Na manhã de 17 de setembro de 2019, um anúncio no Paço Municipal caiu como uma bomba entre os trabalhadores da saúde em Porto Alegre. O prefeito Nelson Marchezan informou que, em razão de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o Instituto Municipal da Estratégia de Saúde da Família (Imesf) deixaria de existir e 1.840 funcionários, entre médicos, enfermeiros e agentes comunitários, seriam demitidos.
Os 365 dias que se seguiram foram marcados por protestos, pelo repasse gradativo das unidades básicas de saúde a instituições privadas — 43 contratos já foram feitos — e por mais capítulos na Justiça. O último foi na semana passada, com cara de episódio final: o STF concluiu o julgamento do último recurso possível na ação que considerou a lei de criação do Imesf inconstitucional. Dessa forma, a 1ª Turma da Corte confirmou a extinção do órgão.
Apesar disso, cerca de 1,3 mil servidores contratados pelo Imesf seguem trabalhando para a prefeitura. Alguns deles realizaram uma manifestação na frente do Paço Municipal, na manhã desta quinta-feira (17), marcando um ano do anúncio da extinção.
— Eles falaram que iam demitir os trabalhadores, mas a gente tem feito a resistência até hoje — diz Júlio Jesien, presidente do Sindisaúde-RS.
Ironizando uma frase do prefeito na época, de fazer “do limão uma limonada” e melhorar a saúde pública da Capital, servidores usaram a imagem da fruta em cartazes e em máscaras. O sindicato afirma que o Poder Público podia ter feito algo para evitar as demissões.
— O prefeito podia ter feito projeto de lei, criado empresa pública para absorver os servidores. Não teria causado o caos, não teria gerado o descontentamento de boa parte da população, principalmente, dos trabalhadores — reclamou Jesien. — Ele queria terceirizar a saúde e mandar para a iniciativa privada.
Cerca de 500 pessoas deixaram o Imesf até hoje, mas por decisão própria. Boa parte delas para ser contratada por quem vem assumindo os postos desde janeiro — as 43 unidades básicas de saúde passaram para as mãos de Divina Providência, Santa Casa, Instituto de Cardiologia e Vila Nova.
A prefeitura comemora os resultados nos primeiros meses de alteração. Mesmo com a pandemia, que levou menos gente a procurar os postos a partir de abril, nas unidades básicas de saúde geridas agora pelas instituições os atendimentos de profissionais com Ensino Superior passaram de 102 mil a 124 mil no primeiro semestre do ano, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
— Há uma série de questões que nos tem feito também optar por esse modelo de contratualização. A primeira é a agilidade do setor privado de fazer a montagem do serviço: a gente assinou no final de dezembro com eles, em menos de 30 dias já estávamos com diversas equipes montadas. Pelo Imesf, 30 dias era o prazo que a pessoa tinha para se apresentar quando era chamada no concurso. Se não quisesse, chamava outro, que tinha mais 30 dias. Enquanto isso, a população ficava esperando no posto — afirma o secretário de Saúde de Porto Alegre, Pablo Stürmer.
Noventa e oito postos devem seguir o mesmo caminho e ter contrato assinado com as instituições nos próximos meses. Os desligamentos dos servidores do Imesf foram autorizados em sentença do Tribunal Regional do Trabalho no mês passado, e a decisão do STF dá um prazo de três meses para a prefeitura realizar os desligamentos dos trabalhadores vinculados ao instituto, destaca o secretário.
— A gente tem esse período para fazer essa substituição e nossa principal preocupação é prestar assistência para a população. A gente está em tratativas com as entidades, acertando algumas questões contratuais — acrescenta Stürmer.
Stürmer voltou a negar que a prefeitura poderia ter feito uma empresa pública para receber os trabalhadores do Imesf, “pois não existe transposição de uma entidade inconstitucional”, e respondeu às críticas dos líderes sindicais no protesto:
— Fizemos 10 audiências de mediação na Justiça do Trabalho, construímos proposta de desligamento escalonada, com as devidas indenizações. Infelizmente, a maioria das categorias votou contra, mal orientada pelos sindicatos. A gente ofereceu a limonada para todos, mas alguns preferiram ficar com o bagaço.
A Justiça do Trabalho decidiu também que os cerca de 500 trabalhadores do Imesf que tiveram os contratos rescindidos pela prefeitura de Porto Alegre durante a vigência de decisão liminar, entre 27 de dezembro e 4 de junho, terão que devolver as verbas rescisórias pagas pelo Executivo. O juiz substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região, Marcos Rafael Pereira Pizino, determinou que a devolução dos recursos deverá ser feita após o trânsito em julgado da sentença, o que ainda não ocorreu. O sindicato recorreu.
Após a decisão, o Conselho Municipal de Saúde destacou a importância de uma solução definitiva e de acordo com o estabelecido de um termo de ajustamento de conduta (TAC) de 2007. Ainda reforçou que há uma decisão da Justiça Federal que exige o cumprimento da TAC no que diz respeito à contratação dos profissionais de saúde da atenção primária mediante concurso público.
Em decisão da 2ª Vara Federal em Porto Alegre, o Ministério Público Federal (MPF) teve atendido pedido para que o município cumpra o TAC. No entendimento da Justiça Federal, o descumprimento é visível, pois o próprio decreto confirma que os serviços prestados complementarmente pela iniciativa privada contarão com recursos humanos que independem de admissão mediante concurso público ou processo seletivo. "O decreto parece subverter o próprio significado da expressão, uma vez que o serviço dito 'complementar' prestado pela iniciativa privada poderia, em verdade, ser integralmente prestado por esta", destacou.
A prefeitura se defende afirmando que, hoje, 83,84% dos gastos com serviços de saúde em Porto Alegre são executados pela administração pública, seja ela direta ou indireta. Enquanto isso, as entidades filantrópicas são responsáveis por 15,18%, e 0,98% do total de recursos aplicados pela administração pública direta ou indireta na saúde pública do município tem como destino serviços de saúde finalísticos prestados por instituições com finalidade lucrativa. Com as contratualizações, esses números vão ficar em 80%, 19% e 1% respectivamente, segundo a prefeitura.