A cada ano, o Colégio Estadual Júlio de Castilhos, de Porto Alegre, vem perdendo alunos e tendo sua estrutura precarizada. A tradicional escola no bairro Santana, que já foi uma das mais conceituadas do Rio Grande do Sul, começou o ano letivo no dia 19 de fevereiro com vagas sobrando, falta de professores e espaços interditados.
Em 2024, a instituição teve redução no número de matrículas. Até o momento, há cerca de 1.050 estudantes nas turmas de Ensino Médio, nos três turnos. Em 2023, havia 1.100 alunos e, até 2022, uma média de 1.500. Há 20 anos, a escola chegou a atender média de 5 mil jovens.
Conforme a diretora, Fernanda Schmidt Gaieski, o número não deve aumentar muito nas próximas semanas. Ela atribui essa redução à transição demográfica e às dificuldades financeiras das famílias, que muitas vezes preferem matricular os filhos em escolas que ofertam cursos profissionalizantes, buscando a inserção no mercado de trabalho.
Falta de professores
A diretora conta que, pela primeira vez, o ano começou com uma turma sem professor de Matemática, no 2º ano do Ensino Médio, porque alguns se aposentaram em 2023. A escola solicitou reforço no corpo docente à Secretaria de Educação do RS (Seduc), ainda sem sucesso.
Mesmo com 86 profissionais na equipe, há falta de docentes para dar conta das trilhas de aprendizagem. O colégio implementou os itinerários previstos no Novo Ensino Médio em 2022. Para cumprir a carga horária e as atividades previstas, seria necessário ter, pelo menos, mais 10 professores.
— Há maior carência nas trilhas ligadas à matemática e aos fundamentos tecnológicos, como resolução de problemas. Seriam complementos importantes da formação geral básica. Falta professor para, pelo menos, 68 períodos das trilhas — afirma Fernanda. No total, o Julinho conta com cerca de 100 funcionários, sendo que mais de 80 são professores.
A Seduc informa que a escola solicitou contratações emergenciais de dois profissionais para os componentes de Física e de Saúde e Bem-Estar; e cinco solicitações de ampliação de carga horária nos componentes de “Empreender-se e Inovar para Sustentabilidade”, Língua Portuguesa, Linguagens Estruturais e Artísticas, Estatística Básica e Linguagem Corporal.
Para o professor de Química Iguaçu Rocha, que começou a lecionar no Julinho em 2003, é uma pena ver a falta de professores e de cuidado com a escola.
— Antes, era muito diferente. Tínhamos mais de 100 professores quando entrei. Também estamos sentindo a questão da estrutura do prédio, que decaiu muito. Mas a escola tem muito a ofertar, é um local privilegiado para os estudantes, longe do barulho da rua. Eu gosto muito do Julinho, somos apaixonados pela escola — diz o professor.
Apesar das dificuldades, a escola segue ofertando opções de atividades de contraturno, muitas delas promovidas pela comunidade escolar, como professores aposentados e ex-alunos, que têm relação afetiva com a instituição. O Julinho oferece oficinas de desenho, de robótica educacional, aulas de línguas estrangeiras e de esportes, como vôlei e futebol.
Manutenção precária
Uma das maiores preocupações neste início de ano letivo é a falta de pessoal para realizar a manutenção das salas e laboratórios. A instituição é uma das maiores do Estado em área, com 1,5 hectare. No espaço, estão distribuídas 48 salas de aula, banheiros, biblioteca, ginásio, quatro laboratórios, sala de recursos multifuncionais, sala multimídia e sala de robótica.
No entanto, no momento, a escola conta com apenas três pessoas na equipe de higienização. Há mais uma servente na equipe, mas ela está de licença. Os funcionários são responsáveis pela limpeza de todo o prédio, mas não dão conta.
— Estamos sobrecarregados. Eu trabalho aqui há cinco anos. Quando entrei tinha mais gente, pelos menos sete pessoas, tinha funcionários terceirizados. Agora, somos só nós três para limpar essa baita escola — conta a faxineira Solange Granville. Atualmente, não há mais terceirizados na equipe.
Por conta disso, ao longo dos últimos três anos, alguns espaços foram deixando de ser utilizados. É o caso dos laboratórios de ciências. O colégio conta com três laboratórios – de Biologia, de Química e de Física, com materiais específicos para as atividades de cada disciplina. Com a falta de manutenção, as salas estão sem uso.
— Antes da pandemia, os laboratórios eram muito utilizados. São diferenciais da escola, da qualidade do ensino, é uma ótima estrutura. Mas precisaria de limpeza para usar, devido ao alto fluxo de alunos. Com a equipe reduzida, estamos priorizando a higienização das salas de aula e banheiros de alunos e professores. O resto fica. Temos os recursos necessários para manter a escola funcionando para receber os alunos, mas não dá para fazer tudo — explica a diretora.
Para completar o quadro de recursos humanos, a escola também solicitou à Seduc monitor e professor de Atendimento Educacional Especializado (AEE). A diretora lamenta a falta de profissionais para atender aos estudantes com deficiência. No momento, há somente uma professora que atua na sala de recursos, para atender a 30 alunos com deficiência. Conforme Fernanda, seria necessário ter mais pessoas para garantir atendimento adequado.
— Aqui temos acessibilidade, temos toda a estrutura necessária. Temos transporte que deixa na frente da escola, elevadores, rampa de acesso. Por isso, muitas famílias com filhos com deficiência procuram a escola. Mas se é para termos educação inclusiva, temos que dar condições para isso. Se não, perde todo o sentido — diz a professora Rosângela Pompeo.
