Na implantação do sistema de contêineres de lixo em 2007, a prefeitura de Caxias do Sul já projetava a expansão para várias partes da cidade. Mas, 16 anos depois, o projeto não avançou. Pior: lida com deficiências e falta de recursos para alcançar mais bairros. Surge então o questionamento sobre se esse ainda é o melhor modelo, uma vez que é comum encontrar resíduos transbordando nos equipamentos ou espalhados pelo entorno, na calçada e na rua. Além disso, a mistura de material orgânico com seletivo desvirtua as premissas do programa.
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A gestão do lixo e os reflexos dela no cotidiano da população têm sido debatidos entre lideranças de bairro e são tema de uma série de reportagens do Pioneiro. Há cerca de duas semanas, por exemplo, a União das Associações de Bairro (UAB) e os presidentes de comunidades estiveram no aterro Rincão das Flores e ficaram espantados com a grande quantidade de material reciclado que vai parar no local. São cenas que reforçam uma contradição. Hoje, a sujeira parece ser maior onde há o sistema de contêineres, tido como uma solução, e menor onde não há a coleta mecanizada, em que a disposição do lixo segue dias e horários definidos.
— Eu acredito que o contêiner ainda é a melhor solução, mas creio que falta manutenção e equipes nas ruas, não dá para atribuir essa conta somente à comunidade. As pessoas têm que colaborar é claro, mas precisa gestão — acredita Marco Antônio Azevedo Rizzi, 39 anos, morador do Exposição.
A opinião é compartilhada pela fisioterapeuta Fernanda dos Santos Fabris, 46.
— Tem que avaliar os pontos de colocação e posteriormente dar manutenção periódica aos contêineres. E, principalmente, dar retorno para a comunidade quando apresentamos uma demanda. Nós pagamos impostos e também pela coleta de lixo e não temos o retorno devido.
Ela exemplifica a dificuldade com as atividades que desenvolve. Fernanda solicitou, em fevereiro, a retirada do recipiente na Rua Marechal Floriano devido ao lixo acumulado e ao forte cheiro.
— Trabalhamos com crianças cadeirantes e os pais têm que desviar a cadeira de rodas para não passar sobre o lixo, e até o momento não tive resposta — reclama.
O representante comercial Claudio André Graunke, 53, também morador do Panazzolo, traz outros apontamentos.
— Acho a coleta de lixo nos contêineres muito importante e a forma ideal para Caxias do Sul, que evoluiu nesse sentido, chegando a ser exemplo para outras cidades. Pena que muitas vezes não seja usada de forma correta pela população, que não sabe separar lixo seletivo do orgânico. Sem contar a sujeira que fica nas calçadas deixada muitas vezes pelos catadores. Apesar de todos os problemas com a coleta mecanizada, pior seria não tê-los (contêineres), como em muitos bairros que ainda não têm, onde cada morador tem sua própria lixeira de ferro com tela.
São situações que levam o diretor de comunicação da UAB, Paulo Sausen, a ponderar que antes da ampliação do sistema é preciso uma política de resíduos sólidos que envolva também a população de forma mais participativa.
— A Codeca demora muito para coletar, e os recicladores independentes passam por lá, mexem e derrubam, e isso dobra o trabalho. Nos bairros têm a coleta regular e só colocam no dia e horário. O caminho é mobilizar a cidade numa educação ambiental mais propositiva e unificada.
Prefeito defende sistema
Em Caxias do Sul, o município tem avaliado alternativas, sendo que o prefeito Adiló Didomenico acredita que, apesar da necessidade de melhorias e de investimentos, a coleta mecanizada ainda é a melhor opção. O chefe do Executivo conhece bem o sistema, afinal era ele que estava à frente da implantação do modelo quando presidiu a Codeca. O sistema foi iniciado em 2007, e estendido para os demais bairros em 2012. Ele admite que a ampliação aconteceu sem que os investimentos necessários fossem feitos para manter os recipientes conservados ao longo dos anos.
O contêiner ainda é o melhor equipamento para manter a cidade organizada e limpa. Ampliamos sem ampliar a compra de veículos para fazer a coleta, então foi talvez o primeiro equívoco, que foi colocar o conjunto de 500 contêineres a mais, sem colocar nenhum caminhão a mais.
