São cenas bucólicas da virada do século 19 para o século 20, registradas com sensibilidade e humor. Nelas, ganham protagonismo famílias que viviam nos arredores de Porto Alegre, além de escravizados libertos, lavadeiras, carreteiros e viajantes. Verdadeiras relíquias, as imagens produzidas pelo fotógrafo amador conhecido como Lunara se aproximam de obras de arte, além de descreverem parte do cotidiano da Capital (à época, com cerca de 70 mil habitantes), que dava os primeiros passos na transição de uma área rural para a modernidade.
Lunara era o pseudônimo usado pelo próspero comerciante Luiz do Nascimento Ramos (nascido em 1864), formado a partir das primeiras sílabas de seu nome, para participar de exposições ou concursos fotográficos. Ele tinha outras alcunhas, como Bitu ou Sancho, que adotava para escrever crônicas no semanário O Athleta, do Clube Caixeiral Porto-Alegrense. Homem ativo na vida econômica e cultural de seu tempo, além de dono de armazém de secos e molhados, era membro da Associação Comercial de Porto Alegre. Nos fins de semana, Lunara tinha o hábito de sair com sua máquina fotográfica, um tripé e chapas de vidro 13cm x 18cm para registrar a paisagem junto às margens do Guaíba ou dos arroios Cascatinha e Dilúvio. Quase sempre, acompanhado do amigo e pintor Pedro Weingartner:
– Há muitas semelhanças entre as fotografias de Lunara e as pinturas de Pedro, a mesma luz, o mesmo enquadramento. É evidente que existia uma conversa entre os dois – diz a fotógrafa e jornalista Eneida Serrano, responsável direta pelo resgate do acervo de Lunara.
Após a morte do fotógrafo, em 1937, as imagens ficaram guardadas durante décadas no baú de familiares, até que, no início dos anos 1970, ainda estudando Comunicação na UFRGS, Eneida pesquisou o que havia sobre a história da fotografia no RS em museus e arquivos de jornais. Constatou que pouca coisa estava disponível, mas a qualidade técnica e artística de Lunara, além dos temas escolhidos, chamaram sua atenção.
– Ele documenta uma época e um lugar – assinala ela.
Depois de descobrir o seu verdadeiro nome numa edição da revista Ilustração Brasileira, do Rio de Janeiro, datada de 24 de junho de 1922 (na qual era noticiada a sua premiação pela foto O Lago, concedida pela La Revue de Photographie, de Paris), Eneida utilizou um método rústico para localizar seus parentes. Abriu o Guia Telefônico e passou a ligar para todos os assinantes com sobrenome Ramos. Deu sorte dobrada. Áureo, filho mais velho de Lunara, era um dos primeiros da lista organizada em ordem alfabética. Outra surpresa foi descobrir que morava a duas quadras da casa dele (Eneida vivia com os pais na Rua Doutor Timóteo, e ele residia numa das esquinas da Praça Maurício Cardoso, no Moinhos de Vento). Após ter acesso ao acervo, ela organizou, em 1979, uma exposição no Museu Hipólito da Costa e, em 2001, publicou o livro Lunara – Amador 1900.
– Gostaria que o resgate de Lunara estimulasse que outras histórias ocultas do passado pudessem ser revistas, recontadas e reinterpretadas – finaliza ela.