Pouco mais de 60 quilômetros irão separar o atual prédio da embaixada brasileira em Tel-Aviv do escritório comercial em Jerusalém anunciado neste domingo (31) pelo presidente Jair Bolsonaro em visita a Israel. A distância é equivalente, de carro, ao trecho entre Porto Alegre e Novo Hamburgo.
Ou seja, do ponto de vista estritamente prático, a abertura de outra repartição, com praticamente os mesmos fins de uma embaixada, que é muito maior e mais importante, é desnecessária.
Ninguém que queira negociar com o Brasil irá até Jerusalém tendo uma representação diplomática total encravada na capital econômica de Israel, Tel-Aviv, uma das mais modernas metrópoles do Oriente Médio, onde estão o Aeroporto Ben Gurion, startups e as principais empresas de tecnologia, defesa e segurança que o Planalto está de olho.
O Brasil irá criar uma instituição de Estado com funcionários, gastos com pessoal, manutenção e segurança na Cidade Sagrada por mero desejo político de agradar a gregos e troianos. O governo não quis comprar briga com os árabes, reconhecendo Jerusalém como capital, muito menos com israelenses, que já contavam com o presente prometido desde os tempos da campanha eleitoral.
Está claro que o então presidenciável Bolsonaro e sua equipe não mediram o impacto das promessas de mudar a embaixada de lugar. Faltou algum pensamento estratégico e muito de conhecimento de relações internacionais.
A conta veio antes mesmo da posse, quando o Egito cancelou a visita do então chanceler de Michel Temer, Aloysio Nunes, ao Cairo. A Liga Árabe condenou a transferência. Preocupada, uma delegação da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira foi até Brasília explicar ao vice-presidente Hamilton Mourão o peso da futura decisão nos negócios. As exportações brasileiras para aquela parte do mundo, em 2018, somaram US$ 11,5 bilhões. Juntos, os árabes são o segundo maior comprador de proteína animal brasileira.
Bolsonaro manteve de pé a promessa, em agrado à visita do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, a sua posse, em 1º de janeiro. Bibi, como é conhecido o premier, saiu faceiro de Brasília e fez média com seus eleitores em Israel — ele enfrenta as urnas, em 9 de abril, e pode sair derrotado em meio a denúncias de corrupção.
Mourão foi o primeiro a recuar da ideia da embaixada, seguido por vários interlocutores do Planalto que, ao serem questionados por jornalistas, afirmavam nas últimas semanas que a medida estava sendo melhor avaliada. Apenas EUA e Guatemala fizeram a mudança. O Paraguai transferiu, mas recuou depois. Todas as demais nações mantêm suas sedes diplomáticas em Tel-Aviv em anuência à recomendação das Nações Unidas.
A promessa de Bolsonaro agradava aos EUA de Donald Trump e aos evangélicos brasileiros, sua base de apoio. Para esse grupo, Jerusalém precisa estar com Israel quando o Apocalipse se confirmar e o Messias retornar à Terra — justamente na Cidade Sagrada, segundo as escrituras. O problema é que, para os palestinos, a porção leste da cidade também é reivindicada como capital de seu futuro Estado.
Apesar da tentativa do governo brasileiro de equilibrar os interesses e reduzir danos, boa parte dos árabes comemora o recuo de Bolsonaro, enquanto autoridades israelenses não escondem a frustração. Um escritório de negócios tem status muito inferior ao de uma embaixada.
O Brasil tem um escritório do tipo em Taiwan, com quem mantém importantes relações comerciais, mas nunca abriu uma embaixada porque não quer desagradar aos chineses. O território é visto pelo gigante asiático como uma província rebelde. Esse escritório foi importante, por exemplo, na época da crise envolvendo o menino gaúcho Iruan, cuja guarda era disputada pela família brasileira e taiwanesa.
Abrir um escritório comercial é uma medida adotada em locais nos quais o Brasil não tem relações diplomáticas com os governos. Não onde o país dispõe de embaixada, como em Israel. É uma saída pela tangente e pouco convencional do ponto de vista das relações entre as nações.