha.
Uma unanimidade entre empresários do setor é que, se dependesse apenas da saúde financeira, mais hotéis da Capital fechariam. Mas há um empecilho.
– Hotel é um negócio complicado até para fechar. É como um elefante. Vale mais a pena dar um jeito de alimentar e mantê-lo vivo, mesmo magrinho, porque se ele morrer não tem como dar conta da carcaça – compara Roberto Snel, gerente do Master Porto Alegre Hotel, na Avenida Carlos Gomes.
Daí a explicação para os fechamentos se concentrarem majoritariamente em estabelecimentos pequenos do Centro Histórico. A “carcaça de elefante” a que o Snel se refere inclui prédios grandes e difíceis de serem convertidos para outros usos pelas particularidades arquitetônicas e cujas taxas como o IPTU continuariam a ser cobrados. Além disso, há problemas como as rescisões dos funcionários e o patrimônio em rápida depreciação em caso de desuso, como elevadores e sistemas de ar-condicionado.
De modo que, de acordo Carlos Henrique Schmidt, presidente do Sindicato de Hotéis de Porto Alegre (SHPOA) e representante do setor junto ao Sindicato de Hospedagem e Alimentação de Porto Alegre e Região (Sindha), a solução é buscar alternativas para seguir operando mesmo com uma ocupação média, que chegou em março ao recorde negativo de 17,9%, o pior desde a retomada do setor, no inverno passado.
Hotel é um negócio complicado até para fechar. É como um elefante. Vale mais a pena dar um jeito de alimentar e mantê-lo vivo, mesmo magrinho, porque se ele morrer não tem como dar conta da carcaça
ROBERTO SNEL
Gerente do Master Porto Alegre Hotel
Como uma operação financeiramente saudável precisa ficar acima dos 50%, os empresários tentam a diversificação dos serviços desde a chegada da covid-19. O resultado final, porém, não tem sido dos mais animadores.
– No começo da pandemia surgiu um monte de ideias geniais, como usar os quartos de hotéis como escritórios ou oferecê-los com tarifas promocionais a profissionais da saúde, mas esse tipo de serviço vende em pouca quantidade. O que aconteceu na prática foi uma queda brusca de tarifa para competir pelos hóspedes que restam. Não adianta, são 10 anzóis para cada peixe e ele morde o de melhor serviço pelo menor preço – declara Schmidt, que administra o Plaza São Rafael Hotel, no Centro Histórico.
Com menos demanda do principal cliente da rede hoteleira porto-alegrense, o turista de negócios, a tarifa média caiu de R$ 220 para cerca de R$ 180. A queda já significativa de 20% é maior, na prática, se considerada a inflação no período, que impactou sobre os custos, mas não foi incorporada aos preços.
– Nesse cenário, faz pouca diferença ser um hotel de cinco, quatro ou menos estrelas. Competimos pelos clientes que restam. Hoje, por exemplo, vejo os hotéis de luxo competindo comigo por delegações de times de futebol, algo impensável em outros tempos – exemplifica Snel, do Master Porto Alegre Hotel.
O estabelecimento foi um dos poucos que optou por se manter aberto ao longo de toda a pandemia. A medida mais significativa de contingenciamento foi o cancelamento do contrato com a marca Holiday Inn, para economizar em royalties e outros custos da franquia e investir recursos na estrutura do espaço e no reforço da bandeira própria. O hotel também passou a oferecer instalações especiais para quem está em quarentena e até infectado pela covid-19 (em uma ala completamente isolada dos demais hóspedes) e a realizar ações de aproximação com o público, como uma feira orgânica aos domingos.
O que aconteceu, na prática, foi uma queda brusca de tarifa para competir pelos hóspedes que restam. Não adianta, são 10 anzóis para cada peixe e ele morde o de melhor serviço pelo menor preço.
CARLOS HENRIQUE SCHMIDT
presidente do SHPOA
No início da pandemia, a maior parte dos estabelecimentos optou por aplicar a MP 936 (medida provisória que permitiu suspensão de contratos e redução de jornada) para manter as portas fechadas entre abril e julho, meses em que sequer foi realizada aferição de ocupação. Em agosto, as operações foram retomadas com 16,8%, e chegou a se manter acima dos 30% entre outubro e janeiro, animando* os empresários. Mas recrudesceu novamente com a chegada da segunda onda em fevereiro.
– Diferentemente de uma loja, que tem estoque e pode vender o produto depois, o hotel lida com o mais perecível dos produtos. Um quarto desocupado por uma noite, nunca mais é recuperado – compara Schmidt.
Outra medida é a redução ou remodelação das estruturas. No Ritter Hotéis, em frente à Estação Rodoviária, apenas uma das duas torres está sendo usada. E parte da estrutura foi transformada em coliving para períodos de longa permanência. A modalidade, chamada Haus Von Ritter, transformou os quartos mais espaçosos – entre 22 e 37 metros quadrados – em apartamentos mais aconchegantes, e oferece como opcionais os serviços de café da manhã e de lavandeira. O período de hospedagem varia entre um e seis meses.
– Às vezes a gente mira em um público e atinge outro. Esperávamos atrair, por exemplo, trabalhadores que passam os dias úteis em Porto Alegre e voltam ao Interior. Temos esse público, mas fomos surpreendidos também com pessoas em meio a um processo de divórcio ou casais que aproveitaram a pandemia para reformar suas residências e estão conosco como uma residência auxiliar – conta Ricardo Ritter, diretor do hotel.
