Depois de meses em teletrabalho, Guilherme Bitcheriene, 32 anos, resolveu experimentar uma jornada fora de casa na metade de agosto. Vestiu-se com roupa social, despediu-se da esposa e da filha pequena e pegou o carro para ir trabalhar. Além do atual contexto, que agora impõe cuidados como o uso de máscara de proteção, viu-se com um novo destino: em vez de rumar para a empresa onde atua, fez check in em um hotel da zona norte de Porto Alegre.
Frequentemente associados ao lazer ou ao descanso, quartos privativos de pelo menos três redes da Capital têm funcionado como escritório nos últimos meses. Chamado de room office, hotel office ou outros termos associados, o serviço permite que pessoas usem os dormitórios para trabalhar por algumas horas.
Às vésperas de uma reunião importante, a opção tornou-se atrativa para Guilherme, gerente em uma empresa de produtos químicos. Sem um espaço apropriado para a ocasião no apartamento onde vive com a esposa e a filha de quatro anos, resolveu buscar alternativas na internet. Descobriu o room office do Novotel Aeroporto, que utilizou por dois dias.
– Não estou conseguindo trabalhar da mesma forma que antes. Tenho uma demanda grande de reuniões e, sem escritório em casa, é difícil de focar. Tornou-se uma opção vantajosa para colocar o trabalho em dia – observa.
O quarto reservado previamente trazia mesa, cadeira confortável, smart TV, frigobar e cafeteira. Além do ambiente silencioso, a segurança de ter os devidos cuidados de higiene e a boa infraestrutura, com estacionamento gratuito, banheiro privativo e internet rápida, agradaram o morador do bairro São João, que recomendou o serviço para outros colegas.
O room office está sendo oferecido pelo Novotel Aeroporto desde que o local reabriu, no começo de julho. Segundo a gerente geral Giovana Filippini, a adaptação dos dormitórios incluiu a retirada das camas e a preparação da estrutura com equipamentos como mesa e cadeira de escritório, cafeteira e impressora. O hotel não divulga os números de utilização, mas diz que o retorno foi tão positivo que, já no primeiro mês, o número de quartos destinados ao serviço dobrou, passando de dois para quatro.
– Fiquei surpresa com a procura. Na primeira semana, tivemos a contratação de uma empresa que estava realizando um processo de seleção. Depois vieram outras pessoas que estavam com dificuldades de achar um ambiente tranquilo. Acho que veio para ficar – diz.
O estabelecimento, que oferece o serviço nas modalidades diária, semanal e mensal, integra a Accor, maior rede de hotéis do país e uma das pioneiras desse tipo de serviço no mundo. Segundo Olivier Hick, executivo-chefe das marcas da Accor no Brasil, a iniciativa surgiu após a queda abrupta na demanda por acomodações voltadas para o turismo em razão da pandemia de coronavírus. A ideia inicial era implantar apenas nas cidades maiores, como São Paulo. Mas, assim que souberam da alternativa, unidades de outras capitais manifestaram interesse.
– A ocupação dos hotéis vai demorar a voltar. Tivemos que pensar em como trazer pessoas de fora com um produto novo. Acreditamos que esse é um pequeno nicho que pode ajudar – avalia o representante da rede, que já contabiliza cerca de 500 reservas de room office em todo o país.
Saída para a crise
Conforme uma pesquisa da Cielo, o setor de transporte e turismo apresentou queda no faturamento de 77,2% desde março. Em Porto Alegre, a taxa de ocupação atual é de 27%. Especialistas estimam que o setor só deve retornar ao mesmo patamar de antes da pandemia em 2022.
A crise levou a Intercity Hotéis a adotar a locação para trabalho em todas as unidades a partir de meados de abril – são quatro somente em Porto Alegre. Os hotéis disponibilizam room office por meio turno ou turno inteiro, possibilitando que o quarto seja usado para reuniões. Para o diretor-executivo da rede, Marcelo Marinho, a novidade ampliou algo que já ocorria nos estabelecimentos da rede, onde há salas disponíveis para eventos corporativos.
– Quando a gente se viu no meio da pandemia, teve de se reinventar. Mas o room office já era uma prática: às vezes as pessoas locavam salas para fazer reuniões, entrevistas. Agora a gente deu nome para ela.
