Guardião da norma constitucional e mais alta instância do Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF) expôs um desentendimento entre seus integrantes ao, pela primeira vez na Lava-Jato, tirar da cadeia três réus condenados pelo juiz Sergio Moro. Em três anos de operação, nenhum dos 79 habeas corpus que chegaram à Corte havia sido atendido integralmente até a semana passada.
Após a terceira derrota consecutiva, o relator da Lava-Jato no STF, ministro Edson Fachin, concebeu nova estratégia. Ao negar liminar que pedia a liberdade do ex-ministro Antonio Palocci, decidiu ignorar a 2ª Turma e levar o caso diretamente ao plenário.
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Responsável por julgar os processos da Lava-Jato e com cinco ministros na composição, a 2ª Turma soltou três pessoas em uma semana. Os primeiros a ganhar liberdade foram o pecuarista José Carlos Bumlai e o ex-tesoureiro do PP João Cláudio Genu, que juntos somam 17 anos de cadeia. A decisão mais emblemática foi a que na terça- feira tirou da prisão o ex-ministro José Dirceu, detido em Curitiba desde agosto de 2015. Sentenciado no mensalão e reincidente na Lava-Jato, na qual já acumula 32 anos de pena, o ex-ministro saiu do cárcere deixando como legado precedente que pode beneficiar personagens centrais do esquema criminoso, como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o ex-tesoureiro petista João Vaccari.
– Cada habeas corpus é um caso concreto, tem seu contexto e suas peculiaridades. Mas o que Fachin deseja é pacificar a questão dentro da Corte, para não termos mais entendimentos diferentes – diz um assessor do STF.
Nos três julgamentos de hábeas, Fachin perdeu por três votos a dois. Todavia, no mesmo dia em que a 2ª Turma soltava Genu e Bumlai sob argumento de que eles não haviam sido condenados em segunda instância, o outro colegiado da Corte tomava decisão oposta. Ao analisar o caso do ex-goleiro Bruno, também com recurso pendente em segundo grau, a 1ª Turma decidiu devolvê-lo à cadeia, cassando liminar do ministro Marco Aurélio que havia posto o atleta em liberdade.
Fachin poderia ter remetido o caso de Dirceu ao plenário – onde votam todos os 11 ministros –, sem passar pelo colegiado de cinco integrantes. Mas como a 2ª Turma havia reconhecido o direito do ex-ministro pleitear o habeas corpus, não quis ser descortês com os colegas tirando deles o julgamento do caso. O relator também esperava que, tratando-se de Dirceu, os ministros fossem menos condescendentes.
Diante do fracasso, Fachin se valeu de um estratagema já usado por seu antecessor, o antigo relator da Lava-Jato Teori Zavascki. Em novembro do ano passado, Teori rejeitou liminar que libertaria Cunha. Como o réu recorreu, pautou o julgamento na 2ª Turma. Porém, pressentindo que seria derrotado, recuou e levou o caso a plenário, e Cunha foi mantido preso por oito a um.
Agora, de olho no histórico de votação dos ministros da 1ª Turma, Fachin espera obter resultado semelhante no hábeas de Palocci. Dos cinco integrantes deste colegiado, pelo menos quatro – Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Alexandre de Moraes – costumam recusar habeas corpus de presos condenados em primeira instância. A exceção é Marco Aurélio. Nessa projeção matemática e doutrinária, Fachin teria pelo menos seis votos contra Palocci.
A presidente Cármen Lúcia, com quem Fachin conversou antes de levar o caso a plenário, poderia ser um sétimo voto. Palocci, contudo, ainda não foi condenado por Moro. Preso preventivamente desde setembro, é réu por corrupção e lavagem de dinheiro. O ex-ministro estava negociando um acordo de delação premiada e só ingressou com o recurso no STF após as decisões que beneficiaram Genu, Bumlai e Dirceu. O tempo de prisão elevado e sem condenação é uma das principais críticas feitas a
Moro por advogados e alguns ministros do STF, como Gilmar Mendes. Na quinta-feira, ao divulgar o despacho que autorizou novas prisões na 40ª fase da Lava-Jato, Moro defendeu suas decisões. "Embora as prisões cautelares recebam pontualmente críticas, o fato é que, se a corrupção é sistêmica e profunda, impõe-se a prisão preventiva para debelá-la. Excepcional não é a prisão cautelar, mas o grau de deterioração da coisa pública", escreveu o juiz.
Na fila do hábeas
-A Lava-Jato mantém atualmente 24 pessoas presas preventivamente. Dessas, 11 nem sequer foram condenados em primeira instância, como Antonio Palocci.
-Outros 13 foram condenados, mas ainda não têm sentença de segunda instância, como Eduardo Cunha e João Vaccari.
-Além de Palocci, já têm recurso no STF Eduardo Cunha e o operador Adir Assad.
-Desde o início da Lava-Jato, Sergio Moro proferiu 124 condenações a 90 pessoas.
-Apenas quatro pessoas foram absolvidas em segunda instância.
-Dos 562 habeas corpus impetrados nas três instâncias superiores, apenas 11 foram concedidos integralmente.
-Sete hábeas foram concedidos pelo TRF da 4ª Região, um pelo STJ e três pelo STF.