O Supremo Tribunal Federal (STF) pode debater nesta quarta-feira (21), em sessão marcada para as 14h, a inclusão na pauta de um novo julgamento sobre a possibilidade de execução de pena após decisão em 2ª instância. A tensão em torno do tema tem crescido nas últimas semanas, diante da discordância pública entre os próprios ministros do STF.
Entenda, em cinco pontos, o que está em jogo:
1 - O que está valendo?
Até 2016, a pessoa que fosse condenada pela Justiça podia aguardar em liberdade até que todos os recursos possíveis fossem esgotados — o chamado "trânsito em julgado". Naquele ano, no entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu alterar a jurisprudência. Em fevereiro deste ano, os ministros da Corte autorizaram a execução de penas após a condenação pela Justiça em 2ª instância — a decisão, no entanto, era relativa a um caso concreto. Antes, em outubro de 2016, por seis votos a cinco, o STF confirmou o entendimento em um julgamento que teve efeito vinculante para todos os juízes.
2 - Qual é a discussão agora?
Alguns dos ministros defendem que o assunto deve ser, novamente, colocado na pauta do Supremo. No entanto, a presidente da Corte, Cármen Lúcia, resiste. No último dia 13, a ministra afirmou que "não se submete à pressão" sobre o assunto. Já na segunda-feira (19), em entrevista à GloboNews, disse que não vê "nenhuma razão" para que o STF volte a discutir o tema. "A decisão foi tomada em 2016 e tem repercussão geral. (...) Não há nenhuma razão para que a matéria volte agora abstratamente, para levar à mudança da jurisprudência ou à mudança desse entendimento", disse.
3 - Por que voltar a julgar o tema?
Com a possibilidade de prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a 12 anos e um mês de prisão, após a tramitação dos recursos no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), tem aumentado a pressão para que o Supremo reveja o tema. O Instituto Não Aceito Corrupção, o Vem Pra Rua e o Movimento Aliança Brasil entregaram cartas aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), na manhã de segunda-feira (19), pedindo a manutenção da prisão após a confirmação da condenação em decisão colegiada.
No ano passado, o plenário da Corte analisou o tema e atingiu maioria no entendimento de que é possível a execução da pena após o caso tramitar pela 2ª instância. Mas, desde então, ministros como Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello vêm sinalizando que gostariam de analisar novamente o assunto. Em maio de 2016, o Partido Ecológico Nacional (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizaram no Supremo Tribunal Federal (STF) Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) tentando reverter o atual entendimento. A alegação é de que a decisão tomada em fevereiro de 2016 trouxe insegurança jurídica ao princípio constitucional da presunção de inocência. Embora não haja força vinculante, OAB e PEN sustentam que tribunais de todo o país "passaram a adotar idêntico posicionamento".
4 - Qual é a posição de cada ministro?
Alexandre de Moraes: mais novo ministro do Supremo, não participou da votação anterior. Desde sua chegada, seguia o entendimento da maioria, mas cobrava a rediscussão em plenário. Em fevereiro, encerrou as dúvidas sobre a sua posição ao votar favorável à execução provisória da pena em julgamento sobre o caso do deputado federal João Rodrigues (PSD-SC), na Primeira Turma.
Cármen Lúcia: em 2016, a presidente do Supremo foi favorável à execução provisória da pena. "A comunidade quer uma resposta e obtê-la com uma duração razoável do processo", declarou à época. Recentemente, afirmou que retomar o debate devido a um caso específico seria "apequenar o Supremo". Ela teria se incomodado com as críticas de que voltar à discussão seria "casuísmo".
Celso de Mello: o decano foi enfático ao se posicionar contra. Em 2016, observou que a mudança era "incompatível" com o direito fundamental de presunção de inocência e declarou que a revisão "retarda o avanço de uma agenda judiciária concretizadora das liberdades fundamentais". Já declarou que a prisão antecipada não é obrigatória e exige fundamentação.
Dias Toffoli: foi contrário à medida no julgamento em 2016, argumentando que deveria se aguardar a análise de recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para executar a pena. Para o ministro, a Constituição exige certeza de culpa, não somente a probabilidade, e abusos de poder podem ser coibidos pelos tribunais superiores.
Edson Fachin: votou a favor da medida em 2016, defendendo ser "coerente com a Constituição". Em 9 de fevereiro, negou pedido de habeas corpus preventivo de Lula e levou a decisão final ao plenário. Ao provocar a rediscussão do tema, entendeu a necessidade de prevenir divergência entre as duas turmas.
Gilmar Mendes: em 2016, votou favorável à prisão em segundo grau e declarou que a medida não viola a presunção de inocência. Porém, mudou de opinião. Hoje, defende que o réu recorra em liberdade. "A prisão em segundo grau em muitos casos – especialmente no contexto da Lava-Jato – tornou-se algo até dispensável porque passou a ocorrer a prisão provisória de forma eterna, talvez até com objetivo de obter a delação", apontou.
Luís Roberto Barroso: foi favorável em 2016 e, desde a votação, tem defendido publicamente a prisão antecipada. Em fevereiro, escreveu em artigo que "voltar atrás nessa matéria traz pouco benefício para a Justiça e grande incentivo à continuidade dos esquemas de corrupção".
Luiz Fux: seguiu a maioria dos colegas ao admitir a execução da pena em segunda instância e destacar a necessidade de efetividade na Justiça. "Estamos tão preocupados com o direito fundamental do acusado que nos esquecemos do direito fundamental da sociedade", declarou.
Marco Aurélio Mello: relator das duas ações que pedem a suspensão da medida, votou pelo deferimento das liminares em 2016. Recentemente, lembrou do placar apertado da votação e disse considerar melhor que o STF decida o "quanto antes" sobre o assunto. "Foi 6 a 5, será que nós outros cinco estávamos tão errados?", questionou. "Se o Tribunal evoluir, vai evoluir em boa hora", completou.
Ricardo Lewandowski: também votou contra em 2016 e argumentou "não ver como fazer uma interpretação contrária a um dispositivo tão taxativo". Já concedeu habeas corpus que contrariam a interpretação da maioria e mencionou que considera o entendimento "inconstitucional". Em 9 de fevereiro, assinou artigo enfático: "a presunção de inocência (...) representa talvez a mais importante das salvaguardas do cidadão", escreveu.
Rosa Weber: em 2016, posicionou-se contrária à prisão antecipada porque, na sua avaliação, confronta a presunção de inocência. "Não vejo como se possa chegar a uma interpretação diversa", afirmou. No entanto, de lá para cá, tem votado favorável alegando que cumpre jurisprudência do Supremo. Por isso, especula-se que a ministra estuda rever sua posição.
5 - O caso Lula
A rediscussão do tema interessa especialmente ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já condenado em segunda instância na Lava-Jato. Por unanimidade (5 votos a 0), a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou em julgamento a concessão de um habeas corpus preventivo pedido pela defesa para evitar a prisão de Lula. O objetivo do julgamento era decidir se o petista pode começar a cumprir pena depois de esgotados os recursos ao próprio TRF-4. A ordem de prisão ainda não foi expedida e depende ainda do julgamento de um recurso apresentado pela defesa em fevereiro no próprio TRF-4. Somente após a decisão sobre esse recurso, chamado "embargos de declaração", a pena poderá começar a ser cumprida. A única chance de Lula escapar da prisão é obter uma decisão favorável no Supremo Tribunal Federal (STF), quarta e última instância da Justiça. Se for preso antes, a defesa ainda poderá apresentar outro habeas corpus à Corte.