É dividida entre expectativa e preocupação que a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira acompanha os primeiros movimentos da política externa brasileira no governo de Jair Bolsonaro. Expectativa porque a promessa de focar na abertura ao mercado externo soa como positiva aos empresários que exportam para as nações árabes. E preocupação por conta dos discursos de alinhamento com Israel e a eventual transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém — tema polêmico para a comunidade internacional, que não reconhece a cidade sagrada como capital israelense. Além dos Estados Unidos, apenas a Guatemala mantém representação diplomática lá.
Os árabes, que apoiam a Palestina, são contra a transferência da embaixada do Brasil, que significaria reconhecer a reivindicação de Israel sobre a cidade de Jerusalém. Por causa da promessa desse aceno, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, esteve presente na cerimônia de posse.
Em entrevista à coluna, o presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Rubens Hannun, disse que a mudança da embaixada brasileira pode afetar as relações comerciais dos países árabes com o Brasil. As exportações brasileiras para os árabes em 2018 somaram US$ 11,5 bilhões, uma queda de 15% em relação a 2017. Em volume, as vendas somaram 43,3 mil toneladas, um aumento de 3% em relação a 2017. Juntos, os países árabes são o segundo maior comprador de proteína animal brasileira. Os principais clientes são Egito (18,6% das receitas), Arábia Saudita (18,3%) e Emirados Árabes Unidos (17,7%).
Em 2018, o Brasil importou dos países árabes US$ 7,6 bilhões (aumento de 18% frente a 2017). As nações juntas representam o quinto principal fornecedor das importações em 2018 (atrás de China, EUA, Argentina e Alemanha)
Nesta entrevista, Hannun avalia os impactos das decisões diplomáticas no comércio, preocupação que foi levada ao então vice-presidente eleito, Hamilton Mourão, em 18 de dezembro. No mesmo dia, a Liga Árabe, integrada por 22 nações, aprovou, no Cairo, uma resolução pedindo que o Brasil desista de seu plano. Segundo o governo palestino, autoridades brasileiras serão advertidas de que haverá medidas nos campos político, diplomático e econômico caso a mudança seja concretizada.
Como o senhor está vendo os primeiros movimentos de Bolsonaro nas relações exteriores?
O novo governo está apostando muito fortemente no comércio exterior. Tem toda uma estratégia que é muito boa. Está acreditando muito no comércio exterior e querendo dar muito foco, o que é bastante interessante. A expectativa é boa, inclusive se a gente pensar nos acordos, parece que a política que se pretende aplicar é positiva.
Com relação ao alinhamento que o governo promete ter com Israel. O senhor acredita que isso pode afetar negativamente as exportações com os países árabes?
Pode. Tenho essa convicção. Vou te dar uma comparação: tivemos o efeito da Carne Fraca (operação da Polícia Federal sobre suposto esquema fraudulento no Ministério da Agricultura pelo qual fiscais agropecuários estariam cobrando de frigoríficos para fazer vista grossa sobre problemas sanitários), que é uma coisa que poderia ter afetado bastante (o comércio) porque um dos grandes produtos de exportação para os árabes é carne bovina e de frango. Tivemos a paralisação dos caminhoneiros, que também afetou. Porém, nisso tudo a gente conseguiu e consegue manter a fidelidade dos árabes baseados na confiança. Fomos lá, levamos o ministro (Blairo Maggi, então titular da Agricultura), ele explicou (a situação). Tanto que não prejudicou o comércio. Agora, em relação a uma questão mais política, que envolve uma resolução da ONU (que considera nula decisão do parlamento israelense que definiu Jerusalém como capital de Israel), é muito mais sensível, mexe com as relações de forma mais profunda. São posições que deixam o Brasil em uma posição menos neutra. Aí, o risco é bem maior. No mínimo, pode haver ruído na relação comercial. Estamos falando de 22 países árabes. A liga de Estados árabes já se pronunciou frontalmente contra (a transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém) e disse que isso pode afetar o comércio. A própria liga fala isso. A União das Câmaras Árabes, da qual fazemos parte, também afirma isso. Eles é que dão o tom do comércio. Pode perder mercado. Mas você pode ter ruídos que levem, primeiro, a uma perda de potencial futuro. Você passa a não crescer tanto quanto poderia estar crescendo. Porque, na hora em que você está quebrando um pouco a confiança, você pode começar a abrir portas para que um país para o qual você vende ouvir a oferta de concorrentes. No mínimo, pode acontecer isso. Você está abrindo um flanco, algo que hoje não acontece. Hoje, você tem fidelidade. Mas você começa a deixar que ele (um país importador) olhe para o vizinho. Ouça uma oportunidade aqui, seja tentado a testar em outro momento. No mínimo, você vai perdendo potencial. Pode não perder a venda imediatamente. Mas pode não crescer como poderia e, com o tempo, perder mercado mesmo. Vendendo menos. A gente acha isso um passo arriscado para o comércio.
