A crise que atinge a saúde básica em Porto Alegre desde o anúncio de extinção do Instituto Municipal da Estratégia de Saúde da Família (Imesf) revela que, em duas décadas, o município jamais conseguiu encontrar um modelo satisfatório de gestão do programa de atenção familiar.
A contar de 1996, quando as equipes começaram a atender a população, a prefeitura de Porto Alegre já teve cinco parceiros principais para administrar o serviço. Todos apresentaram algum tipo de problema. Agora, a Capital terá de buscar pela sexta vez em apenas 23 anos uma nova forma de organizar o setor.
Em média, cada organização responsável por intermediar a contratação dos profissionais permaneceu pouco mais de quatro anos e meio na atividade — o que gera instabilidade e risco de interrupções na assistência, como ocorreu após paralisação de boa parte dos 1,8 mil servidores do Imesf afetados pela demissão iminente. Na terça-feira, por exemplo, 68 unidades de saúde fecharam as portas.
Entraves como questionamentos jurídicos, denúncias de mau uso de recursos e falta de pagamento ajudam a explicar porque Porto Alegre sofre tanto para encontrar um modelo duradouro de administração da Saúde da Família. No início, ainda na década de 1990, associações de moradores intermediavam a contratação de pessoal. Em seguida, o serviço foi assumido pela Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs), que se queixou de dívidas por parte do município e deixou de prestar o serviço. O município alegou que não concordava com uma cobrança excedente de taxa de administração.
Depois a parceria envolveu o Instituto Sollus, acusado de desviar R$ 11 milhões em recursos entre 2007 e 2009. Este ano, a prefeitura conseguiu, na Justiça, que bens dos sócios da organização fossem leiloados para ressarcir os cofres públicos. O contrato com o Instituto de Cardiologia, em seguida, sofreu apontamentos do Tribunal de Contas do Estado, quando o município decidiu lançar o Imesf — cuja criação foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Outros parceiros, ao longo desse período, foram mais pontuais e administraram apenas algumas unidades, como Mãe de Deus, Moinhos de Vento ou Divina Providência.
O secretário municipal da Saúde, Pablo Stürmer, acredita que cada sistema teve acertos e problemas, além de questões específicas como denúncias de irregularidades. A próxima tentativa, segundo ele, tem maior potencial por apresentar um modelo mais ágil e abrangente do que os anteriores:
— Uma parceria em que uma Organização da Sociedade Civil assume não apenas o provimento de pessoal, mas a gestão de insumos, a manutenção da estrutura, toda a operação, pode ser uma boa solução. Consegue ter uma agilidade que o poder público não tem. O que vai garantir a continuidade é a oferta de um bom serviço à população, com fiscalização e cobrança de metas por parte do poder público.
O município pretende lançar um edital emergencial para que uma organização civil forneça profissionais que ocupem as vagas abertas. Depois disso, um novo modelo seria implantado por meio do chamamento público de contratualização para gerenciamento e operação das unidades de saúde, também em parceria com Organização da Sociedade Civil.
Especialistas apontam outras possibilidades de modelo
A proposta defendida pela prefeitura de Porto Alegre para gerir as unidades de Saúde da Família é uma das alternativas utilizadas hoje no país, mas não a única. Entre as outras modalidades estão estruturas como a contratação direta ou a criação de fundações públicas. Vereadores sugeriram ainda a conversão do Imesf em empresa pública, mas a prefeitura entende que a medida é inconstitucional (por empresas terem natureza econômica e independência financeira) e poderia levar a novo impasse jurídico.
A coordenadora do Conselho Municipal da Saúde representando o setor dos trabalhadores, Maria Letícia de Oliveira Garcia, entende que a melhor saída seria a contratação direta pelo poder público para evitar turbulências e garantir a aplicação de políticas da área como se deseja.
— Desde o início apontávamos os problemas dessas terceirizações na atenção básica. Tivemos experiências nefastas em Porto Alegre nos últimos anos em razão dessa política — diz Maria Letícia.
Outro modelo utilizado em algumas capitais como Curitiba é a constituição de fundações públicas, semelhantes ao Imesf, em que há vinculação do servidor com o município, mas como celetista e não estatutário.
— Pessoalmente, eu acho melhor fundação para prestação de atenção básica porque a fundação faz parte do poder público, e por isso tem maior poder de aplicar políticas do município. Mas há exemplos de cidades que fazem acordo com organizações sociais ou criam fundações. É mais difícil fazer contratações diretas pelo peso econômico — diz a coordenadora do curso de Gestão de Saúde Pública no Centro Universitário Internacional Uninter, do Paraná, Ivana Busato.
O secretário municipal da Saúde, Pablo Stürmer, argumenta que contratações diretas sobrecarregariam os cofres municipais, e a constituição de uma fundação facilitaria a reposição de pessoal, mas não teria a mesma eficiência que uma Organização da Sociedade Civil, com maior autonomia para manter estruturas, comprar equipamentos, entre outras obrigações.
Mudanças de gestão da saúde básica em Porto Alegre
- 1996 a 2000 - Associações de bairro
- 2000 a 2007 - Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs)
- 2007 a 2009 - Instituto Sollus
- 2009 a 2012 - Instituto de Cardiologia
- 2012 até agora - Instituto Municipal da Estratégia de Saúde da Família de Porto Alegre (Imesf)