O presidente Jair Bolsonaro desembarcou neste domingo em uma das regiões mais explosivas do mundo por seus aspectos políticos, históricos e religiosos. Embora não seja protagonista das discussões geopolíticas da região, o Brasil é respeitado como exemplo de nação na qual convivem pacificamente árabes e judeus bem antes da histórica assembleia das Nações Unidas que instituiu a criação dos dois Estados, com papel fundamental do gaúcho Osvaldo Aranha.
A tradição diplomática brasileira é reflexo dessa miscigenação. O país atua segundo determinações das Nações Unidas, buscando neutralidade nas apaixonados e por vezes sangrentos dilemas do Oriente Médio, como o status de Jerusalém. Sagrada para cristãos, muçulmanos e judeus, a Cidade Santa é reivindicada tanto por israelenses quanto por palestinos como sua capital.
Desde a campanha, Bolsonaro tem prometido transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo os passos dos Estados Unidos. Isso significaria reconhecer a cidade como capital de Israel. Tomar partido.
A intenção gerou críticas de entidades como a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira e retaliações da Liga Árabe. As exportações brasileiras para aquela parte do mundo, em 2018, somaram US$ 11,5 bilhões. Juntos, os árabes são o segundo maior comprador de proteína animal brasileira.
Os sinais de recuo na ideia eram latentes. Nos últimos meses, quando questionados sobre o assunto, representantes do Planalto vinham dizendo que “estavam analisando”. Na quinta-feira, Bolsonaro ventilou que, ao invés de mudar a embaixada, poderia abrir um escritório de negócios em Jerusalém, iniciativa confirmada neste domingo (31). O prédio tem status inferior – e com menor riscos políticos e simbólicos – ao de uma representação diplomática.
É o que o Brasil mantém, por exemplo, em Taiwan, visto como território rebelde pela China.
O presidente viaja em busca dos acordos nas áreas de segurança, defesa e tecnologia importantes para o Brasil. Pode sentir-se pressionado a retribuir. As promessas dos últimos meses encheram de expectativas o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu em sua passagem pelo Brasil, na posse, em 1º de janeiro. Dada a personalidade intempestiva de Bolsonaro, tudo pode acontecer – inclusive a ideia da mudança da embaixada voltar a ser cogitada.
Bolsonaro desembarca no Aeroporto Ben Gurion em uma Israel em clima de eleição. E pode acabar virando garoto propaganda de Netanyahu, em plena campanha, envolvido em suspeitas de corrupção e com boas chances de perder o mandato em 9 de abril. Não ser capturado pelas intenções políticas do mais novo amigo – e envolver-se em um assunto interno israelense, o que é condenável do ponto de vista de relações internacionais – é um desafio e tanto.
O presidente também chega em momento especialmente tenso entre Israel e seus vizinhos. Nas últimas semanas, o grupo extremista palestino Hamas voltou a disparar foguetes contra o território israelense, provocando reação contra Gaza. No Norte, a Síria está em alerta depois que o governo americano reconheceu as Colinas de Golã ocupadas como território israelense. Bolsonaro deverá acompanhar Netanyahu ao Muro das Lamentações, como manda tradição a cada visita de chefe de Estado a Israel. Mas aceitar um convite para ir às Colinas de Golã seria uma provocação à Síria. Um erro de cálculo.
Como se sabe, o Oriente Médio não é para principiantes e, cada frase, gesto e até o que deixa de fazer um chefe de Estado é medido e interpretado pelas lentes dos diferentes atores do intrincado xadrez regional. Os óculos pelos quais Israel, os países árabes, potências locais e a comunidade internacional usarão para avaliar a passagem do brasileiro não são imparciais. A visão é obtusa e, muitas vezes, filtrada pelo radicalismo de diferentes lados.
Bolsonaro não pode errar a mão.