Discreta, a ministra Rosa Weber lia havia mais de 50 minutos um voto considerado indecifrável aos espectadores que acompanhavam ao vivo o julgamento do habeas corpus a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A noite caiu sobre Brasília e milhares de manifestantes país afora já exibiam cansaço quando, enfim, a gaúcha negou ao petista a concessão do recurso.
A posição acabou com o enigma em torno da magistrada e conferiu, naquele momento, placar de 4 a 1 contra o ex-presidente, abrindo caminho para a prisão de uma das maiores personalidades políticas da história brasileira e líder das pesquisas sobre a corrida pelo Palácio do Planalto.
À 0h26min, já na madrugada desta quinta-feira (5), após mais de 10 horas de sessão, foi confirmado o placar de 6 a 5 pela rejeição ao pedido – com o voto decisivo sendo dado pela presidente da Corte, Cármen Lúcia. A partir de agora, começa a contagem regressiva para o encaminhamento e a análise dos embargos dos embargos, último recurso do petista no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), mas incapaz de alterar a condenação de 12 anos e um mês de prisão.
Cercado de controvérsias há semanas, o julgamento teve seu ápice de tensão na hora do voto de Rosa, que deixou mais evidente a divisão do plenário. Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski interpelaram a colega, questionando se teria a mesma opinião caso estivessem em análise as duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) que tratam da prisão em segunda instância de forma geral – a possibilidade foi defendida no início da sessão por Lewandowski e mais uma vez refutada pela presidente do STF, Cármen Lúcia.
Rosa seguiu a posição do relator do caso, Edson Fachin, assim como já haviam feito Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Gilmar Mendes havia sido o único voto dissidente até então.
A ministra voltou a afirmar que, apesar de sua posição pessoal contrária à execução da pena após condenação em segunda instância, respeitaria a jurisprudência formada pela Corte em 2016. Com isso, deixou margem para interpretações de que poderia dar outro voto se o julgamento fosse a respeito da revisão geral da regra.
Contrariado, Marco Aurélio, favorável a prisões somente após trânsito em julgado, interrompeu Rosa para cobrar Cármen Lúcia sobre duas ADCs, prontas para serem votadas, que poderiam alterar o entendimento sobre o assunto:
— Vence a estratégia, o fato de vossa excelência não ter colocado em pauta as ações declaratórias de constitucionalidade.
Cármen Lúcia apenas comentou que o assunto já havia sido tratado e suspendeu a sessão para um intervalo. Nos bastidores da Corte, entre jornalistas e nas redes sociais, falava-se na possibilidade de pedido de vista por um dos descontentes, o que não ocorreu.
Após a retomada, consolidou-se a posição do relator, que havia sido o primeiro a se manifestar.
Segundo Fachin, não se pode alegar ilegalidade ou abuso na prisão de Lula, já que há jurisprudência no STF. Sem entrar no mérito da sentença do petista, destacou que o hábeas não deveria ser usado para se “revisitar” a possibilidade de execução de pena após condenações em segunda instância:
Em seguida, adiantando seu voto devido a viagem para Portugal – de onde retornou ao Brasil apenas para o julgamento –, Gilmar Mendes fez longa exposição. Como resposta às críticas pela mudança de posição sobre antecipação da execução de penas, já que foi favorável em julgamento de 2016, destinou longo trecho em seu voto para explicar o fato.
Deixou o plenário logo após votar favoravelmente a Lula, de forma “monumental”, segundo a defesa do petista. Em seguida, Moraes votou pelo indeferimento e defendeu a atual regra, lembrando que, desde a promulgação da Constituição, há quase 30 anos, apenas em sete anos houve o entendimento de que as prisões deveriam ocorrer após o trânsito em julgado.
Um dos votos mais longos foi o de Luís Roberto Barroso, contrário ao petista. Em cerca de uma hora e 20 minutos, disse que o texto constitucional permite a interpretação de que as prisões podem ser antecipadas. Mudar o entendimento seria “um passo atrás muito largo” no combate à corrupção, praticada pelos “verdadeiros bandidos do Brasil”.
Após os votos de Fachin, Moraes, Barroso, Rosa e Fux – contrários à concessão do hábeas –, e de Mendes, Toffoli, Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello – favoráveis –, coube a Cármen Lúcia desempatar o placar. Ao anunciar que acompanhava o relator, a presidente do STF afirmou que que segue com o mesmo entendimento de 2009, quando votou pela possibilidade de prisão após julgamento em segunda instância.
— Tenho, para mim, que não há ruptura ou afronta ao princípio da não culpabilidade penal nesse início da pena determinada quando já exaurida a fase de provas.
Enquanto a defesa do réu evitava se manifestar publicamente no decorrer da sessão, aliados do petista escancararam a indignação em relação a Cármen Lúcia por não ter pautado as ações que definiriam a regra para todos os réus.
— A presidente está impondo à Corte um impasse desnecessário. Ela não deveria fazer isso chegar às rédeas da irresponsabilidade. Ela sabe que há entendimento majoritário diferente e se recusa a pautar as ADCs — disse o deputado federal Wadih Damous (PTRJ), ex-presidente da OAB-RJ.
Veja como votaram os ministros do STF:
Edson Fachin – votou contra o hábeas
Gilmar Mendes – votou a favor o hábeas
Alexandre de Moraes – votou contra
Luís Roberto Barroso – votou contra
Rosa Weber – votou contra
Luiz Fux - votou contra
Dias Toffoli – votou a favor
Ricardo Lewandowski – votou a favor
Marco Aurélio Mello – votou a favor
Celso de Mello - votou a favor
Cármen Lúcia - votou contra