Numa sociedade em que o direito à propriedade está previsto na Constituição, e mais de 70% das residências permanentes, segundo o IBGE, são em imóveis próprios, moradias coletivas são frequentemente vistas como alternativa para quem está em dificuldades financeiras ou busca uma residência temporária. Nos últimos anos, porém, esse tipo de lugar tornou-se popular também entre quem tem recursos, mas, por conveniência ou filosofia de vida, prefere viver na companhia de outras pessoas.
O chamado coliving, termo em inglês que se refere a residências coletivas — como os já muito difundidos albergues e as repúblicas estudantis —, atrai a atenção do mercado imobiliário, que aposta em casas ou prédios planejados para a vida em comunidade. Nos colivings "gourmetizados", o espaço individual é pequeno, mas a infraestrutura desses locais inclui facilidades como academia, piscina, cinema e escritório.
Como permite a construção de mais unidades no espaço, o modelo atrai cada vez mais a atenção dos investidores. Os prédios voltados para o coletivo, em geral, têm apartamentos com 30 metros quadrados ou menos, e foco nas áreas de convivência e uso comum, como lavanderia, cozinha coletiva e sala de estar. Já nas casas e apartamentos compartilhados, a área privativa é restrita a um dormitório, com ou sem banheiro, e os demais ambientes são comunitários.
O princípio é mais ou menos o mesmo de uma república, com uma diferença considerável. Nos novos empreendimentos, os serviços são centralizados em um administrador único, responsável por pagar as contas e garantir a manutenção das áreas de uso coletivo — um valor mensal costuma incluir quase todas as contas, do wi-fi à faxina. Também diferente das repúblicas, os colivings destinam-se a um público mais amplo do que apenas estudantes universitários — há, inclusive, empreendimentos voltados para a terceira idade.
— Tem desde modelos radicais, de quarto compartilhado, até outros em que se compartilham algumas áreas de um prédio. A sociedade atual vem pedindo por formatos alternativos de moradia, e a socialização e a otimização dos espaços fazem cada vez mais sentido — defende Alexandre Lafer Frankel, vice-presidente do Secovi.
Ainda não há um levantamento específico sobre esse tipo de moradia no Brasil. O Secovi estima que boa parte das 7,5 mil unidades de imóveis para solteiros construídas nos últimos 12 meses em São Paulo, onde o conceito está mais difundido, agregue características de coliving. Em Porto Alegre, os primeiros empreendimentos assim autodenominados começaram a surgir há cerca de dois anos.
Bom custo-benefício
Se para quem constrói o modelo mostrou-se atrativo em razão do potencial lucrativo, a opção de viver em casas compartilhadas dá-se por múltiplos fatores. Um dos principais é o custo-benefício. Por um valor único que, em Porto Alegre, pode ficar entre R$ 700 e R$ 2 mil mensais, é possível morar em bairros centrais como o Bom Fim, o Floresta e o Moinhos de Vento, com quase todas as despesas incluídas.
Outro atrativo está relacionado à busca por um estilo de vida mais sustentável. Como boa parte da infraestrutura e dos equipamentos são utilizados por várias pessoas, esse tipo de moradia é vista como forma de otimizar recursos, atitude cada vez mais necessária à preservação ambiental.
Mas o ponto mais destacado pelos entusiastas dos colivings não tem viés pragmático. Idealizadores e pesquisadores acreditam que a possibilidade de aproximar-se de outras pessoas por meio da convivência, mais intensa que nos modelos convencionais de habitação, favorece o desenvolvimento pessoal de quem abraça a experiência.
— A dimensão colaborativa é uma das mais desejadas, por conta da solidão epidêmica que vivemos, e também a mais desafiadora, porque as pessoas têm muito medo umas das outras. É o vetor mais bonito e fascinante — diz a arquiteta e urbanista Lilian Avivia Lubochinski, que atua como consultora para grupos que pretendem viver de forma colaborativa.
A arquiteta paulista destaca, no entanto, que há diferença entre compartilhar e colaborar. Enquanto o compartilhamento implica em divisão — seja do espaço ou de equipamentos —, a colaboração refere-se à soma, à construção de algo enquanto comunidade. Sob essa perspectiva, nem todos as moradias coletivas são necessariamente ambientes colaborativos.
Se nas casas compartilhadas a convivência é mais evidente — e inevitável —, nos prédios, os administradores costumam propor atividades para aproximar os moradores, como eventos gastronômicos ou "reuniões de condomínio" descontraídas, com pizza ou churrasco. Alguns locais contam com hortas comunitárias, e outros têm atividades em grupo como aulas de ioga ou idiomas, por vezes ministradas pelos próprios moradores.
Na Capital, dois empreendimentos que adotaram o conceito apresentam propostas diferentes: enquanto o Pueblo 595, inaugurado no começo de 2018, é um prédio de apartamentos, o OKA Coliving, que iniciou em 2017 e conta com quatro imóveis, aluga quartos — recém-concluído, o Cine Teatro Presidente, na Avenida Benjamin Constant, deve funcionar em um modelo semelhante ao Pueblo. Os dois primeiros foram visitados pela reportagem. Saiba como funcionam: