Vocês conhecem a história do Grande Hotel, um dos principais símbolos de status e sofisticação da Porto Alegre do século passado? Tudo começou quando João Pedro Bourdette e seu genro Cristiano Cuervo adquiriram o Hotel Brasil, na Praça da Alfândega, onde depois se estabeleceu o Clube do Comércio (a mudança de nome do hotel ocorreu em 1908). Quando o casarão de dois andares não dava mais conta da movimentação de hóspedes, os proprietários ergueram um edifício em estilo art nouveau na esquina da Rua da Praia com a antiga Rua Payssandu (atual Caldas Júnior), inaugurado em 1918, graças a um financiamento de 1,2 mil contos de réis no Banco da Província.
“Foi, por muito tempo, o edifício mais alteroso de Porto Alegre. Por ele passaram as celebridades que nos visitaram ao longo de muitos anos. Políticos, intelectuais, artistas, homens de negócio, tudo, enfim, que trouxesse em si a marca da distinção e da notoriedade”, escreveu Nilo Ruschel, no livro Rua da Praia. O hotel também hospedava “famílias famosas, ricas e de genealogia imponente, que não admitiam morar noutro lugar”, conforme Dante de Laytano. Além disso, artistas que vinham dar concertos no Theatro São Pedro ensaiavam em uma das salas nobres, que dispunham de bons pianos.
Como se não bastasse, o Grande Hotel se transformou na sede não oficial dos partidos políticos. O amplo saguão de portas envidraçadas, que davam para a Praça da Alfândega, era uma espécie de vitrine da movimentação da classe política, que fazia do local ponto de encontro e dava lá suas audiências. Alguns políticos eram hóspedes permanentes, como Getúlio Vargas antes de assumir o governo do Estado, em 1928. Depois, como presidente da República, ele sempre se hospedava ali quando vinha à Capital.
Há consenso entre os historiadores de que a Revolução de 1930 foi tramada no hall de entrada do Grande Hotel. “Flores da Cunha, Oswaldo Aranha, Maurício Cardoso e outros revolucionários eram hóspedes fiéis do hotel, que se tornou uma espécie de quartel-general da conspiração e testemunha de inúmeros incidentes a ela relacionados”, afirma Sílvia Lopes Leão na pesquisa Os Antigos Hotéis de Porto Alegre, publicada na Revista ARQtextos, da UFRGS. A célebre entrevista que Flores da Cunha concedeu a Décio Freitas, jovem repórter do Diário de Notícias, de cuecas e de chapéu, fumando um charuto, mostra o quanto a classe política se sentia à vontade no Grande Hotel.
Outro destaque era o bar com “prateleiras ricamente abastecidas com a melhor produção das destilarias escocesas”, segundo Ruschel, que teria sido a primeira uisqueria da cidade. O barman Jaci, considerado mestre na química dos coquetéis, falava fluentemente inglês. “Dizem que era tão entusiasmado com sua arte que preparava sempre os pedidos em duplicata – um cálice para o freguês e outro para ele próprio”, registrou Ruschel. Por causa do vício, Jaci terminou a vida como miserável, primeiro nos bancos da Praça da Alfândega, depois no manicômio. Em 1956, o Grande Hotel foi vendido ao Grêmio Beneficente dos Oficiais do Exército (GBOEX). Onze anos depois, um incêndio de grandes proporções destruiu o edifício histórico, que foi reconstruído em 1990 para abrigar o Shopping Rua da Praia.