O embate de decisões referentes à liberação de presos condenados em segunda instância protagonizado por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), às vésperas do recesso do Judiciário, fechou um ano em que discordâncias internas na Corte ficaram mais evidentes. Para 2019, o cenário impõe os desafios de desfazer a imagem de “cada um por si” entre os membros da instituição e de atacar a sensação de insegurança jurídica, principal efeito colateral dos confrontos.
— Isso gera a visão na comunidade de que o STF não é propriamente um tribunal, mas um aglomerado de pessoas que decidem conforme elas imaginam, que não têm foco numa certa colegialidade — comenta Roberto Dias, professor de Direito Constitucional da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo.
O primeiro semestre da Corte em 2018 foi atribulado. Temperada pelo período pré-eleitoral, a tensão permeou o julgamento de um pedido de liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), negado por seis votos a cinco. Indiretamente, o fato ratificou decisões sobre a legalidade de prisões após condenações em segunda instância. O Supremo também se posicionou contra doações não identificadas a partidos e candidatos, em sessão ofuscada pelo bate-boca entre os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.
Visto com desconfiança por opositores devido à antiga ligação com o PT, o ministro Dias Toffoli assumiu a presidência do Supremo em setembro com discurso apaziguador. Nos bastidores, iniciou intenso trabalho para reduzir o protagonismo da instituição na área política e buscar um ambiente menos combativo entre os colegas de toga e na relação com os demais poderes.
Sua ambição foi frustrada por uma série de eventos em sequência. Em um deles, o ministro Ricardo Lewandowski autorizou Lula a conceder entrevistas no período eleitoral, mesmo preso na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba. O vice-presidente da Corte, Luiz Fux, derrubou o ato.
— O que temos hoje são decisões individuais que compõem a vasta maioria das determinações que saem do tribunal, fora que nem sempre os ministros se preocupam com o que o plenário já decidiu – pontua o coordenador do projeto Supremo em Números e professor da Escola de Direito da FGV-Rio, Ivar Hartmann.
Despertada com o julgamento do mensalão, em 2012, amplamente divulgado na imprensa, a atenção da sociedade com o Judiciário foi potencializada com as discussões sobre prisões após condenação em segunda instância e julgamentos de casos de corrupção. Professor de Direito Constitucional da Unisinos, Anderson Teixeira avalia que o prejuízo à imagem do STF passa por esse maior interesse aos temas discutidos, embora não veja riscos à defesa da Constituição pelos magistrados.
Teixeira adverte que o cenário de fragilização pode abrir espaço para o desequilíbrio com os demais poderes, que poderiam avançar sobre a fundamentação de matérias constitucionais.
— Hoje, Legislativo e Executivo se furtam de analisar a constitucionalidade de matérias, deixando a decisão com o Supremo. Eles podem sair da omissão para uma atuação completa, até com possibilidade de reduzir direitos das minorias. Seria uma clara perda de força do STF, que não poderia se opor.
Apesar de afirmarem que a Corte segue cumprindo a contento a função de guardiã da Constituição, juristas concordam que é preciso que a imagem de grupo volte a se sobrepor à de agentes individuais. Isso passaria, segundo Teixeira, por "autocomedimento e pragmatismo, em vez de excessiva ideologização".
O professor Roberto Dias vai além e sugere a redução do poder individual de cada ministro, com menos decisões monocráticas e aposta em procedimentos internos que priorizassem julgamentos pelo plenário ou por turmas. Também defende a manifestação prioritariamente nos autos dos processos, evitando comentários públicos.
Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp diz que a solução não está em ações que possam ser desenvolvidas pelo comando da Corte, mas na consciência de autopreservação de cada um dos 11 ministros:
— O presidente do STF não é líder. Ele administra. Quanto aos ministros, vai depender do ego e da atuação de cada um. Eles devem saber o que fazer e dar a importância a sua função.
O STF retomará as atividades em 1º de fevereiro. Em 2019, a Corte irá se debruçar sobre assuntos polêmicos, como prisão de condenados em segunda instância, criminalização da homofobia e descriminalização do uso de drogas.
Casos polêmicos
Dezembro/2018
No último dia antes do recesso, o ministro Marco Aurélio Mello concedeu liminar para soltar todos os presos condenados em segunda instância. Seis horas depois, o presidente da Corte, Dias Toffoli, suspendeu a decisão, afirmando que o Supremo Tribunal Federal (STF) já julgou ser constitucional a antecipação da pena antes que sejam concluídos todos os recursos, bastando a condenação por colegiado.
Setembro/2018
O ministro Ricardo Lewandowski permitiu que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concedesse entrevistas, mesmo estando preso na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba. A decisão foi derrubada pelo vice-presidente do STF, Luiz Fux, e ratificada por Dias Toffoli no início de outubro, às vésperas da eleição.
Setembro/2018
Ao jornal Folha de S.Paulo, Luís Roberto Barroso disse que há filas nos gabinetes do STF “distribuindo senha para soltar corrupto”. Frente ao mal-estar, divulgou nota afirmando que não era sua opinião geral sobre a Corte.
Setembro/2017
Luiz Fux e Luís Roberto Barroso determinaram afastamento de Aécio Neves (PSDB-MG) do mandato de senador e o proibiram de sair de casa à noite. Após embate com o Legislativo, o STF decidiu que esse tipo de decisão precisa ser ratificada pelo Senado.
Dezembro/2016
Marco Aurélio Mello concedeu liminar afastando Renan Calheiros (MDB-AL) da presidência do Senado. Ele se recusou a cumprir a ordem, que acabou derrubada pelo plenário da Corte.