A promessa de o governo brasileiro transferir a embaixada já é um assunto no Oriente Médio, entre os árabes?
Já chegou (aos países árabes), eles têm essa preocupação, sim. Os próprios empresários já estão se posicionando com relação a essa preocupação. Às vezes, o próprio empresário pode falar: "Eu não vou mudar, não preciso mudar". Mas há uma orientação da Liga Árabe, ela já se pronunciou contra. Já fez uma carta a respeito disso. Então, existe sim essa preocupação lá e está sendo discutido.
Durante a campanha, o então candidato Bolsonaro chegou a comentar a possibilidade de fechar a representação palestina no Brasil. Como isso pode afetar o comércio com os árabes?
Isso faz parte do todo. Da preocupação total. Somos uma câmara de comércio, então a gente vê pelo lado comercial. No todo, na ótica dos países árabes, qualquer alteração é preocupante. A gente luta para que cada vez mais países tenham representações no Brasil. Hoje, estamos com 17 dos 22 (países que integram a Liga Árabes). Então, claro que a gente se preocupa se mexe com uma (representação). Mas é um caso mais político do que comercial. Comercialmente, quanto mais representações no Brasil, mais o comércio cresce. Representações tanto de um país árabe aqui quanto do Brasil em outra nação árabe faz com que os comércios aconteçam. Mais do que se não houver representação. Se existem, as pessoas interessadas conversam, fazem acordos. Tudo isso faz com que os negócios aconteçam. Na hora em que você passa a não ter, esse comércio passa a arrefecer.
O senhor esteve recentemente com o vice-presidente Antônio Hamilton Mourão (veja abaixo tuíte do general sobre o encontro). Como foi a conversa?
Senti ele muito aberto ao que estávamos colocando. Não conversamos especificamente sobre esta questão (da transferência da embaixada). Levamos a ele um estudo que fizemos sobre o potencial para os próximos quatro anos, mostrando o potencial dos produtos brasileiros, setor a setor, onde a gente acha que poderia trabalhar, os investimentos. Cerca de 40% do capital dos fundos soberanos mundiais estão nos países árabes. E eles têm uma predisposição muito forte em investir aqui. Não só porque o Brasil é um país amigo, mas porque, aqui, temos toda uma produção de alimentos que, para eles, interessa muito. Eles estão interessados que nossa produção chegue de forma mais barata e rápida. Se vierem aqui e investirem na logística da produção de alimentos, acaba fechando o ciclo. Eles entram com recursos financeiros, e nós devolvemos com alimentos. Mostramos para o vice-presidente esse potencial, tanto de produtos, de comércio de compra e venda quanto de investimentos e mostramos o quanto isso é importante. O quanto podemos crescer. E aí fica claro o risco de não se atingir isso em função de movimentos nessa área mais política.
O senhor chegou a comentar a sua preocupação com relação aos riscos com relação à questão de Jerusalém?
Foi falado. Eu falei. Mas não perguntei o que ele achava. Coloquei como preocupação e expliquei os argumentos sobre p porquê da minha preocupação, os argumentos comerciais da Câmara.