Nem a ameaça de chuva, no começo da tarde deste sábado (14), fez com que um grupo de cerca de 20 pessoas deixasse de comparecer à quarta edição da Caminhada da Perda, em Porto Alegre. O evento, promovido pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU-RS), buscou relembrar espaços que foram demolidos ou modificados na Capital.
O passeio cultural e gratuito percorreu pouco mais de um quilômetro, passando por 11 pontos emblemáticos do Centro Histórico que tiveram suas histórias contadas por arquitetos e museólogos do CAU-RS. Todo o trajeto contou com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
O grupo, composto por pessoas de diferentes idades e profissões, saiu da Praça Marechal Deodoro, mais conhecida como Praça da Matriz, onde existiu o primeiro Auditório Araújo Vianna, que funcionava a céu aberto e foi demolido na década de 1960, e seguiu até o Terminal Parobé, local onde por duas décadas funcionou a Praça Pereira Parobé, assolada na enchente de 1941 e transformada em um estacionamento de transportes.
— A caminhada, através do olhar de especialistas, faz despertar na população esse senso de pertencimento e de reconhecimento das belezas arquitetônicas que devem ser preservadas na cidade — explica o arquiteto e idealizador da Caminhada da Perda, Lucas Volpatto, 40 anos.
Com microfones e um caderno de fotografias antigas, os mediadores mostravam, entre prédios quadrados e padronizados, algumas das mudanças na paisagem de Porto Alegre, como a verticalização e o empobrecimento de detalhes visuais.
Dentre todas as modificações, a que mais chamou a atenção do guia turístico Celso Alegransi, 43, foi a da Igreja do Rosário, na Rua Vigário José Inácio. O templo inaugurado em 1817 foi demolido em 1951, com autorização do então presidente Getúlio Vargas, apesar do apelo popular pela manutenção do edifício original.
— Na correria do dia a dia, a pessoa não contempla e repara em detalhes históricos e socioculturais dessas edificações. Esses prédios contam a história da cidade e do povo junto, de diferentes épocas. Estamos aqui para relembrar dessas histórias e não deixar que coisas como o destombamento e a destruição da cultura de um povo minoritário sejam destruídos novamente — analisa.
O caminho contemplou ainda locais que já foram pontos de encontro da comunidade gaúcha, como a Igreja do Rosário, o Café Colombo, o Teatro Coliseu e o luxuoso Grande Hotel, ponto de hospedagem de autoridades e da elite que chegava ao Estado.
Apesar de não estar no roteiro inicial, entregue aos participantes em um flyer composto por mapas e fotos, os mediadores levaram o grupo até o Edifício Guaspari, perto do Paço Municipal, para mostrar que perdas históricas, por vezes, podem ser superadas. O prédio, construído na década de 1930, exibe agora diversas janelas que foram por décadas tapadas por cortinas de metal. Recentemente, ele recebeu uma intervenção, voltando a ficar próximo da estrutura original.
— Como muitas das perdas, não vimos acontecer, não estamos sensíveis para ela. Agora, sabendo o que aconteceu, conseguimos perceber as mudanças da cidade. Andar pelas ruas, fluindo e observando os prédios, é uma chance de valorizar o que a gente tem e de pensar sobre como evitar futuras perdas — diz Barbara Hoch, 27, museóloga do CAU-RS.
Alguns dos locais percorridos
Igreja Matriz Madre de Deus
Ficava na Rua Duque de Caxias, onde hoje está a Catedral Metropolitana de Porto Alegre. O autor do projeto dessa primeira igreja é desconhecido, mas se sabe que a planta veio do Rio de Janeiro em 1774.
Começou a ser construída em 1779. Foi demolida na década de 1920.
Antigo Auditório Araújo Vianna
Era um anfiteatro a céu aberto onde hoje se encontra a Assembleia Legislativa (junto à Praça da Matriz). Baseava-se em uma concha acústica e cerca de 500 bancos de concreto. Ali se assistia, especialmente, à Banda Municipal.
Foi construído em 1927 e demolido em 1960.
Praça Pereira Parobé
Praça ao lado do Mercado Público de Porto Alegre, onde hoje fica o terminal de ônibus.
O ajardinamento era de 1935, mas foi demolida em 1941 depois da grande enchente que atingiu a cidade naquele ano.
Grande Hotel
Ficava na Rua dos Andradas, onde hoje fica o Rua da Praia Shopping. Hospedava visitantes ilustres: de suas sacadas, autoridades e políticos discursavam para a população.
Começou a ser construído em 1916, passou por um incêndio em 1967 e foi demolido dois anos depois.
Igreja do Rosário
Localizada na Rua Vigário José Inácio, foi inaugurada em 1827. No século 19, a paróquia do Rosário era a mais extensa e populosa da cidade.
A velha igreja foi demolida em 1951, com a autorização do presidente Getúlio Vargas. O novo templo, no mesmo endereço, foi inaugurado em 7 de outubro de 1956.