Eu jamais vou esquecer dos sete anos em que estudei no Colégio Júlio de Castilhos, na década de 1970, uma das melhores escolas gaúchas ao longo do século passado, que se gabava, com justa razão, de ser um “colégio padrão”. Isso se devia não só à excelência do ensino, mas também ao ambiente político e cultural que, ao longo de décadas, transformou o Julinho (como carinhosamente é chamado) num reduto de defesa dos ideais de democracia e liberdade.
Não à toa, lá estudaram figuras de destaque da política do RS, como Leonel Brizola (que participou da primeira diretoria do grêmio estudantil, em 1943), Paulo Brossard, Ibsen Pinheiro, Antonio Britto, Germano Bonow e Luciana Genro. Já a lista de intelectuais inclui Moacyr Scliar (que, aliás, dá nome à biblioteca da escola), João Gilberto Noll, Barbosa Lessa, Paixão Côrtes, Paulo Sant’Ana, Ivette Brandalise, Tatata Pimentel, Caco Barcellos, Sérgio Jockymann e Ruy Carlos Ostermann, além de Dante de Laytano e Joaquim José Felizardo.
O Julinho surgiu como curso preparatório para a Escola de Engenharia ao final do século 19. Em 23 de março de 1900, se constituiu como colégio com a designação de Gymnásio do RS (a denominação atual, em homenagem ao líder do Partido Republicano Riograndense, é de 1942), mas só ganhou sede própria em 1911. O imponente palácio renascentista localizado na Avenida João Pessoa, defronte à antiga Praça Independência (atual Praça Argentina), seria destruído por um incêndio na madrugada de 16 de novembro de 1951. As chamas ainda ardiam pela manhã, quando um grupo de corajosos alunos resgatou os dois leões de cobre oxidado que guarneciam a escadaria de mármore, além do busto em bronze de Júlio de Castilhos. Sãs e salvas, as esculturas estão de prontidão até hoje no hall de entrada da atual sede junto à Praça Piratini, no bairro Santana, inaugurada em 29 de junho de 1958 (nesse meio tempo, a escola funcionou no Arquivo Público do Estado, na Rua Riachuelo).
Projetado pelo casal de arquitetos Demétrio e Enilda Ribeiro, o prédio do Julinho (tombado como patrimônio histórico em 2023) é emoldurado por paredes envidraçadas, com sacadas abertas para a praça, de tal modo que é como se o cenário exterior fizesse parte do ambiente interno do colégio, o que não é por acaso. Conforme Demétrio, a ideia era evitar que os alunos “parassem no tempo e cristalizassem suas opiniões, pois o mundo estaria na porta da sala de aula exigindo mudanças”. De fato, nos anos 1960, ali se formaram as lideranças mais combativas do movimento estudantil, entre elas Luiz Eurico Lisbôa, o Ico (irmão do cantor e compositor Nei Lisboa), morto pelas forças de segurança do regime militar em 1972.
E o que dizer do episódio da “revolta da minissaia”? Proibidas de usar roupas que deixassem as pernas à mostra, algumas alunas escondiam alfinetes nas pastas escolares – uma vez no interior da escola, levantavam a barra das saias para desafiar a ordem. O Julinho foi também pioneiro ao abrigar o primeiro grupo ecológico de uma instituição de ensino do RS, o Kaa-Eté (mata virgem, em guarani), em 1979. Por tudo isso, quem viveu os velhos tempos não pode deixar de se entristecer com a atual situação do colégio, com manutenção precária e queda do número de matrículas. Força, Julinho!