O presidente Jair Bolsonaro chega aos cem dias de governo com dois ministros demitidos — Gustavo Bebianno e Ricardo Vélez Rodríguez — e uma proposta de reforma da Previdência considerada fundamental às contas públicas do país que recém começa a ser discutida no Congresso. Bolsonaro incentivou polêmicas como o compartilhamento do vídeo do golden shower durante o Carnaval e o atrito na relação com o Parlamento. Ao mesmo tempo, buscou aproximação com Israel e Estados Unidos, considerados parceiros estratégicos para sua gestão.
1. Reforma da Previdência
Fiadora do apoio do mercado ao governo, a proposta chegou ao Congresso em fevereiro, com previsão de economia superior a R$ 1 trilhão em 10 anos. Porém, há resistências a itens do texto entre opositores e aliados, em especial, à desvinculação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) ao salário mínimo e ao maior rigor para aposentadoria rural. Ainda, causou mal estar o atraso no envio da reforma dos militares, que incluiu aumentos salariais com a criação de gratificações.
A falta de diálogo do Planalto com o Congresso, junto a críticas de Bolsonaro à "velha política", é alvo de reclamação entre parlamentares. Para melhorar a interlocução, o presidente foi convencido a receber caciques partidários, enquanto o ministro da Economia, Paulo Guedes, assumiu as negociações com líderes de bancadas.
2. Confusões com o Congresso
A falta de prestígio junto ao governo levou a Câmara a enviar recados ao Planalto, como a derrubada do decreto que ampliava a lista de servidores autorizados a aferir a confidencialidade de documentos. Parlamentares ainda aprovaram a PEC que engessa ainda mais o Orçamento do Executivo.
Os atrasos na instalação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde tem início a tramitação da reforma da Previdência, e na escolha do relator do texto também refletiram a insatisfação da Casa.
3. Posse de armas facilitada
Primeira promessa de campanha cumprida. Bolsonaro facilitou a compra de até quatro armas a qualquer cidadão maior de 25 anos, sem antecedentes e com curso de tiro, a partir da definição de critérios claros para efetivar a liberação da posse pela Polícia Federal.
O decreto foi assinado em 15 de janeiro e recebeu críticas de integrantes da bancada da bala do Congresso, que reclamaram por não terem sido chamados para discutir a elaboração das novas regras.
4. Pacote anticrime
Com foco delimitado em combate à corrupção, crime organizado e crimes violentos, o ministro Sergio Moro entregou ao Congresso seu pacote anticrime, propondo alterações em 14 leis. Entre as mudanças, está tornar regra a prisão após condenação em segunda instância.
Mas, o fatiamento da iniciativa em três projetos foi alvo de críticas, em especial, por deixar a proposta que criminaliza o caixa dois separada das outras medidas após pressão política. O pacote deverá ser votado na Câmara somente após a reforma da Previdência.
5. Aproximação com os Estados Unidos
A aproximação envolve ações bilaterais e a promessa do presidente Donald Trump de apoiar a entrada do Brasil na OCDE, o que representaria um aval à política econômica brasileira. O uso comercial da Base de Alcântara, no Maranhão, foi assinado, embora precise passar pelo Congresso.
O alinhamento às posições americanas sobre Israel também foi adotado. Porém, houve recuo na intenção de transferir a embaixada brasileira no país, hoje em Tel Aviv, para Jerusalém, devido à expectativa de perda de mercado em países árabes. Um meio-termo foi adotado com o anúncio de um escritório comercial em Jerusalém.
O discurso crítico à Venezuela e à ditadura de Nicolás Maduro também une as nações. Os Estados Unidos pressionam para que o Brasil use força militar contra o país vizinho, o que é rechaçado por militares que integram o governo.
6. Demissão de ministro e o laranjal do PSL
A primeira crise política causou a degola de um dos principais aliados de Bolsonaro. Presidente do PSL durante a campanha, Gustavo Bebianno foi demitido da Secretaria Geral da Presidência após suspeitas de que o partido havia repassado recursos para candidatas "laranjas".
