Modelo na reciclagem de resíduos, com coleta seletiva há mais de 30 anos, Caxias do Sul é reconhecida pelo pioneirismo na implantação dos contêineres e do sistema recolhimento mecanizado do lixo. Mas, na prática, esses dois modelos se mostram deficitários. A cidade já foi destaque nacional como uma das mais limpas do Brasil e agora perde espaço a cada ano. Os investimentos, por sua vez, não avançaram como se esperava e a gestão do lixo enfrenta uma série de questionamentos e críticas.
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Há necessidade de aplicar mais recursos para a cidade seguir com a operação adequada e expandir o sistema, mas a crise enfrentada há anos pela Companhia de Desenvolvimento de Caxias do Sul (Codeca) é uma das justificativas do município para explicar o atual cenário. O desiquilíbrio financeiro, segundo a direção da companhia, impede a remodelação da frota e a compra de equipamentos. Os atos de vandalismo contra os contêineres, especialmente, os amarelos, e a falta de cuidados da própria população ao descartar o lixo também são fatores apontados que levam a problemas com a zeladoria.
Soma-se ainda o aumento do número de reciclagens clandestinas e de catadores, que tiram do lixo o sustento, o que é um problema social que precisa ser encarado atentamente e com a sensibilidade necessária pela administração. Diante disso, a pergunta é: para onde vai o sistema de coleta de lixo? Em 2021, o Pioneiro já havia abordado o assunto e agora mostra o que avançou em relação ao tema em uma nova série de reportagens.
O que leva ao atual cenário
Caxias do Sul figurou entre as 10 cidades mais limpas do Brasil até 2017, ano em que ocupou o quinto lugar. Hoje, o cenário em alguns pontos é de lixo espalhado no entorno de contêineres, o que deixa calçadas sujas e um forte cheiro no entorno dos recipientes.
Instalados em diversos pontos da cidade, há 1,6 mil pares de contêineres ativos. Destes, 800 são recipientes verdes destinados para o lixo orgânico e 800 são amarelos, para o seletivo. A frota de recolhimento da Codeca é composta por 32 caminhões manuais e seis mecanizados, sendo que o aterro Rincão das Flores recebe em média 360 toneladas por dia de resíduos orgânicos.
Durante dois dias, a reportagem circulou para avaliar parte dos contêineres. Além do desgaste do tempo, que deixa os equipamentos, especialmente os verdes, desbotados e sujos, a maioria dos contêineres estão com as rodinhas, os pedais e as tampas quebrados. Esses problemas recorrentes incomodam a população, que questiona e cobra ações do poder público.
A diretora-presidente da Codeca, Maria de Lourdes Fagherazzi, ressalta o impacto do desequilíbrio financeiro no sistema de coleta. Ela afirma que em 2022, a Codeca começou a repor contêineres de lixo orgânico, sendo que desde 2012 não eram colocados novos recipientes verdes. Até o momento, segundo ela, foram 50 reposições.
Claro que não é o suficiente, mas é o início. Os verdes são os mais caros. Dos amarelos, já foram cerca de 500 e aí com o vandalismo perdíamos cerca de 200 a 300 em incêndios
MARIA DE LOURDES FAGHERAZZI
Diretora-presidente da Codeca
Maria de Lourdes afirma que cada contêiner amarelo custa cerca de R$ 2 mil, e não há equipamento em estoque para a reposição quando são incendiados por vândalos. Em 2022 e no começo de 2023, houve um aumento de equipamentos incendiados, mas com o trabalho em conjunto da Guarda Municipal com a Polícia Civil e a prisão de algumas pessoas, esse número diminuiu.
Ela ressalta que está em andamento um projeto-piloto com contêineres amarelos de metal. Os equipamentos estão em teste, e há 10 deles espalhados pela cidade, mas há uma série de requisitos a serem avaliados. Entre os fatores está o custo, porque o valor é o dobro do atual, e além disso, o município avalia a questão da facilidade do recipiente ser roubado, pois é mais leve que o de plástico.
O papel da comunidade
A limpeza da cidade também passa pelo comportamento da comunidade. Maria de Lourdes acredita que é essencial que parte dos moradores volte a se sentir responsável pelo lixo.
Às vezes, tem uma mudança inteira ao lado dos contêineres, então tem uma parcela da população que entende que o lixo não é dela, que se ela colocar na rua alguém vai dar conta disso.