Segundo Marinho, há duas opções de quartos: os que tiveram as camas retiradas e foram adaptados para receber mais de uma pessoa e aqueles para uso individual, que tiveram as características preservadas. O serviço tem atraído, principalmente, quem precisa de um ambiente mais reservado para atividades específicas, como reuniões e entrevistas de emprego, sejam de Porto Alegre ou de fora da cidade.
Usuária da rede para atividades de lazer, a advogada Carolina Sanvicente começou a utilizar dormitórios para trabalhar desde que o escritório próprio aberto em março, que funcionava em um coworking, migrou para a casa dos funcionários sem previsão de retorno. Com os filhos de três e sete anos em casa, manter a concentração tornou-se um desafio.
– Brinco que não estava em home office, estava no hell’s office (escritório do inferno). Meu intervalo era ver desenho ou ajudar no homeschooling. O room office é uma chance de sair, tomar um café. Por um dia, tu voltas a ter hábitos pré-pandemia _ conta.
Para otimizar o uso do espaço, pelo qual pagou R$ 50 por meio turno, utiliza-o quando consegue agendar várias reuniões em sequência. Além do ambiente tranquilo, avalia que o processo de sair de casa, no bairro Moinhos de Vento, para ir até o hotel no Centro Histórico tem tido reflexos positivos no trabalho:
– Para mim, funcionou de uma maneira incrível. Faz bem se arrumar, sair de casa, tomar um ar. Em termos motivacionais, foi um upgrade.
Diversificação de usos é tendência
Se a demanda para atividades profissionais é o foco, também há quem tenha buscado o room office para outros usos. No Sheraton, onde 20 quartos padrão foram disponibilizados para servirem de escritório, o hotel observou uma ampliação do perfil do usuário do serviço ao longo dos últimos meses. Aos trabalhadores em busca de sossego, somaram-se pessoas do Interior que, com compromissos na Capital, buscavam uma base segura para recorrer ao longo do dia. Com valor mais barato do que o do pernoite, a opção office tornou-se atrativa.
– A demanda foi agregando novas necessidades, de pessoas que precisavam passar o dia em Porto alegre e queriam ter um lugar de apoio. Vamos estudar a possibilidade de estender para além da pandemia – relata a diretora de vendas e marketing do hotel, Cristhianne Galvão.
Estudiosos do assunto concordam que a experiência do room office tem potencial para movimentar a estrutura hoteleira depois que a pandemia passar. Professora do curso de hotelaria do Senac Porto Alegre, Sara Massotti Bonin avalia que empresas que mantiverem modelos de trabalho a distância poderão se valer do uso esporádico do modelo para funcionários que não têm a estrutura adequada para trabalhar em casa.
– Como o home office veio de maneira muito rápida, muitas pessoas não conseguiram adaptar o seu ambiente para o trabalho. Empresas que optarem por não ter mais uma estrutura física própria podem oferecer isso para os colaboradores algumas vezes por semana – projeta.
Para Sara, capitais como Porto Alegre, onde predomina o turismo de negócios, têm ainda chances de emplacar modelos de hospedagens híbridos, que prevejam o aluguel do dormitório e de um espaço de trabalho. Outra possibilidade é destinar áreas dentro dos hotéis para coworking, com salas estruturadas para uso compartilhado _ sistema adotado no Hotel Plaza São Rafael, atualmente fechado.
Diretor de planejamento estratégico da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Rio Grande do Sul (ABIH-RS), José Justo diz que a pandemia alertou o setor para a necessidade de ampliação e diversificação do uso dos espaços nos hotéis. Ele destaca que, além do room office, há estabelecimentos trabalhando com academias e restaurantes abertos a não hóspedes, como forma de movimentar as unidades. Para prosperar, no entanto, exigirá uma reaproximação do setor com o público local.
– O hotel era muito voltado para si mesmo. Dificilmente, as pessoas usavam para outras coisas. Agora, isso vai aumentar, porque as empresas se deram conta de que a abertura de áreas que não são de hospedagem é uma alternativa de monetização – diz.
Uma sondagem da Federação de Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS) realizada em julho aponta que 58,4% da força de trabalho do setor hoteleiro gaúcho sofreu algum tipo de alteração em razão da pandemia. Segundo a pesquisa, 50,2% demitiram funcionários, 31,6% reduziram jornada e de salários e 16% suspenderam contratos.