GZH provocou os 13 candidatos à prefeitura de Porto Alegre a se posicionarem de forma curta, clara e direta sobre assuntos controversos da Capital. Na série de reportagens Vida Real, primeiro é apresentado ao leitor um panorama sobre o tema. Logo a seguir, você confere o que cada um respondeu.
Antes que 2020 acabe, três em cada quatro postos de saúde de Porto Alegre estarão nas mãos da iniciativa privada. Além das 87 unidades básicas já terceirizadas, a prefeitura deve concluir a transferência de outras 17 até novembro— de um total de 135. Não sem polêmicas em torno da questão.
A mudança na prestação do serviço, iniciada depois do anúncio do fim do Instituto Municipal da Estratégia de Saúde da Família (Imesf), no ano passado, provocou reações de diferentes setores, levantando um debate sobre qual o melhor modelo para a atenção básica na Capital.
Criado em 2007, o Imesf assumiu a gestão dos postos de saúde em 2012. O contexto era conturbado: em 2011, a Associação Brasileira em Defesa dos Usuários de Sistemas de Saúde (Abrasus) e outras 16 entidades sindicais e de classe entraram na Justiça alegando a inconstitucionalidade da lei que criou o instituto. Depois de idas e vindas judiciais, no ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que a norma era inconstitucional, determinando a extinção da entidade.
A decisão fez com que o poder público revisse o modelo de gestão da saúde básica e optasse por terceirizar o serviço através de parcerias com a iniciativa privada. O anúncio deu início a novo período de conflitos, dessa vez entre Executivo e funcionários do Imesf (cerca de 1,8 mil), que realizaram uma série de protestos contra as demissões, recentemente suspensas pela Justiça, e as mudanças na prestação do serviço.
Apesar da visibilidade que o tema ganhou no último ano, não é a primeira vez que a operação da atenção básica impõe dilemas ao poder público municipal. A terceirização com organizações da sociedade civil é o sexto formato testado pela prefeitura para a administração dos postos de saúde em 24 anos. Desde 1996, quando as equipes começaram a atender a população, a prefeitura de Porto Alegre já teve cinco parceiros principais na atenção básica. Todos apresentaram algum tipo de problema.
Consultados pela reportagem, nove dos 13 candidatos a prefeito disseram entender que o serviço deve ser gerido pelo município, e manifestaram intenção de desfazer as terceirizações, seja através da realização de concurso público ou da criação de uma fundação semelhante ao Imesf para administrar os postos. Reverter as mudanças, porém, não deve ser tarefa simples.
Na avaliação do professor do departamento de medicina social da UFRGS Ronaldo Bordin, a crise econômica provocada pela pandemia de coronavírus deve dificultar ainda mais a realização de concursos públicos nos próximos anos. Ele observa, ainda, que o decreto governo federal que prevê estudos para privatizar a atenção básica em saúde — revogado pelo presidente Jair Bolsonaro dias depois da publicação —, indica uma tendência geral de terceirização do serviço.
— Antes disso (da publicação da portaria), o governo federal já tinha reduzido o cálculo de repasse financeiro aos municípios, que hoje é feito per capita (somente para usuários cadastrados, o que acarreta uma diminuição proporcional dos valores). Nas normas que estão em andamento hoje, o processo é de privatização da atenção básica — diz.
Atualmente, os modelos mais comuns de operação dos postos de saúde são a atenção básica diretamente ligada à administração municipal, a terceirização, e um formato híbrido, em que o serviço é operado, totalmente ou em parte, por fundações criadas pelos municípios. Segundo especialistas, a terceirização ganha força em tempos de crise econômica porque, nesse formato, é possível ampliar o atendimento sem extrapolar o teto de gastos.
Defensores das parcerias com a iniciativa privada destacam que, além de facilitar o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal pelos gestores públicos, o serviço administrado por terceiros desonera o município de atividades como o controle do ponto, licenças e férias dos funcionários, além de diminuir os gastos com a previdência. Críticos à terceirização, por outro lado, atentam para o fato de que os contratos com empresas colocam a prestação do serviço em risco, uma vez que o parceiro pode interromper o contrato, deixando um “vácuo” no atendimento à população.
Coordenadora do curso de Gestão de Saúde Pública no Centro Universitário Internacional Uninter, do Paraná, Ivana Busato acredita que a terceirização é particularmente nociva para a atenção básica em saúde em razão da natureza dos atendimentos. Segundo a professora, o vínculo comunitário, fundamental para que a política funcione de maneira efetiva, tende a enfraquecer quando há rotatividade dos funcionários, como costuma ocorrer na iniciativa privada.
— A atenção básica vai muito além da assistência. Ela atua na promoção da saúde, na prevenção das doenças, na responsabilidade sanitária sobre o território. Com a terceirização, o município pode perder um pouco do controle sobre isso — defende a especialista, que atuou por mais de três décadas na gestão de saúde pública de Curitiba, onde o poder público divide algumas atribuições da atenção básica com uma fundação.
Até o momento, a atual gestão comemora os resultados dos primeiros meses de alteração. Mesmo com a pandemia, que levou menos gente a procurar os postos a partir de abril, nas unidades básicas de saúde contratualizadas, os atendimentos passaram de 102 mil para 124 mil no primeiro semestre, em comparação com o mesmo período do ano anterior. O número de consultas médicas entre janeiro e agosto teve incremento de 15% em relação a 2019. Usuários ouvidos por GZH em janeiro e em março relataram ganhos na agilidade do serviço.
O que pensam os candidatos
GZH fez aos 13 candidatos à prefeitura de Porto Alegre a seguinte pergunta:
Caso eleito, você vai manter a política de transferência da gestão de postos de saúde ou vai retomar a gestão com equipes do município?
Fernanda Melchionna (PSOL): "Vamos retomar a gestão pública e fazer do Imesf uma empresa pública de saúde."
Gustavo Paim (PP): "Serviço público não significa serviço estatal. O importante é atender bem o paciente."
João Derly (Republicanos): "Esse atendimento exige vínculo equipe-cidadão, assim serão equipes do município."
José Fortunati (PTB): "Com certeza a gestão dessa área fundamental para todos será feita pela prefeitura."
Juliana Brizola (PDT): "Retomaremos a gestão municipal, sem comprometer o atendimento e a eficácia do serviço."
Júlio Flores (PSTU): "Volta das equipes e do Imesf. Saúde não rima com lucro. Nenhuma verba para privados."
Luiz Delvair (PCO): "A saúde deve ser estatizada, e não entregue a tubarões dos planos de saúde."
Manuela D’Ávila (PCdoB): "Vamos retomar a gestão pública de saúde e profissionais do Imesf para atenção básica."
Montserrat Martins (PV): "O bom atendimento à população deve ser feito com servidores de carreira concursados."
Nelson Marchezan (PSDB): "Sim. Pela satisfação do usuário, produtividade, agilidade das reformas e atendimento."
Rodrigo Maroni (PROS): "Vamos manter com equipes do município."
Sebastião Melo (MDB): "Manter e ampliar. O serviço deve ser público, mas pode ser prestado pelo setor privado."
Valter Nagelstein (PSD): "Agentes de saúde integrarão a administração direta. Convênio com hospitais referência."