Por 6 votos a 3, o Supremo Tribunal Federal (STF) reverteu, em sessão plenária desta quarta-feira, a decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello que afastava Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado. A maioria dos ministros entendeu que o fato de o senador ser réu em uma ação penal o impede de permanecer na linha sucessória da Presidência da República, mas não o impossibilita de permanecer à frente da Casa.
Marco Aurélio concedeu na terça-feira uma liminar a uma ação da Rede Sustentabilidade, que argumentava a incompatibilidade de Renan permanecer na linha sucessória da Presidência da República depois de tornar-se réu perante o STF pela acusação de receber propina da construtora Mendes Júnior para apresentar emendas que beneficiariam a empreiteira. A decisão de Marco Aurélio provocou reações em Brasília e estremeceu as relações entre Legislativo e Judiciário. Com a decisão desta quarta-feira, Renan Calheiros segue como presidente do Senado.
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Relator da matéria e responsável por conceder a liminar, o ministro Marco Aurélio Mello foi acompanhado em seu voto por Edson Fachin E Rosa Weber. A divergência do voto, seguida pela maioria, foi proposta pelo ministro Celso de Mello. Ele foi seguido por Teori Zavascki, Dias Toffoli, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e pela presidente da Corte, Cármen Lúcia.
Senado "desmoralizou o STF", diz Marco Aurélio
Em sua fala, o ministro Marco Aurélio Mello leu o relatório do oficial de Justiça responsável por entregar a notificação da decisão liminar a Renan Calheiros, no qual informa que viu o presidente do Senado em sua residência, mas foi informado de que ele não estava no local. O ministro defendeu a manutenção do afastamento de Renan e criticou o comportamento do senador.
– Hoje, o que pensa o leigo é que o Senado é o senador Renan. Explico: ante a liminar, cancelou-se não só o encontro natalino, como a sessão plenária, procedendo-se de igual forma quanto à sessão de hoje. Se diz que, a esta altura, ele está sendo tomado como salvador da pátria amada – ironizou.
O ministro relator classificou como gravíssima a postura da Mesa Diretora do Senado em não acatar a sua decisão, ao entender que ela "desmoralizou o STF". Marco Aurélio alertou os demais colegas para o "verdadeiro deboche institucional, caso o Plenário, casuisticamente reescreva a Constituição, em benefício de Renan".
– (O descumprimento) Fere de morte as leis da República, fragiliza o judiciário, significando pratica deplorável e implica na desmoralização ímpar do Supremo. O princípio constitucional passa a ser o nada jurídico, que varia conforme o cidadão que esteja na cadeira – disse Marco Aurélio.
– Receio o amanhã caso prevaleça visão acomodadora, dando-se o certo pelo errado, o dito pelo não dito – declarou Marco Aurélio, que finalizou seu voto com dedo em riste, cobrando nominalmente o compromisso dos ministros com a história e o respeito do tribunal.
Medida "alternativa"
Representante de Renan Calheiros, o Advogado-Geral do Senado Federal, Alberto Cascais, pediu, diante do pleno do STF, a cassação da liminar concedida por Marco Aurélio. Como alternativa, sugeriu ao STF apenas afastar réus da linha sucessória da Presidência da República, sem removê-los do cargo que ocupem – o que manteria Renan no comando do Congresso.
A proposta encontrou eco na exposição do ministro Celso de Mello. O decano, que normalmente é o último a votar antes do presidente da Corte, pediu licença para antecipar seu voto. Antes da argumentação, retificou seu voto na ação que versa sobre a impossibilidade de réus fazerem parte da linha sucessória da Presidência da República, interrompido desde novembro, e que embasou a decisão liminar de Marco Aurélio. Celso de Mello afirmou que, em seu juízo, a proibição diz respeito apenas à possibilidade de ocupar a Presidência, podendo o réu manter seu cargo. Por fim, estendeu o mesmo entendimento ao julgamento desta quarta-feira, abrindo a discordância ao relator sobre o afastamento de Renan Calheiros.
Antes dos votos dos ministros, o advogado da Rede Sustentabilidade, Daniel Sarmento, defendeu que é preciso observar a constituição, e preservar a credibilidade do legislativo.
– Quando alguém não satisfaz todas as exigências para ocupar um cargo, o correto é não permitir que ela ocupe o cargo, e não retirar uma função do cargo (estar na linha sucessória da presidência da República) – sustentou.
Senado desafiou "noções fundamentais de um Estado democrático", diz Janot
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fez uma fala enfática em defesa da decisão de Marco Aurélio, argumentando que, em nome da coerência, fossem mantidos os mesmos critérios do afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara.
– A República exige que pau que dá em Chico tem que dar em Francisco –, disse Janot. – A atividade pública deve ser preservada de envolvidos em atos ilícitos – completou.
Janot viu como "preocupante" a resistência do Senado em acatar a decisão.
– Houve a recusa expressa de um dos poderes da República em cumprir uma ordem judicial – alertou Janot. – Uma decisão legítima, proferida pelo órgão judicial competente para enfrentar esse litígio. Desafiar uma decisão judicial é como que desafiar as noções fundamentais de um Estado democrático de Direito. É aceitar que uns poucos cidadãos podem mais, podem escolher arbitrariamente quando e se se submeterão aos mandamentos legais e jurisdicionais.
Por fim, o procurador-geral sustentou a tese de que réus não podem estar na linha sucessória da Presidência da República, "ainda que transitoriamente".
– Que mensagem, que exemplo que esse Estado de coisas daria para as nossas crianças, adolescentes, brasileiros, o povo em geral, de que pessoa acusada de graves crimes contra a administração pública, em processo admitido perante esta Corte, o Supremo Tribunal Federal, pode estar no comando desta Nação, ainda que transitoriamente? – argumentou o procurador.
* Zero Hora, com agências