Não é apenas a separação do lixo que retrocede em Caxias do Sul. A qualidade dos resíduos seletivos também piorou. Isso é o que apontam as associações de recicladores que tiram da coleta o sustento das famílias e também ajudam a cuidar do meio ambiente. Se por um lado o aterro Rincão das Flores acumula materiais que poderiam gerar renda, mas são desperdiçados, a terceira reportagem da série sobre o lixo mostra os reflexos enfrentados pelos recicladores conveniados ao município, que ainda precisam lidar com a concorrência de catadores informais. São 12 associações na cidade.
— Chegam nas reciclagens papel higiênico, casca de fruta, restos de árvores, tijolo, pedra e até bicho morto. A quantidade de material que recebemos diminui a cada dia. Às vezes ficamos de dois até três dias sem trabalhar. Estamos em seis porque se colocarmos mais pessoas não temos como trabalhar — conta o presidente da Associação de Recicladores Novo Amanhã, Isael Lazarotto, que aponta para o espaço onde fica o material, que antes estaria empilhando até o teto, cena que raramente se repete hoje em dia.
As coletas da noite e madrugada dos contêineres, principalmente da área central, são as que têm os resíduos menos aproveitáveis. Cerca de 20% do material coletado é aproveitado e em média 80% são destinados ao aterro por ser orgânico ou estar contaminado pelo descarte incorreto.
— O seletivo da noite e madrugada tem piorado a cada dia. O seu Adiló (prefeito) nos prometeu que ia colocar uma máquina na central de resíduos para tirar o seletivo de lá e esse material viria para as associações. Temos recebido seletivo segunda e terça para trabalhar quarta, quinta e sexta — aponta Tatiane Champe Correa, presidente da Associação de Recicladores Girassol.
Daniel Rodrigues do Prado, presidente da Associação de Recicladores Serrano, também avalia que a qualidade do material que chega decaiu, o que prejudica o faturamento:
— Se a gente ficasse só com as cargas que a Codeca manda seguindo o cronograma, só as do dia, da coleta manual faltaria material. Como temos estrutura, conseguimos trabalhar com esse material da madrugada que é o mais difícil. Não falta material, mas a produção baixou bastante, justamente, em função da má separação do seletivo e do orgânico. A qualidade interfere na partilha no final do mês. Vem tudo o que não é reciclado, o que não é seletivo no meio desse material.
Ajuda de empresas pode mudar a realidade nas reciclagens
Uma alternativa avaliada pelas associações para driblar a falta de materiais recicláveis é que o município tente fechar uma parceria com as empresas de Caxias:
— As grandes empresas vendem esses materiais seletivos para fazer churrasco e ações para os funcionários, mas eles já tem o salário base deles e a gente não. Quanto mais produzimos melhor a nossa partilha, em vez de tirar R$ 600 a R$ 700 conseguiríamos tirar mais do que isso. Eles podem ajudar até com EPIs usados porque precisamos de máscaras, óculos. Os óleos hidráulicos são muito caros. Com o que puderem ajudar, faz a diferença — acredita Tatiane Champe Correa, presidente da Associação de Recicladores Girassol.
A ideia é compartilhada por Prado:
— Tem que ter uma maneira de formar parcerias. Tem muita indústria que pode direcionar esse material reciclado para nós. Quantas toneladas não geraria aí para auxiliar as associações? — questiona ele.
Ele também defende que sejam ampliados os programas de educação ambiental nas escolas e que o poder público crie mecanismos para que as cargas não sejam desperdiçadas.
— Muitas vezes, as associações não têm espaço para armazenar o material e cancelam as cargas, mas se outra associação não receber esse resíduo, vai para o aterro e isso também prejudica o processo de reciclagem.
Aumento do número de catadores
O número de catadores, que aumentou durante a pandemia, também reflete no faturamento das associações:
— Os catadores pegam os recicláveis e aí sobra pouco material. Sabemos que eles também precisam, mas tem afetado demais as reciclagens — lamenta o presidente da Associação de Recicladores Novo Amanhã, Isael Lazarotto
A presidente da Girassol Tatiane Champe Correa concorda:
— Os catadores têm chegado antes da coleta seletiva, e retiram o que tem mais valor de mercado, não estou dizendo que eles não têm que trabalhar, todos têm, mas precisamos aumentar o material que chega até nós — aponta.
Prado, da Serrano, finaliza:
— Não tem um meio de proibir os catadores, e entendemos que é uma necessidade para ele ter renda dele, mas chegamos no limite porque não tem muitos recursos, e estamos caminhando com as nossas próprias pernas.
O que diz a FAS
Não há um levantamento do número de catadores no município, mas a presidente da Fundação de Assistência Social (FAS), Katiane Bosquetti da Silveira, aponta que há hoje 28.057 famílias inscritas no Cadastro Único.
— Os dados mostram um aumento de pessoas em vulnerabilidade social, e inclusive, muitas em vulnerabilidade temporária, que são aquelas que nunca utilizaram a assistência social e passam a utilizar. Os números demostram também esse aumento de pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza e que acabam também trabalhando com reciclagem.
Ela explica que a FAS tem cadastrado essas pessoas para que tenham acesso a rede:
— Algumas pessoas das associações recebem cestas básicas, mas queremos que elas estejam cadastradas nos serviços para poder olhar a família como um todo. Estamos num momento de cadastrar quem trabalha nas reciclagens nos nossos Centro de Referência de Assistência Social (Cras) — ressalta ela.