ADILÓ DIDOMENICO
Prefeito de Caxias do Sul
Adiló lembra ainda que nos últimos anos também não foram feitos investimentos na compra de caminhões. Para cada 500 contêineres verdes e amarelos, por exemplo, são necessários dois caminhões para coletar e um terceiro para lavar os equipamentos. Esses veículos foram se sucateando. Dos dois veículos utilizados na limpeza, somente um está operando.
— Porque o sistema estava redondinho, os caminhões eram novos, se entendeu que dava para se ampliar a área, porque era uma solicitação muito forte dos vizinhos de onde tinha contêiner, pela organização e pela limpeza... Foi um dos primeiros equívocos: ampliar a área de equipamentos sem o caminhão — diz Adiló.
O prefeito acredita que, com a organização financeira da Codeca, será possível investir na reforma e na aquisição de equipamentos. Ele também lista ações previstas para qualificar a limpeza da cidade. Nem todos os itens propostos têm datas definidas para sair do papel, alguns já estão em andamento e outros faltam detalhes sobre como serão executados. Confira:
- Instalação de um novo Ecoponto para desestimular descarte de móveis e outros materiais perto dos contêineres ou em lixões clandestinos.
- Discussão sobre a separação interna do lixo em prédios a partir de um determinado número de apartamentos. Assim, depois que os resíduos seletivos e orgânicos forem separados nos condomínios, a Codeca faria o recolhimento e assim não haveria tanto excesso em contêineres.
- Retomada da coleta de material que sobra das reciclagens informais sem custos para evitar o descarte irregular.
- Organização de uma equipe da Codeca para trabalhar nas ruas das 18h à meia noite, que é o momento de maior movimentação em restaurantes e bares e, consequentemente, quando ocorre o descarte de restos de comida e material reciclável.
- Reforma dos contêineres com a ajuda de uma empresa terceirizada.
- Retorno das operações Bota-Fora para recolher grandes volumes de resíduos nos bairros.
- Instalação de uma máquina para separar o lixo seletivo do orgânico na Central de Triagem antes de ir para o aterro, o que diminuiria a mistura no destino final do lixo. O processo teve entraves jurídicos, mas o prefeito acredita que terá novidades nos próximos dias.
- Promover a limpeza dos contêineres mais vezes por dia
- Fortalecer ações de educação ambiental.
Especialista também avalia que contêiner ainda é a melhor alternativa
Para a coordenadora do curso de Engenharia Ambiental e do curso de pós-graduação em Engenharia e Ciências Ambientais da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Renata Cornelli, o sistema adotado em Caxias ainda é considerado uma das melhores alternativas. Ela afirma que o processo melhora a limpeza urbana, já que os veículos são equipados com mecanismos de compactação, o que permite que um veículo carregue um maior volume de lixo, fazendo com que haja menos resíduos dispostos nas vias e nas áreas públicas.
Renata avalia que o sistema também é mais benéfico porque reduz o esforço físico e os riscos à saúde dos trabalhadores da coleta. Na cidade, o processo foi inovador na ocasião, mas Renata aponta que são necessários investimentos para conseguir manter um sistema tecnológico funcionando com eficiência:
— Como os valores cobrados para o gerenciamento de resíduos não são suficientes, faz com que se tenha defasagem ou até mesmo se veja uma ineficiência do sistema. A implementação bem-sucedida da coleta mecanizada requer planejamento adequado, investimento em equipamentos e infraestrutura, treinamento dos operadores e conscientização da comunidade sobre os benefícios e a necessidade de adotar esse método de coleta.
Por outro lado, a especialista reforça que a falta de conscientização da população em lidar com bens públicos e preservá-los, como é o caso dos contêineres com furtos, incêndios, depredação e excesso de resíduos, faz com que os gastos com a limpeza pública sejam ainda maiores.
— Temos que bater cada vez mais em educação ambiental para melhorar a quantidade de material que é separado nas cooperativas e reduzir a quantidade de resíduos que vão para o aterro.
Curitiba mantém coleta manual e aposta em fiscalização com educação ambiental
Em Curitiba (PR), metrópole com cerca de 1,9 milhão de habitantes, a coleta é de porta em porta, sem sistema mecanizado. É assim desde o final da década de 1980. Desta maneira, o município é considerado o mais limpo e sustentável da América Latina, segundo o ranking de Cidades Sustentáveis, e também 14ª cidade mais limpa do mundo. O levantamento foi publicado pela revista canadense Corporate Knights, que mede a performance da sustentabilidade ambiental de 50 cidades do mundo.
Em breve, haverá uma nova licitação para decidir a modalidade de coleta, e se depender da atual administração de Curitiba, a coleta seguirá manual. O material é recolhido por caminhões, compactado e transportado por dezenas de quilômetros até uma área ao sul de Curitiba, pesado e depositado no aterro. Na cidade não há contêineres de lixo. Cerca de 3 mil colaboradores trabalham na manutenção, conservação e limpeza pública da cidade. Em Caxias do Sul, 1.418 funcionários atuam na Codeca e, destes, 305 trabalham diretamente na coleta.
A capital paranaense recolhe, por dia, mais de 1,5 mil toneladas de lixo orgânico domiciliar e 67,51 toneladas de recicláveis, ou de lixo que não é lixo, como eles definem na cidade. São 83 caminhões para o recolhimento de resíduos domiciliares e 37 na operação da coleta seletiva, sendo que o serviço é terceirizado e as empresas contratadas são fiscalizadas pelo município.
O diretor do Departamento de Limpeza Pública da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Curitiba, Edélcio Marques dos Reis, ressalta que, com a coleta porta em porta, a comunidade respeita o horário e datas para a colocação do lixo para fora. Na área central, é mantido o recolhimento noturno todos os dias porque é onde há mais geração de lixo.
A comunidade sabe que não pode colocar o lixo para fora 24h por dia para coleta. Ela tem horários e respeita esse cronograma. Isso é diferente da coleta com contêineres, e por isso nós aqui em Curitiba temos resistência com esse sistema. Estamos trabalhado em um novo edital de licitação e defendemos a coleta porta a porta.
EDÉLCIO MARQUES DOS REIS
Diretor do Departamento de Limpeza Pública da Secretaria Municipal do Meio Ambiente
A ideia é seguir com esse sistema, pois Reis entende que a partir do momento em que se coloca um recipiente (como contêiner), a percepção da população muda e pode interferir na limpeza da cidade. Ele ressalta que os moradores poderão se acostumar a levar o lixo o tempo todo, e com o contêiner na rua, irá aumentar a presença de catadores.
— O contêiner fica exposto 24 horas por dia e isso diz à comunidade: "estou aqui disponível". E os moradores não vão segurar esse lixo em casa. Na nossa opinião, Curitiba não adotará esse modelo. Tenho certeza que se tivéssemos contêineres espalhados pela cidade, não teríamos o título de cidade mais limpa e sustentável da América Latina — defende o diretor.
Em Flores da Cunha há 1,2 mil contêineres para garantir limpeza urbana
Embora com realidades diferentes de Caxias, Flores da Cunha e Bento Gonçalves são municípios que apostam em contêineres e coleta mecanizada. Em Flores, os equipamentos foram instalados em 2009 e são mantidos em áreas demarcadas em toda a área urbana. Para efeitos de comparação, são mais de 1,2 mil contêineres para atender uma população de 22 mil pessoas (prévia do último censo do IBGE), enquanto em Caxias opera com 1,6 mil unidades para 503 mil habitantes (prévia do Censo). O lixo orgânico é transportado de Flores da Cunha para um aterro em São Leopoldo:
— A comunidade ajuda a cuidar da limpeza e sempre informa quando eles precisam de reparos. Nem sempre é uma tarefa fácil, mas a conscientização é muito importante porque quando a população entende que a rua é de todos, é uma extensão da nossa casa, os problemas, principalmente, no entorno dos contêineres são mínimos — afirma a secretária de Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente, Rosiane Machado Pradella.
Em Bento Gonçalves, a coleta mecanizada foi implantada em 2020, e no momento passa por ampliação, com a instalação de novos equipamentos. São 650 contêineres em bairros da região central e nas principais vias da cidade.
— Acreditamos que temos os problemas comuns às demais cidades da região: temos contêineres que são movidos a pedido de vizinhos, temos vândalos e pichadores que miram os contêineres, temos pessoas que buscam resíduos de metais, plástico e papelão para venda e os que estão em busca de restos de comida — aponta o secretário municipal do Meio Ambiente, Osmar Bottega.
Hoje, a estrutura de coleta em Bento conta com 24 caminhões, incluindo os veículos compactadores, coletores automáticos, caminhão de lavagem de contêiner, retroescavadeira, carretas, caixas coletoras e os 650 contêineres. Os investimentos anuais em coleta de resíduos ficam na ordem de R$ 14,5 milhões. Já em Flores, são aplicados cerca de R$ 5 milhões por ano. Os números referentes aos custos com a coleta em Caxias do Sul não foram repassados pela Codeca.