GZH provocou os 13 candidatos à prefeitura de Porto Alegre a se posicionarem de forma curta, clara e direta sobre assuntos controversos da Capital. Na série de reportagens Vida Real, primeiro é apresentado ao leitor um panorama sobre o tema. Logo a seguir, você confere o que cada um respondeu.
Principal modal do sistema de transporte urbano em Porto Alegre, os ônibus já amargavam crise profunda quando a pandemia começou. Somente na última década, 30% dos passageiros pagantes deixaram de embarcar nos coletivos por questões como a crise econômica e a má qualidade do serviço oferecido, atrelados à mais cara tarifa do país, R$ 4,70. Com menos pessoas circulando, o problema se agravou, chegando a tirar 70% dos usuários das linhas e expondo o gargalo relativo ao modelo de financiamento da operação, bancado pela passagem.
O novo contexto reforçou o que já vinha sendo advertido por quem entende do assunto. Fundamental para o funcionamento da cidade, o transporte público está em risco, e deve ser encarado como questão prioritária pelos gestores para evitar o colapso.
– Os gestores tratam o transporte público como questão de segunda importância, mas a pandemia ampliou a crise. O sistema precisa de mudanças de custeio e de gestão – diz o coordenador de mobilidade urbana do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calabria.
Na avaliação de especialistas em mobilidade urbana, como financiar o sistema de ônibus é dos temas mais urgentes a serem enfrentados para garantir a sobrevivência do serviço a longo prazo. Significa buscar alternativas para custear o serviço que vão além da contribuição do usuário, como ocorre em Porto Alegre, onde a tarifa é a mais cara do Brasil.
Em meio às dificuldades financeiras que atingem a Capital, agravadas nos últimos meses, o subsídio público é um cenário remoto. Para tentar buscar outras fontes de receita, a atual gestão encaminhou projetos que preveem, entre outros, taxação de apps e pedágio urbano, e que aguardam por votação na Câmara Municipal. Alternativas como a utilização de publicidade nos coletivos e a utilização de verba de estacionamento público são outras possibilidades de arrecadar recursos para investir no sistema.
Se a discussão sobre as formas de custear o serviço é urgente, esbarra em outro ponto crucial para garantir a sustentabilidade dos coletivos e melhorar a qualidade do sistema. O atual modelo de gestão, com licitações rígidas e longas (a da Capital prevê 20 anos) é considerado problemático. Além de colocar muito poder na mão dos operadores, dá pouca margem para que o serviço seja adaptado às necessidades dos usuários – permitindo, por exemplo, a utilização de veículos menores para alguns trechos ou a concessão de descontos tarifários fora do horário de pico.
Para o professor da UFRGS Fernando Michel, as duas frentes podem ser abordadas de forma conjunta, começando com um trabalho de racionalização dos recursos dos operadores – atualmente, o sistema é operado por consórcios que englobam várias empresas. Ele acredita que a otimização do serviço pode ser um ponto de partida para desonerar o sistema.
– Por que colocar dinheiro em uma estrutura que não tem racionalização? O consórcio tem várias empresas, vários custos, mas poderia funcionar como uma só: uma garagem, o mesmo mecânico. É preciso racionalizar os recursos, padronizar a operação e equilibrar as contas – diz o pesquisador, que defende, ainda, a realização de estudos aprofundados sobre o perfil dos usuários e a abertura dos dados das empresas.
Além da revisão do modelo de contratação e de financiamento do serviço, um guia da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP) para as eleições de 2020 destaca outros seis pontos a serem atacados pelos próximos gestores municipais. Entre eles estão mais transparência e melhorias de qualidade e infraestrutura para os coletivos. A ANTP propõe, ainda, a busca de ações emergenciais relativas ao período da pandemia, como a revisão e repactuação de pontos dos contratos de licitação.
Enquanto as mudanças não ocorrem, o poder público busca alternativas para conseguir melhorias a curto prazo. Depois de quatro meses de negociações, em setembro, um acordo entre prefeitura e empresas de ônibus determinou que a prefeitura pagará R$ 39 milhões aos operadores pelos prejuízos acarretados com a pandemia. Em contrapartida, eles terão de adotar medidas de qualificação, como a ampliação dos pontos de venda de passagens, e permitir viagens gratuitas a pessoas de baixa renda até o fim do ano. Ao final de seis meses, um estudo deverá indicar os principais gargalos a serem atacados para melhorar o transporte público na Capital.