Operários em segurança
Sócia do Hotel Porto Alegre, na Avenida Cairu, Sílvia Colossi também diversificou o público. Diferentemente dos executivos de pequenas empresas que buscavam hotelaria na região do 4º Distrito, Sílvia fechou contrato com uma construtora para receber trabalhadores da construção civil. Algo que se tornou mais barato e especialmente bem-vindo em um cenário de cuidados sanitários.
– Em agosto, assim que retomamos, eu cheguei a me ver com mais funcionários do que hóspedes. Em vez de um alojamento da empresa, os operários ficam aqui em quartos individuais. O preço da diária baixou bastante, mas conseguimos garantir um período de boa ocupação. Ainda assim, tive de fazer desligamentos. Eu tinha 14 funcionários, hoje tenho 11 – conta.
De acordo com levantamento do Sindha, 80% dos estabelecimentos revelam que terão de demitir entre 10% e 20% dos seus funcionários caso não haja melhora na economia ou não sejam aplicadas medidas específicas de ajuda ao setor.
Conforme os empresários, duas delas são urgentes e precisariam de apoio concreto do Executivo e do Legislativo. A primeira é postergar o pagamento do IPTU sem a incidência de multas. Na prática, eles declaram que parte dos estabelecimentos já está inadimplente ou por falta de recursos ou por priorizarem outros gastos na expectativa de renegociação com a prefeitura mais à frente. A outra se refere às taxas nas contas de luz e água, que são calculadas presumindo uma demanda de consumo que não está sendo nem perto do necessário.
– Seriam medidas mais simples e eficazes do que linhas de financiamento, por exemplo. Porque a situação é tão grave que contrair dívida neste momento seria temerário – opina Snel, do Master Porto Alegre Hotel.
Ainda assim, são paliativos. A convicção dos empresários do ramo é de que a recuperação em Porto Alegre será paulatina e ocorrerá no ritmo da retomada dos eventos de todos os tamanhos. Desde pequenos treinamentos corporativos, por vezes realizados nos saguões e espaços dos próprios hotéis, passando por congressos profissionais até, enfim, a retomada das grandes feiras como a Expointer, dos shows e dos jogos de futebol.
Nesse meio tempo, recomenda-se que Porto Alegre reforce os investimentos em turismo, sobretudo na Orla do Guaíba, cuja boa aceitação já se verificava em 2019 na sensível, porém perceptível, melhora das ocupações aos finais de semana. No segundo semestre, ao menos duas novas atrações na região têm previsão de iniciar operações: o Embarcadero, próximo à Usina do Gasômetro, está pronto e depende somente do arrefecimento da pandemia, e o trecho 3, que vai da foz do Arroio Dilúvio ao Parque Gigante, com previsão de inauguração em agosto.
– Talvez seja a grande saída para que Porto Alegre se torne uma cidade atraente em dois períodos que sempre foram críticos: aos finais de semana e nos meses de verão, em que a cidade se esvazia. É duro manter um serviço de hotelaria com períodos certos de baixa procura como esses, por mais que os eventos do segundo semestre compensem – opina Ana Helena Fett, ex-administradora do Everest.
Embora o cenário atual seja crítico, Ana Helena se diz otimista sobre uma negociação em curso pelo imóvel do Everest. O sigilo não permite que ela revele o interessado ou o destino do imóvel, mas um indicativo de que pode haver um novo hotel no local é que a negociação incluiu as duas unidades do grupo fechadas também em 2020 no Rio de Janeiro.
Simultaneamente a essa negociação, há outros quatro hotéis em construção na Capital: um no Pontal, empreendimento multiuso na Orla, uma unidade da rede Íbis na Rua 24 de Outubro, no bairro Auxiliadora, o Radisson Moinhos 1903, no bairro Moinhos de Vento, em parceria com o Grêmio, e o Hotel Moov, que aproveitará a fachada centenária do Cine Astor, no bairro Floresta. O Swan Business, um dos seis estabelecimentos hoje fechados, reforma o imóvel no bairro Independência e promete voltar ainda em 2021 com mais apartamentos dedicados ao coliving, mas ainda com 40 quartos de hotelaria.
Sinais de que, tão grande quanto a preocupação com o presente, é a convicção de um futuro de dias melhores.
Hotéis fechados em Porto Alegre durante a pandemia
PLAZA CATEDRAL HOTEL
Rua Cel. Fernando Machado – Centro Histórico
SWAN BUSINESS MOLINOS FLAT*
Rua 24 de Outubro – Independência
HOTEL RODOVIÁRIA
Rua Voluntários da Pátria – Centro Histórico
EVEREST HOTEL
Rua Duque de Caxias – Centro Histórico
HOTEL COMFORT PORTO ALEGRE
Rua Cel. Vicente – Centro Histórico
LAR RESIDENCE HOTEL
Rua Demétrio Ribeiro – Centro Histórico
*Planeja reabrir em 2021 dividindo espaço com apartamentos de coliving.
Ocupação do setor hoteleiro de Porto Alegre em pandemia
Março/2020: 30,69%
Abril/2020: não contabilizado
Maio/2020: não contabilizado
Junho/2020: não contabilizado
Julho/2020: não contabilizado
Agosto/2020: 16,8%
Setembro/2020: 22,2%
Outubro/2020: 31,07%
Novembro/2020: 32,8%
Dezembro/2020: 30,3%
Janeiro/2021: 30,9%
Fevereiro/2021: 28,6%
Março/2021: 17,9%