A prefeitura de Porto Alegre vai transferir a gestão de mais 61 postos de saúde a instituições privadas até novembro. Hoje, 43 unidades básicas já estão nas mãos de entidades privadas e filantrópicas (Santa Casa, Divina Providência, Vila Nova e Instituto de Cardiologia), e esse número deve saltar para 104 — ou seja, três em cada quatro unidades que existem na Capital.
A nova etapa do processo de contratualizações vem após desfecho no caso envolvendo o Instituto Municipal da Estratégia de Saúde da Família (Imesf), cuja extinção foi anunciada há um ano pelo Executivo e virou batalha judicial. Com o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do último recurso possível na ação que considerou a lei de criação do Imesf inconstitucional, no início de setembro, o município ganhou prazo de 90 dias para fazer os desligamentos dos funcionários ainda ligados ao órgão. O Executivo começa a distribuir nesta quinta-feira (24) notificações de demissão para 1.291 servidores.
Para o secretário municipal de Saúde, Pablo Stürmer, foi possível encontrar na crise uma possibilidade de melhorar a saúde pública. Ele avalia que, nos primeiros meses das contratualizações, os resultados foram positivos. Mesmo com a pandemia, que levou menos gente a procurar os postos a partir de abril, nas unidades geridas por essas instituições os atendimentos feitos por profissionais com Ensino Superior passaram de 102 mil a 124 mil no primeiro semestre do ano, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
— Temos três motivações para as contratualizações: a primeira é a incapacidade do setor público na prestação plena dos serviços; a segunda, a complementaridade prevista na Constituição, ou seja, do setor privado atuando no sistema público de saúde para levar o serviço que o poder público não consegue levar; e, por fim, há a vantajosidade, por ser um formato em que a gente consegue ser mais eficiente com os mesmos ou até menos recursos — justifica o secretário.
Cerca de 500 trabalhadores do Imesf deixaram seus cargos desde o ano passado, boa parte deles contratada pela iniciativa privada nos postos concedidos. Apesar das 10 audiências de mediação feitas com a prefeitura na Justiça do Trabalho, a maior parte dos servidores não concordou com a transição. Segundo líderes sindicais, haveria perda salarial em algumas categorias e precarização da relação de trabalho.
Na semana passada, servidores fizeram um protesto em frente à prefeitura, para marcar um ano do anúncio da extinção.
— O prefeito podia ter feito projeto de lei, criado empresa pública para absorver os servidores. Não teria causado o caos, não teria gerado o descontentamento de boa parte da população, principalmente, dos trabalhadores — reclamou Júlio Jesien, presidente do Sindisaúde-RS.
O secretário de Saúde nega que a prefeitura poderia ter criado empresa pública para receber os trabalhadores do Imesf, "pois não existe transposição de uma entidade inconstitucional". A prefeitura também julga equivocado o uso da palavra "terceirização". Nelson Marchezan destaca:
— O serviço da Santa Casa é considerado terceirização? Ela é contratualizada por entrega de serviço, esse é o modelo que a gente está adotando para as unidades. É um serviço público, não estatal.
Os desligamentos dos servidores do Imesf também foram autorizados em sentença do Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região no mês passado. A Justiça do Trabalho decidiu que os trabalhadores do Imesf que tiveram os contratos rescindidos pela prefeitura durante a vigência de decisão liminar, entre 27 de dezembro e 4 de junho, terão que devolver as verbas rescisórias pagas pelo Executivo. O juiz substituto Marcos Rafael Pereira Pizino determinou que a devolução dos recursos deverá ser feita após o trânsito em julgado da sentença, o que ainda não ocorreu.
Dos 1.291 servidores que devem receber aviso de demissão, 694 são postos de agentes comunitários de saúde e de combate a endemias. Eles devem ser substituídos por servidores concursados — o processo seletivo está em curso.
O futuro dos postos de saúde
- Hoje, 43 das 135 unidades básicas de saúde de Porto Alegre já estão contratualizadas, nas mãos de instituições privadas. Até novembro, esse número deve passar para 104. Essa transação começa gradualmente em 5 de outubro e tem previsão de ser concluída em cinco semanas
- De 37 equipes sem médico em dezembro de 2019, a perspectiva é de zerar essa lacuna após as mudanças
- A prefeitura garante que a disponibilidade de consultas médicas saltará de 64.318 em dezembro de 2019 a 99.165 após os contratos para gestão das 104 unidades, crescimento de 54%
- A previsão é de aumentar de 12.979 para 27.938 as consultas odontológicas nos postos contratualizados
- A ideia também é de ampliar o horário de atendimento. Serão 45 unidades funcionando 12 horas por dia (no ano passado eram seis) e oito unidades abertas até as 22h, o dobro de dezembro passado