Em nota, a Seduc destaca que atenderá a todas as solicitações de preenchimento de vagas do quadro de recursos humanos, e que seguirá realizando investimentos no Júlio de Castilhos.
Problemas de longa data
Os laboratórios interditados ficam no segundo andar do prédio, que está com problemas nos revestimentos internos. No início do ano, o Julinho recebeu R$ 37,3 mil em verbas do programa Agiliza Educação, do governo estadual, para reparos e compra de materiais. No total, foram repassados à instituição, em janeiro, R$ 115 mil, porque o colégio recebeu adiantamento de quatro meses da verba de Autonomia Financeira, destinada mensalmente às escolas estaduais para custeio de manutenção. A instituição recebe R$ 16 mil por mês.
Parte dos recursos recebidos no ano passado já foi utilizada para reformar o ginásio e para instalação de ar-condicionado no laboratório de informática. Boa parte das salas de aula ainda não têm climatização, somente ventiladores. A verba de 2024 também foi aproveitada para sanar problemas urgentes causados pelo temporal de 16 de janeiro. Na ocasião, caíram muitas árvores no pátio, e algumas telhas foram arrancadas, causando vazamentos.
Uma parcela dos recursos será destinada para reforma no piso do saguão de entrada, bem como para compra de materiais. Porém, o dinheiro não será suficiente para tudo. Parte do forro do teto do segundo andar desabou por conta da chuva. Por isso, um dos corredores segue interditado. O colégio também pretende instalar uma sala maker e realizar a troca do piso de uma sala de aula, que está fechada devido à infiltração. O mofo tomou conta do piso.
— O valor que recebemos é pouco para uma escola desse tamanho. Tem muitos setores que precisamos reestruturar para conservar. Sem manutenção, as coisas vão se deteriorando. Já solicitamos verbas para reparar a entrada, porque a armadura metálica está exposta em algumas partes — relata Fernanda.
O valor que recebemos é pouco para uma escola desse tamanho. Tem muitos setores que precisamos reestruturar para conservar. Sem manutenção, as coisas vão se deteriorando.
FERNANDA SCHMIDT GAIESKI
Diretora do Colégio Júlio de Castilhos
Em julho de 2022, foi repassado à escola R$ 176,6 mil pelo programa Agiliza. Com os recursos, a escola conseguiu melhorar sua estrutura. O investimento permitiu a construção da rampa de acesso no auditório para alunos com deficiência, o conserto dos elevadores e a ampliação da cozinha. Foi feita ainda a instalação de sistema de gás para a cozinha, onde é preparada a merenda escolar, e de fogão industrial. Antes, a escola não tinha como ofertar merenda.
Também foram comprados computadores e chromebooks para os estudantes. Em abril de 2023, o colégio recebeu R$ 20,9 mil e realizou mais reparos, como no corredor da biblioteca, que estava com o forro caindo devido a uma infiltração. A diretora diz que as paredes também precisam ser pintadas. Quem anda pela escola vê pichações por todas as partes.
Segundo Fernanda, não há nenhuma obra paralisada, mas há muitas por fazer. Uma demanda urgente é a impermeabilização do telhado, pelo fato de ser um prédio muito antigo, para evitar mais infiltrações e exposição às intempéries. A diretora assumiu em 2022, mas está na escola desde 2000, quando começou a dar aulas de Biologia.
Sobre as demandas apontadas, a Seduc informa, em nota, que engenheiros da Secretaria de Obras Públicas do RS "farão uma nova vistoria no local para acrescentar os itens mencionados pela equipe diretiva". Após o procedimento, "serão verificadas alternativas para que a questão seja solucionada brevemente, seja por meio de suplementação do repasse da verba de Autonomia Financeira, por dispensa de licitação, por registro de ata de preços ou uma suplementação de Agiliza Educação e a tomada de preços pela própria direção da instituição".
História centenária
Neste mês de março, o Julinho completa 124 anos. A fundação oficial da escola foi em 1900, mas o atual prédio que abriga a instituição é mais recente. Inaugurada em 1958, com projeto assinado pelo arquiteto Demétrio Ribeiro, a construção completa 66 anos em 2024.
A escola foi tombada como patrimônio histórico de Porto Alegre. Embora seja um tombamento provisório, com processo em andamento desde 2016, a confirmação foi publicada no Diário Oficial do município em novembro. O colégio é conhecido por ter recebido personalidades políticas, intelectuais e cientistas como Leonel Brizola, Ibsen Pinheiro, Paulo Brossard, Moacyr Scliar, entre outros. Quem estudou no Julinho no passado tem lembranças de uma escola excelente, que era considerada um modelo de educação de qualidade.
— Fui estudar lá em 1982. Eu sempre estudei em colégio público, então, para mim, era uma meta conseguir entrar no Julinho. Na época, se fazia o "vestibulinho", e eu fiz o teste e passei. Mas era muito difícil, era concorrido. Os laboratórios eram muito bons. Hoje, quando eu passo pelo Julinho, me dá uma tristeza de ver tudo tão abandonado. Tive ótimos professores na escola, que me marcaram para toda a vida — afirma a costureira e modelista Marilene Veiga.
O empresário Ernani Antonio Piccoli, de 75 anos, que estudou na escola na década de 1960, também guarda boas lembranças.
— Eu estudava de noite no Julinho e trabalhava no setor de circulação do Jornal do Dia. O colégio era muito bom, tinha boa estrutura, funcionava muito bem. Fiz o curso científico e estudei para prestar o vestibular. Passei na UFRGS [Universidade Federal do Rio Grande do Sul] e cursei Engenharia Civil — conta.