Ao chegar a cem dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro tem o desafio de imprimir uma marca a sua gestão, além de evitar crises e a consequente paralisia em pontos nevrálgicos do Executivo. Apesar do capital político referendado por 57 milhões de eleitores, a resistência em abandonar o discurso de campanha e a defesa acanhada da reforma da Previdência surgem como os principais adversários do início de mandato.
— Isso tem a ver com a campanha, negando o que seria a política tradicional. Ele se mostrou como o arauto de uma nova política, mas ainda não soube construir e mostrar essa novidade — opina o cientista político do Insper, Leandro Consentino.
O cenário ainda de expectativa mantém a confiança de 59% dos eleitores de que Bolsonaro fará um bom governo. No entanto, o índice de quem aprova o governo (32%) é o menor entre os presidentes em início de mandato desde Fernando Collor, em 1990. Já a reprovação (30%) é a maior. Os dados integram pesquisa Datafolha.
A pauta conservadora ditou o início da administração. Em 15 de janeiro, a primeira promessa de campanha foi cumprida: a assinatura do decreto que facilita a posse de armas. Mas, em seguida, estourou a primeira crise, com a demissão do então ministro Gustavo Bebianno e a suspeita de que o PSL repassou recursos a candidaturas "laranjas".
Na área diplomática, foram confirmadas a aproximação com os Estados Unidos e Israel, mas sem a prometida transferência da embaixada para Jerusalém. O fato frustrou evangélicos, entre eles, parlamentares que apoiam o governo. Na área da segurança, uma das principais bandeiras de Bolsonaro, um pacote anticrime, foi apresentado pelo ministro Sergio Moro, ainda não andou no Legislativo.
Como prometido, a reforma da Previdência foi enviada ao Congresso em fevereiro. Mas a velocidade de tramitação do texto foi menor do que a verborragia do presidente. Em entrevistas e nas redes sociais, causou desconforto no Parlamento ao ligar apoio político à corrupção. A aproximação com presidentes de partidos, iniciada na última semana, tem o objetivo de desfazer o mal estar.
— O governo acertou ao apostar em técnicos, sobretudo Paulo Guedes e o ex-juiz Sergio Moro, que criaram uma âncora moral e uma junto ao mercado. Por outro lado, houve dificuldade na aproximação com o Congresso, o que gera muita dificuldade para as reformas — pontua Creomar de Souza, cientista política da Universidade Católica de Brasília.
A crise no Ministério da Educação mostra a face mais ideológica do governo. A influência do escritor Olavo de Carvalho e a paralisia em ações culminaram com a demissão do segundo ministro em pouco mais de três meses.
Do palanque em que se sente mais confortável — as redes sociais —, o presidente mantém acesa a chama da polaridade política, o que já não lhe confere o mesmo efeito da campanha.
— No discurso, (Bolsonaro) tem atendido sua base e eleitorado, mas, no plano prático, está distante de isso acontecer — acrescenta Consentino.