Relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, o ministro Edson Fachin defendeu nesta segunda-feira (9), em Porto Alegre, o fim do foro privilegiado, a execução de penas após decisão judicial de segunda instância, as prisões preventivas impostas a suspeitos de corrupção e uma redução nos graus de recurso nos processos criminais. Discursando diante de uma plateia formada majoritariamente por juízes federais, o ministro palestrou durante quase uma hora sobre a seletividade e a efetividade do Direito Penal no país.
— Há de um lado rigor excessivo. De outro, injustificada leniência — criticou.
Fachin esteve na Capital participando da sexta edição do Fórum Nacional dos Juízes Federais Criminais, realizado no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Na conferência de abertura do evento, após discorrer longamente sobre o comportamento da justiça penal, sustentou que o sistema é "notadamente injusto, com tratamento desigual entre os segmentos mais abastados e os cidadãos desprovidos de poder econômico ou político". Ele voltaria ao tema mais tarde, ao citar a pretensão de alguns membros do STF de rever a jurisprudência que permitiu a execução de pena aos réus condenados em segunda instância.
O assunto gera controvérsia no STF, inclusive com ministros proferindo decisões monocráticas que desrespeitam a decisão tomada pelo plenário da Corte em fevereiro de 2016. A medida pode ser revertida caso o STF acolha uma ação impetrada pelo Partido Nacional Ecológico (PEN) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ambos alegam que a decisão trouxe insegurança jurídica ao princípio constitucional da presunção de inocência.
— A anunciada revisão significará, se ocorrer, e espero que não ocorra, evidente retrocesso na busca por justiça penal menos seletiva. Afinal, a pergunta é uma só: quem serão os beneficiários da perpetuação das causas penais e da extinção da punibilidade? — questionou o ministro, diante dos três desembargadores que julgam a Lava-Jato em segunda instância no TRF4.
Logo em seguida, Fachin fez nova provocação ao lembrar que está em tramitação no Congresso Nacional uma emenda constitucional que restringe o foro privilegiado de autoridades. Para o ministro, a existência das prerrogativas de foro configuram "exceção injustificada ao princípio republicano".
— A extinção do foro privilegiado urge — preconizou, sob aplausos dos magistrados na plateia.
Durante toda a palestra, cujo teor foi lido, sem espaços para improvisos, Fachin entremeou citações a fracassos e avanços da Justiça criminal. O ministro enumerou condenações impostas ao Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por demoras e omissões em casos que envergonharam o país, com "excesso imposto a muitos e leniência demasiada em relação a alguns".
Fachin também lembrou da lentidão e dos excessivos graus de recursos disponíveis no Judiciário. Ilustrou essa percepção com a carga de trabalho imposta ao STF, onde todos os meses chegam 1,4 mil novas ações criminais. Somente por seu gabinete já passaram 4.386 processos penais. Ao tomar posse, em 2015, recebeu de herança mais de 17 mil ações.
— É preciso reconhecer a inefetividade da justiça criminal em relação a certos segmentos sociais, situação que é propiciada por um sistema irracional que permite análise do mesmo caso em até quatro instâncias.
Avançando em outro tema polêmico, mas ainda na mesma seara da escassa isonomia da Justiça diante do grau de relevância do réu, o ministro lembrou que o STF precisa pacificar o entendimento sobre as prisões preventivas. Em maio, a segunda turma da Corte soltou presos emblemáticos da Lava-Jato, como o petista José Dirceu, por entender que alguns acusados estavam há muito tempo detidos sem condenação em segunda instância.
— Há uma disparidade de compreensão. Nós, 11 ministros do STF, temos dever de casa a fazer. A jurisprudência é farta, admitindo prisões preventivas fundadas na garantia da ordem pública, fundada na gravidade dos crimes em determinado espectro de criminalidade. Mais não preciso dizer porque seria ofender a inteligência de vossas senhorias — pontuou.
O ministro preconizou a independência dos julgadores, disse que o juiz não pode se comportar como assistente da acusação e, no que pode ser interpretado como uma crítica velada à popularidade do titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, lembrou que um dos dilemas modernos da função é o fim da invisibilidade.
— Mais do que antes, o magistrado é chamado a prestar contas a seus pares, à sociedade, e especialmente à ordem jurídica do país — afirmou.
Ao encaminhar o encerramento, Fachin disse que "não faz apologia de condenações criminais". Condutor de 79 inquéritos e seis ações penais somente na Lava-Jato, o ministro salientou que "impor a legítima resposta àqueles que tiverem sua culpabilidade provada em juízo é tudo o que a sociedade espera do Judiciário". Citando provações impostas à vítima do nazismo Anne Frank e ao filósofo Ludwig Wittgenstein, e lembrando a máxima do senador gaúcho Pinheiro Machado, segundo o qual é preciso agir "nem tão devagar, que pareça provocação, nem tão rápido que pareça fuga", alertou para as ações de quem se sente ameaçado por uma Justiça soberana e independente.
— Há quem se empenhe na manutenção do status quo. Esses jamais dirão que desejam manter privilégios, a seletividade do sistema penal e a intocabilidade de nichos poderosos. É um discurso continuísta, que vem escamoteado e ergue a bandeira de uma suposta democracia. Tomam algumas falhas e desencontros, que de fato existem, e fazem crer que o que estamos a fazer é perigoso às garantias individuais. Não sucumbiremos a esse puro terror argumentativo. Seguiremos adiante — avisou.