Quem viveu o auge dos cinemas de rua de Caxias, entre os anos 1940 e 1970, lembra bem da situação caótica das salas de exibição nos anos 1980 e 1990. Foi quando os espaços, visivelmente afetados pela crise da indústria cinematográfica, pela chegada das videolocadoras e pela debandada de público, começaram a ser readequados para abrigar outros inquilinos.
Se o Real fechou as portas em 1984 para abrigar as Lojas Brasileiras, o Guarany seguiu pelo mesmo caminho um ano depois – recebendo a ampliação do“ vizinho” Banrisul. E, ironicamente, exibindo na época um dos tantos filmes da série que costumava entupir a casa: Os Trapalhões no Reino da Fantasia (fotos acima e abaixo).
As últimas exibições do Cine Guarany ocorreram entre o final de julho e o início de agosto de 1985 – não localizamos a data exata, tampouco a derradeira película. A informação do fechamento, porém, rendeu uma série de reportagens mesclando nostalgia, custos, manutenção, aluguel e prejuízos enfrentados pela direção.
Matéria do Jornal de Caxias de 19 de agosto de 1985 destacava: “ Após 50 anos, Cine Guarany está fechando”. E dava voz, logicamente, a um de seus fundadores, o gerente Dirceu Maggi, então com 72 anos:
“Olha, a perda cultural para a cidade vai ser muito grande, mas é a realidade do cinema, que está agonizando. Sempre foi um bom negócio, até aparecer a TV e a industrialização das companhias cinematográficas. O cinema sempre primou por uma programação condigna, mas depois da locação da Wermar, que detém mais de 130 cinemas entre os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a programação foi muito prejudicada”.
A opinião de Maggi era acompanhada de uma análise do jornalista e então crítico de cinema do jornal Pioneiro, Renato Henrichs, que resumiu o fechamento do cinema em uma frase:
“Os exibidores caxienses não se adequaram aos novos tempos, e o cinema foi apenas motivo de um negócio, não um produto cultural”.
Para Henrichs, Caxias fazia exatamente o contrário dos grandes centros urbanos. O jornalista referia-se à falta de preocupação com as salas de exibição, com um maior conforto para os usuários, uma melhor capacitação sonora e aparelhos compatíveis com a realidade.
“Não existem mais incentivos para a sétima arte. A única coisa que está acontecendo é a simples aplicação de fotos em frente ao cinema do filme em cartaz. E basta. Até a programação publicada em jornal é mudada sem maiores explicações, de repente, de um dia para o outro, pelos exibidores, deixando o público desinformado”.
Lembranças de Dirceu Maggi
Tanto Dirceu Maggi quanto Renato Henrichs atribuíam a situação capenga dos cinemas caxienses da época ao monopólio de programadores de Porto Alegre, que“ estão subestimando o público de nossa cidade”.
Para Maggi, uma das causas desse quadro de dificuldades foi também o aluguel baixo, o que motivou a família Bonalume, proprietária do prédio, a optar por outro tipo de locação.
“Os proprietários já demonstraram que deverão locar o prédio para outro negócio, menos outro cinema, partindo assim para o comércio. Somos obrigados a esquecer a tradição que o Cine Guarany tem hoje e partir para outro ramo”, resignou- se Maggi, imaginando uma cena com o cinema já transformado em agência bancária:
“Quem sabe, quando ingressar nas dependências do atual Cine Guarany, o público vai lembrar, fitando alguma caixa do banco, das atuações de uma Marilyn Monroe”.
A saber: após sediar por anos as novas instalações da agência central do Banrisul, o prédio do Cine Guarany foi destino de diversos comércios e redes de varejo. Hoje, é ocupado pela Deltasul. Sua fachada, porém, é inesquecível, tal como vemos nas fotos desta página – do auge ao declínio.
Pornôs e locadoras
Segundo a reportagem de 1985, os motivos para o afastamento do público e o fechamento de cinemas como o Real, o Guarany e, em 1990, o Cine Central incluíam desde as fitas pornôs até a concorrência da televisão e do videocassete.
“Além desses aspectos, cabe salientar que a adequação aos novos tempos inclui outros meios, como o próprio videocassete, a TV, os videoclubes ( locadoras) e, mais ainda, os próprios problemas urbanos, segurança, estacionamento, má qualidade de programação de fitas, projeção defeituosa, desconforto das casas exibidoras e som péssimo”. | Nas imagens abaixo, a matéria original de 1985.
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