Quando os andaimes e as telas de proteção saírem, o número 1.891 da Benjamin Constant vai refletir os velhos tempos do bairro Floresta. A fachada centenária do antigo Cine Astor está sendo restaurada para virar a entrada de um hotel de 10 andares de uma bandeira internacional.
As obras de recuperação da fachada começaram em janeiro e devem terminar até a metade do ano. Elas resgatam uma história ainda mais antiga do que a que figura na memória do porto-alegrense: o prédio foi construído para ser o Theatro Orpheu, de 1923. Com 1.395 lugares, foi um dos maiores cinemas de Porto Alegre. De dia, exibia filmes. À noite, tinha apresentação de músicos e peças de teatro.
Após uma reforma nos anos 60, virou Cine Astor. Foi uma atração do Quarto Distrito até 1993, quando fechou as portas. O ator Marcos Breda lembra direitinho do letreiro luminoso na frente, anunciando orgulhosamente o “som estereofônico” e a almejada “projeção em 70 mm”. Foi lá que Breda assistiu 2001, de Stanley Kubrick.
— Eu tinha sete, oito anos de idade. Foi um dos primeiros filmes que assisti no cinema, e acabou virando o filme da minha vida —recorda o ator. — Bons tempos de cinema de rua, a avenida Benjamin Constant tinha vários.
O prédio foi projetado e construído pelos irmãos Eduardo e João Luiz Pufal, filhos de polonês, responsáveis por várias obras de Porto Alegre no começo do século passado. Esse último era o bisavô do servidor público Diego de Leão Pufal, 41 anos. Ele mora em Santa Catarina já há mais de uma década, mas passava por ali sempre que retornava a Porto Alegre. Decepcionava-se ao ver o imóvel abandonado. Com a parte interna demolida, a área servia de estacionamento.
—Do jeito que estava, ia cair, estava cada vez pior — lembra Pufal.
Celebrado por Pufal, o restauro é coordenado pelo arquiteto Lucas Volpatto. A fachada em estilo eclético (que mistura do clássico ao barroco) é toda decorada com medalhões, balaústres, carrancas, com toda uma pegada mística. Tem ornamentos em forma de quimeras (figuras híbridas de animais mitológicos) e, bem ao centro na parte superior, uma escultura em argamassa do homenageado Orfeu, figura da mitologia grega que encantava pássaros, árvores e até as pedras com o som da sua lira.
— É uma fachada muito alegórica, que da o tom do que se propunha a ser, um lugar de entretenimento — diz o arquiteto.
O HOTEL
A pandemia de covid-19 acabou atrasando os planos, mas o objetivo é abrir até a metade do ano o Hotel Moov, segundo Daniel Brites, diretor- geral da Endutex Hotéis Brasil, empresa do grupo português Endutex.
O empreendimento terá 156 quartos, atundo em um segmento econômico. A rede já tem um hotel Curitiba, que soma-se a quatro em operação em Portugal.
Questionado sobre o motivo de escolher o ponto do antigo Cine Astor, Daniel Brites cita a localização e conta que o primeiro hotel da rede, na cidade do Porto, tem uma fachada muito parecida — e coincidentemente também era um antigo cinema.
— A gente está acostumado a fazer isso de manter o que tinha, respeitar a história do local.