MARIA DE LOURDES FAGHERAZZI
Diretora-presidente da Codeca
Com equipamentos utilizados para captar imagens de animais silvestres, a prefeitura já flagrou moradores da cidade e até de outros municípios descartando lixo em locais impróprios de Caxias. Nesses casos, a multa varia de 50 a 1 milhão de VRMs, o Valor de Referência Municipal. Cada VRM equivale a R$ 40,03, o que faz com que o valor mínimo aplicado da multa seja de R$ 2 mil.
Maria de Lourdes destaca que muitos moradores querem usar os contêineres, mas nem sempre aceitam ter o equipamentos em frente às casas. Assim, é necessário mover os equipamentos, o que também é um problema para a companhia. Isso porque quando o sistema foi implantado, havia demarcações para que eles não fossem remanejados do lugar.
Futuro da limpeza urbana
O poder público demonstra preocupação com o futuro do lixo, e por isso, criou um grupo de trabalho para debater o assunto. Em dezembro de 2022, uma comitiva de técnicos da administração municipal de Caxias do Sul trocou informações e acompanhou presencialmente um dia de trabalho na gestão de resíduos da prefeitura de Florianópolis. Da visita, surgiu interesse pela atuação da capital catarinense na gestão de resíduos orgânicos domésticos e na Educação Ambiental.
— Claro, Florianópolis tem uma outra realidade, mas a gente entende que olhando para o que outras cidades fizeram, talvez a gente possa usar o mesmo modelo ou ter ideias para outras soluções que possam ser aplicadas levando em conta essas realidades, tanto de população, de topografia, quanto financeira. Está sendo estudado, inclusive, a discussão se o método é realmente continuar com contêineres. Se não for, qual modelo seria. Existem várias tecnologias em outros países, e vira e mexe, a gente recebe ou fotos ou vídeos, e há algumas que aqui não conseguiríamos aplicar devido à fiação elétrica.
A diretora cita metodologias, como um guincho que levanta o contêiner e coloca de volta, e no caso de Caxias seria inviável devido aos fios nos postes, e também modelos subterrâneos, que em função da topografia rochosa também não teria condições de ser implantado na cidade. Para ela, talvez o município tenha que pensar em várias soluções, dependendo do lugar, avaliando, inclusive, os custos dessas tecnologias.
— Não é uma equação de solução simples, e talvez não seja uma solução só, talvez o município tenha que pensar em várias soluções dependo do lugar, mas isso está em estudo, e se fosse fácil já teria sido aplicado. Tem esse grupo pensando toda essa sistemática e o pessoal do coletivo Lixo Zero também ajuda nesta discussão — ressalta ela.
Conteinerização
O diretor-operacional da Codeca, Rafael Tregansin, diz que a instalação de contêineres provocou uma mudança na operação de coleta na época em que foi implementada. Ele lembra que foram adquiridos, além dos contêineres, caminhões específicos para este tipo de coleta.
— Os profissionais que atuam nessa atividade — motoristas e coletores — foram treinados. Os roteiros precisaram ser reestudados e refeitos, considerando a forma da operação, inclusive com alterações dos horários do recolhimento. Foi um passo importante, pioneiro no Brasil, que introduziu uma nova tecnologia no processo de limpeza urbana. Desde então, pouca coisa mudou na operacionalização. Melhorias na roteirização foram feitas e pequenas alterações nos modelos dos contêineres ocorreram, mas a operação de coleta permanece, basicamente, a mesma — explica ele.
Tregansin ressalta que a manutenção dos equipamentos é necessária em qualquer atividade, e que a Codeca tem um setor específico para isso, Hoje, há 25 funcionários que atuam nessa área, sendo que na época da implantação eram três, segundo a companhia. O diretor afirma que a dificuldade em recuperar os contêineres verdes ocorre em virtude do material e do tempo de uso.
— O contêiner verde recebe o resíduo orgânico, gera chorume, que é corrosivo e com o tempo desgasta o metal. Além disso, possui um mecanismo mais complexo, com pedais, cabos de aço e barras laterais que demandam um serviço mais especializado. Já o contêiner amarelo, para resíduos seletivos, é recuperado de forma mais simples, mas é mais exposto a vandalismos —destaca Tregansin.
Ecoponto
O Ecoponto é uma alternativa para quem não tem condições de pagar para fazer a coleta de materiais como sofás, camas e geladeiras. Basta agendar um horário para recolhimento desse material no (54) 3224-8000 no Alô Codeca.