Além da presença aparentemente maior de catadores de materiais seletivos e da atuação de reciclagens informais, um novo cenário chama atenção em Caxias do Sul: o baixo valor pago pelo quilo do material reciclável, tema da quarta reportagem da série especial sobre como a cidade lida com os resíduos que produz. Com os preços em queda, as associações de reciclagem conveniadas encontram dificuldades para manter a fonte de renda. Os trabalhadores dependem da venda desse material para empresas especializadas. Por outro lado, preços menos atrativos significam mais material reciclável indo para o aterro ou os lixões clandestinos.
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A presidente do Movimento Catador Legal e da associação de Recicladores Girassol, Tatiane Champe Correa, explica que no auge da pandemia, a falta de matérias-primas elevou o preço pago pelos recicláveis. Depois, conforme a atividade econômica e social foi voltando ao normal, o fluxo de material se estabilizou no mercado internacional, puxando para baixo o preço dos materiais.
—A PET estava R$ 3 e pouco, hoje está R$ 2,10 e está pra baixar mais e mais. Teve material que caiu muito. Ficou muito desvalorizado o reciclável. A gente conseguia fazer uma partilha melhor e hoje já não conseguimos. Está muito difícil, infelizmente daqui um tempo vamos trabalhar só pra comer. Isso é penoso pois temos crianças, roupas, aluguel e aí vamos trabalhar só pra comer.
Um dos fatores para essa baixa no preço é que o número de depósitos de reciclados teria crescido na medida que aumentou o desemprego nos meses mais críticos da pandemia. Além disso, ela aponta que a Codeca perdeu contratos e, assim, as associações deixaram de receber material de mais qualidade de empresas. Com a chegada do inverno, a quantidade dos resíduos que vão para as associações deve diminuir porque haveria muitos catadores na rua.
A presidente da Associação Santa Rita de Recicladores, do bairro Planalto, Eliana Paim Borges, que é vice-presidente do Movimento Catador Legal, afirma que não são os catadores de carrocinha que preocupam as associações, mas sim, aqueles que passam de caminhão antes da Codeca e retiram o material dos contêineres:
— As reciclagens já enfrentaram muitos problemas por falta de material, hoje até não falta tanto, porque a Codeca se restabeleceu um pouco, arrumou os caminhões e tem entrado mais material, mas não o bom, o filé como eles dizem, que são o PET, as latinhas de alumínio. Esse material é retirado por catadores e colocado em caminhões de associações não conveniadas.
Associações cobram ações do poder público
Para se ter uma ideia, em 2022, de acordo com os valores praticados pelos principais compradores do Brasil, o preço pago pelo quilo da latinha caiu, em média 41% - passando de R$ 8,50 para R$ 5. Já os preços do plástico e do papelão despencaram, respectivamente, 80% e 75%. A situação é preocupante, já que a reciclagem, além da função social, é uma das principais maneiras de preservar o meio ambiente. Se o preço dos materiais recicláveis continuar a cair, isso pode prejudicar seriamente a cadeia da reciclagem. O presidente da Associação de Recicladores Serrano Daniel Rodrigues do Prado, destaca que as associações enfrentam uma séria crise financeira.
— Quem compra o material das associações não está tendo saída. As empresas estão lotadas e têm material estocado porque não tem aumento nos preços. Então, eles deixam de comprar. Nem na pandemia a gente passou por uma situação assim. Da metade do ano passado para cá, a gente tá conseguindo com muito esforço se manter. A gente tá sentindo na pele, com atraso nas contas. O poder público podia se mobilizar e podiam isentar água e luz, pelo menos, nesse momento que é da economia, e eu falo nacionalmente. A gente só não parou porque sabemos que se parar é pior.
Na União dos Catadores do Reolon, os recicladores viram os ganhos baixarem de R$ 1 a 2 mil por mês para R$ 700.
— Nós estamos sobrevivendo, e é muito sofrimento para ganhar tão pouco. A gente não desiste, ainda temos esperança que melhore e que o poder público ajude a gente em alguma coisa — lamenta o presidente Sebastião Daniel Pimentel Fioravante.
Tatiana e Eliana do Movimento Catador Legal também cobram melhorias no convênio com o município e lamentam a baixa do preços, que compromete o dia a dia dos recicladores:
— Tem que melhorar a qualidade do material, o valor pago pelo material, e precisamos de apoio do município nos convênios, mas é tanta burocracia e não avança. Hoje, você vai no mercado e com uma ou duas sacolas gasta R$ 100 e, às vezes, ganha R$ 500 por mês. Está muito complicado — desabafam as duas.
Matéria-prima vai parar no aterro
Em outubro de 2021, a reportagem esteve no Aterro Rincão das Flores para mostrar como a população separava o lixo. Ao retornar em maio deste ano, constatou que a situação em relação ao descarte incorreto segue a mesma. De longe, o que chama atenção é o colorido das garrafas PET e latas de cerveja e refrigerante em meio aos resíduos orgânicos.
— A gente observa essas pilhas de lixo e vê um percentual enorme de plástico e de resíduos que não deviam estar aqui. Parte da população precisa se conscientizar porque o poder público trabalha a questão da educação ambiental e mesmo assim se vê esse cenário _ ressalta ao secretário do Meio Ambiente, João Uez.
O secretário se refere ao material reciclável que poderia ser reaproveitado, gerando emprego e renda, e ainda ajudando na preservação ambiental.
— Isso é preocupante e o cenário é triste. Por isso, convidamos os presidentes de bairro e vamos fazer agendas com escolas e empresas para visitar e mostrar como funciona o aterro. A ideia é replicar como fazer a separação, essa necessidade de mudar o comportamento e retomar ações básicas ao separar o lixo. Temos que ter a conscientização das pessoas.
Cerca de 40% do gás gerado no aterro poderia ser reaproveitado
O secretário João Uez ressalta que o município busca alternativas para gerar economia, recursos e energia a partir do aterro para ser reproduzida no cenário municipal.
— É o nosso futuro e tem muito dinheiro depositado aqui. Estamos enterrando dinheiro. Temos 40% do gás que sai do aterro que pode ser reaproveitado. Se tivesse só lixo orgânico depositado, geraria muito mais. A gente busca experiências fora, e em Foz do Iguaçu, no Paraná, tem muitas usinas de gás voltadas aos aterros sanitários e que a energia volta para o município.