A presença aparentemente cada vez maior de catadores informais, considerado um problema social, é um dos desafios para organizar a destinação do lixo em Caxias do Sul, tema da terceira reportagem da série sobre como a cidade lida com os resíduos que gera.
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Basta circular pela área central de Caxias do Sul para perceber a atividade de homens e mulheres que arrastam carrocinhas ou carregam sacos de lixo ou sacolas plásticas com resíduos que podem ser reaproveitados. A maioria vê na coleta informal a única opção de trabalho.
Se por um lado, integram a vida da cidade, por outro, são praticamente invisíveis para parte da comunidade. A atuação deles tem dois lados: entre os pontos positivos está o reaproveitamento de materiais, o que reduz o volume que acabaria indo para o Aterro Rincão das Flores, na localidade do Apanhador. O ponto negativo é que a ação de parte dos catadores prejudica o cuidado com a limpeza da cidade, gerando a mistura de orgânico com seletivo e espalhando resíduos no entorno de contêineres.
— Nós temos problema de separação de lixo na origem, já que parte da população não separa o orgânico do seletivo. O outro fator, que hoje não conseguimos medir quanto por cento que acontece é o fato de o catador misturar os resíduos. Ele está mexendo no seletivo e coloca no orgânico para pegar o que ele quer — afirma a diretora-presidente da Codeca, Maria de Lourdes Fagherazzi.
Para tentar reduzir esse impacto na limpeza na área central, a Codeca escalou uma equipe com quatro coletores e seis varredores. Esse grupo trabalha da meia-noite às 5h para limpar o entorno dos contêineres na área central. Há pouco mais de um mês, outro funcionário acompanha o serviço para conversar com quem revira o lixo e tentar evitar descarte no recipiente errado. Maria de Lourdes ressalta que é um direito do catador tirar o lixo dos contêineres, mas em tese também é dever dele manter a cidade limpa.
— Ele faz um trabalho de abordagem, com muita calma, e conversa, falando olha: “tu podes revirar o lixo, mas tem que deixar limpo, não misturar”. É um trabalho delicado, uma conversa na tentativa de orientar eles, e deixar esse cenário de limpeza no entorno dos contêineres .
MARIA DE LOURDES FAGHERAZZI
Diretora-presidente da Codeca
Outro ponto que está em discussão em um grupo de trabalho criado pelo município é sobre o recolhimento de lixo das reciclagens informais. A ideia é rever as normativas da Codeca para que essas reciclagens coloquem o material em sacos em frente aos estabelecimentos em dias de coleta regular. A companhia, por sua vez, fará o recolhimento para evitar que esses resíduos sejam despejados em contêineres, que frequentemente ficam lotados com o rejeito dessas associações. O serviço seria gratuito.
Na Cristóforo Randon, segue expectativa pela construção de pavilhões para abrigar catadores
A recicladora Ana Maria Rodrigues de Souza trabalha há cinco anos em uma das reciclagens informais da Rua Cristóforo Randon, no bairro Euzébio Beltrão de Queiroz. Catadores como ela, que atuam de maneira improvisada no meio da rua. esperam por políticas públicas do município. A expectativa é pela construção de pavilhões para abrigar quemhoje trabalha na chuva e no frio, ou embaixo do sol, e também segue exposto aos riscos de estar no meio do trânsito da Cristóforo. A recicladora conta que secretários municipais estiveram no bairro para conversar em uma ocasião, e desde então acompanham o assunto pela imprensa.
— Nos sentimos esquecidos como sempre, mas estamos seguindo nossa rotina de trabalho e fazendo o que podemos por nós porque não temos ajuda de ninguém. Recebemos muitas críticas, mas trabalhamos de domingo a domingo e queríamos um pouco de reconhecimento porque ajudamos a cidade na parte do meio ambiente. Nossos meninos coletam o lixo de bairro em bairro e temos muitas pessoas boas aqui trabalhando para ganhar o seu pão no dia a dia. Eles precisam de doações de roupas e de capa de chuva. Quando chega o inverno, fica muito mais complicado para nós com chuva e muito frio.
Ana Maria lamenta os atos de vandalismo:
— Não podemos ser julgados e criticados pelo que os vândalos fazem, nós aqui estamos trabalhando dignamente. Estamos esperando também ajuda para que possamos vender porque o município disse que nos ajudaria nessa questão de vendas de portas abertas porque não tem empresas que possam comprar nossa material — aponta ela.
Os motoristas que usam a Cristóforo Randon e quem vive no entorno da reciclagem a céu aberto também aguardam uma solução, pois são afetados pelos material no meio da via e por outros transtornos.
As negociações para a construção do espaço ainda dependem de alguns passos fundamentais para serem, de fato, iniciadas. O projeto prevê cinco pavilhões germinados, em uma área construída total de 1.270 metros quadrados, no cruzamento entre as ruas Dom João Batista Scalabrini e Cristóforo Randon, nos fundos do campo suplementar da S.E.R. Caxias. A etapa de negociações depende, ainda, do leilão de áreas da massa falida da empresa Voges Metalurgia Ltda, onde a construção será realizada. Estão em andamento os estudos técnicos para propor ao judiciário a permuta e/ou adjudicação da área.
Função social
A coordenadora dos cursos de Engenharia Ambiental e de pós graduação em Engenharia e Ciências Ambientais da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Renata Cornelli, afirma que os catadores desempenham um papel fundamental e de grande importância na coleta de resíduos, trazendo benefícios ambientais, sociais e econômicos.
— A participação dos catadores contribui para a recuperação de materiais recicláveis,redução dos impactos ambientais, inclusão social, geração de renda e conscientização da população em relação à gestão — elenca a especialista.
Enquanto os recicladores que atuam nas associações são respeitados pela comunidade, os que atuam na informalidade não seriam bem vistos:
— Os que estão na rua e trabalham na coleta informal são vistos com mais negatividade porque alguns deles espalham os resíduos ou pegam somente aquele resíduo que tem valor comercial, não deixando outros resíduos para as cooperativas que são legalizadas. Tem os dois lados, mas tanto as reciclagens quanto os catadores atuam em uma atividade que reduz os impactos ambientais.
Número de recicladores
No Brasil, existem 281 mil catadores informais, segundo dados estatísticos divulgados em 2021 pela organização Wiego. Em Caxias do Sul, não há um levantamento específico do número de catadores que tiram o sustento do lixo. Mesmo sem um dado, ao passar pelas ruas do Centro é visível o aumento de pessoas em situação de rua, e de muitos que sobrevivem do material retirados dos contêineres.
Rafael Canela Zucco, diretor de Gestão de Benefícios Assistenciais e Transferência de Renda, da Fundação de Assistência Social (FAS), afirma que não há um acompanhamento de grupos, por isso não é possível levantar quantos catadores recorrem aos serviços municipais e aos programas assistenciais. Ele explica que 35.522 famílias estavam inscritas no Cadastro Único em março de 2023. Destas, 1.017 famílias estão inscritas como catadores de material reciclável, e 777 recebem o benefício do Bolsa Família.
— Essas são identificadas dentro da base do CadUnico, mas podem ter famílias não identificadas e também não inscritas. Essas pessoas podem ser da reciclagem ou aquele que tem o seu carrinho e faz a coleta na rua. Não temos o dado separado — destaca.