Bebianno negou irregularidades, afirmando que havia conversado sobre o caso com o presidente, então internado em recuperação após retirada de sonda gástrica. Ele foi desmentido pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) pelas redes sociais, em postagem replicada por Bolsonaro.
A crise foi iniciada após reportagem da Folha de S.Paulo indicar que a sigla repassou recursos do fundo partidário a candidatas que receberam poucos votos. As suspeitas também rondam o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG). O caso está sendo investigado pela Polícia Federal. Ao contrário de Bebianno, Antônio foi mantido no cargo por Bolsonaro.
7. Crise no MEC
A segunda demissão de ministros no governo atingiu o MEC, paralisado por disputas internas. O então ministro Ricardo Vélez, que vinha exercendo a função figurativamente, foi substituído pelo economista Abraham Weintraub, próximo ao chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
Weintraub é alinhado às ideias do escritor Olavo de Carvalho, que avalizou sua indicação. A ala militar do Planalto, que espera ampliar seus espaços na pasta, não gostou do anúncio. A crise no ministério ocorreu por embates entre três grupos: técnicos, militares e alunos do escritor, a quem é atribuída a carta enviada a escolas pedindo vídeos de alunos cantando o Hino Nacional. Desde então, houve 14 demissões em cargos de destaque do ministério, o que não amainou a crise.
Na área, há atrasos na implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e nas discussões do Fundeb, principal fundo de financiamento da educação básica no país, além de apreensão quanto ao formato do Enem neste ano.
8. Lives no Facebook
Instrumento utilizado durante a campanha e na primeira manifestação após ser eleito, as transmissões no Facebook voltaram à agenda de Bolsonaro em março. Todas as quintas-feiras, às 19h, ele conversa com o público ao lado de integrantes da equipe.
Nas "lives", que tiveram cerca de cinco milhões de visualizações no mês passado, o presidente aborda diversos temas em cerca de meia hora. Ele costuma fazer anúncios — como o fim das lombadas eletrônicas no país —, além de atacar a oposição e a imprensa, em geral, por reportagens contrárias ao governo.
9. Vídeo obsceno e golden shower
No Carnaval, Bolsonaro compartilhou um vídeo com nudez pública de dois homens. Um deles aparece mexendo no ânus, enquanto o outro urina em sua cabeça. Segundo o presidente, a cena seria o que o Carnaval brasileiro "tem virado". Na sequência, questionou o que seria "golden shower", prática de urinar em frente ou sobre um parceiro sexual.
O conteúdo dividiu opiniões. Alguns seguidores classificaram o material como impróprio. Outros defenderam, dizendo que o presidente mostrou a "realidade". Após a repercussão, o vídeo e a pergunta sobre "golden shower" foram apagados.
10. Influência dos filhos
A exemplo da campanha, os três filhos mais velhos de Bolsonaro seguem atuando próximo ao pai. A influência, aliada à verborragia virtual, é criticada por militares e parte dos aliados no Legislativo. O trio é inspirado pelo escritor Olavo de Carvalho.
Vereador no Rio, Carlos (PSC-RJ) é o mais ativo na internet. Foi ele quem pavimentou o caminho para a demissão do ex-ministro Gustavo Bebianno, ao divulgar um áudio do pai criticando o outrora braço direito. Ele exerce influência sobre as contas de Bolsonaro na internet.
O deputado Eduardo (PSL-SP) é entusiasta da aproximação com os Estados Unidos e desponta como chanceler informal do país. Já levou "pitos" do pai após declarações controversas. Já o senador Flávio (PSL-RJ) é visto como o "mais político" do clã Bolsonaro, mas teve a imagem desgastada após as suspeitas de movimentações atípicas em sua conta bancária.
Em fevereiro, pesquisa CNT/MDA apontou que 75,1% dos brasileiros opinaram que familiares de um presidente não devem influenciar em decisões de governo. O mesmo levantamento mostrou que 56,8% dos entrevistados acreditam que os filhos de Bolsonaro interferem nas decisões do pai no Planalto.