O novo gestor deve deparar também com dilemas antigos do sistema de ônibus. Com problemas de gestão e operação ineficiente nos últimos anos, a Carris recebeu R$ 6 milhões dos cofres públicos para não paralisar o serviço – o investimento total de 2020 pode chegar a R$ 30 milhões. O alto custo de manutenção da empresa pública, que já foi referência no país, colocou o debate sobre a privatização na pauta do Executivo. O assunto divide opiniões: enquanto há quem acredite que a iniciativa privada poderia qualificar a operação, outros defendem que, se bem gerida, a empresa pública pode servir para elevar o patamar do sistema, forçando os consórcios a se qualificarem.
– Privatizar não foi e não é uma solução para o transporte nas capitais. A cidade que tem uma Carris deveria aproveitar essa oportunidade para compor uma tentativa de pressão sobre as empresas privadas. A empresa pública pode ser uma peça estratégica para oxigenar o cenário. É uma tentativa que tem que ser feita – diz o coordenador de mobilidade urbana do Idec.
O que pensam os candidatos
Sobre o tema transporte público, GZH fez aos 13 candidatos à prefeitura de Porto Alegre duas perguntas:
1) Caso eleito, você vai repassar subsídio público às concessionárias de ônibus para manter o sistema funcionando e conter aumentos de tarifa?
Fernanda Melchionna (PSOL): "Criaremos o Fundo Municipal e cobraremos multas de empresas para reduzir tarifas."
Gustavo Paim (PP): "O sistema faliu, precisa de um reestudo completo. É irresponsável responder sem isso."
João Derly (Republicanos): "Nossa gestão não terá subsídio. Vamos propor um novo modelo de cálculo da tarifa."
José Fortunati (PTB): "Diante da crise do setor, precisamos fazer uma repactuação buscando sustentabilidade."
Juliana Brizola (PDT): "Nossa gestão procurará alternativas. No entanto, não afastamos essa possibilidade."
Júlio Flores (PSTU): "O transporte é como o SUS: não deve servir ao lucro. Encampação com tarifa zero."
Luiz Delvair (PCO): "Evidente que não vamos dar subsídio algum para essas empresas que assaltam usuários."
Manuela D’Ávila (PCdoB): "Retomaremos controle público da CCT e conheceremos planilha de custo após auditoria."
Montserrat Martins (PV): "O modelo atual a diesel é tóxico e deve ser substituído por transportes menos poluentes."
Nelson Marchezan (PSDB): "O subsídio cruzado é a forma mais justa socialmente e viável economicamente."
Rodrigo Maroni (PROS): "Não acredito ser necessário financiamento público para manter em funcionamento."
Sebastião Melo (MDB): "Depende. É preciso analisar outras alternativas antes de conceder subsídios."
Valter Nagelstein (PSD): "Buscaremos fontes de financiamento, mas não aumentaremos a carga do contribuinte."
2) Caso eleito, pretende privatizar a Carris ou mantê-la pública?
Fernanda Melchionna (PSOL): "Pública. Queremos ampliá-la. Carris será de novo a melhor opção de transporte coletivo."
Gustavo Paim (PP): "Sem preconceito com privatização, mas com estudo, projeto e foco no interesse público."
João Derly (Republicanos): "A Carris precisa se manter financeiramente. Caso contrário, pode ser privatizada."
José Fortunati (PTB): "A avaliar. Na repactuação citada acima, a Carris tem um papel importante."
Juliana Brizola (PDT): "Não. A Carris mostrou que é viável do ponto de vista financeiro, se bem administrada."
Júlio Flores (PSTU): "Não à privatização. Encampar empresas privadas com Carris única de qualidade."
Luiz Delvair (PCO): "Jamais será privada e entregue aos tubarões do transporte público."
Manuela D’Ávila (PCdoB): "Pública. Valorizando para que volte a ser a melhor cia de transporte público do país."
Montserrat Martins (PV): "A Carris deve seguir pública e ter projeto de ônibus elétricos."
Nelson Marchezan (PSDB): "Se for necessário, sim. Privatização não é fim, é meio."
Rodrigo Maroni (PROS): "Não vou privatizar a Carris."
Sebastião Melo (MDB): "Se houver comprador, vamos vender. O sistema tem que ser viabilizado."
Valter Nagelstein (PSD): "Nosso compromisso é com a manutenção de empresas públicas autossustentáveis."