A internet não perdoa, mesmo em tempo de uma ameaça mundial. Nela, circulam memes sobre a comilança do isolamento e também da limitação de movimentação – vide a piadinha sobre fato de o deslocamento diário se resumir a uma caminhada da sala para o quarto, com algumas passagens pela cozinha.
Brincadeiras à parte, as restrições impostas pelo coronavírus trazem preocupações que vão além da doença. O sedentarismo é uma delas. Entidades médicas e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) defendem a prática semanal de 150 minutos de exercícios. Os benefícios da atividade regular vão desde redução da taxa de mortalidade até a diminuição no risco de desenvolver problemas cardiovasculares e metabólicos. Mas como manter o corpo ativo e fugir do sedentarismo com tantas restrições?
As soluções existem, porém, dependem da boa vontade e dedicação de cada indivíduo. O médico Mário Wiehe, professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul (PUCRS), reforça que idosos e pessoas com comorbidades, neste momento, devem evitar sair de casa.
— Eles não devem combater o sedentarismo fora de suas residências. Esse é um ponto crucial. O isolamento para o grupo de risco deve ser seguido de forma rigorosa. Para isso, podem fazer exercícios dentro das suas casas ou no pátio do edifício — diz.
A indicação é para caminhadas ou exercícios leves dentro dos apartamentos, preferencialmente seguindo as orientações de um profissional já conhecido.
— Tem de ter a conscientização de que não são férias. Precisamos manter a atividade profissional remotamente e as atividades físicas dentro do possível. Em seu contexto adaptado é preciso fazer algum tipo de exercício de forma disciplinada. Então, cresce a importância do profissional de educação física ou fisioterapeuta, em alguns casos — defende o médico, que também é presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio Grande do Sul (Socergs).
Como fazer?
O treinador Gabriel Hoerlle, da GH Centro de Treinamento, tem enviado treinos aos seus alunos através do WhatsApp. Pelo aplicativo, ele também orienta que a turma crie uma rotina, mesmo dentro de casa a fim de fugir das armadilhas da preguiça:
— A parada total é ruim tanto para quem era atleta ou mantinha uma rotina de atividades quanto para quem não fazia nada, pois antes essa pessoa saía para trabalhar e agora não. É o que eu chamo da lei do ocioso: quanto mais tu ficas sem fazer nada, mais vontade de não fazer nada tu tens. Peço para que os alunos mantenham uma rotina: acordar hora tal, almoçar em horário X e, também, que estabeleçam um momento para treinar. Se não estipular uma hora para isso, a pessoa não vai treinar.
Prática deve ser diária
E para não ceder aos encantos do sofá não precisa muito. O professor de educação física recomenda itens básicos para fazer sua academia caseira. São eles: cabo de vassoura, mochila, sacolas de supermercado com mantimentos e cadeira.
Embora a individualização seja fundamental, o treinador recomenda que a prática seja feita diariamente, com duração de 30 a 40 minutos, e sem necessidade de alta intensidade.
— Se a pessoa não quiser fazer todos os dias, que faça de três a quatro vezes. O exercício melhora o humor, o sono. A pessoa vai se sentir melhor após a atividade — afirma.
O importante, diz Hoerlle, é buscar profissionais habilitados e capacitados. Prefira aqueles que já o conhecem para prescrever treinos individualizados e fuja das dicas de blogueiros ou dos treinamentos genéricos. Outro conselho do profissional é começar com moderação para não se machucar ou ficar dolorido a ponto de se afastar das atividades por muito tempo.
Nove exercícios
O professor Gabriel Hoerlle dá dicas de atividades adaptadas:
Afundo – Em pé, dê um passo à frente com uma das pernas. Flexione o joelho da frente e desça. O joelho de trás deve descer em direção ao chão.
Agachamento – Deixe uma cadeira à disposição. Posicione-se em frente a ela, com as pernas abertas a uma distância um pouco maior do que a largura do quadril. Sente-se estendendo os braços para frente. Cuide para não deixar que os joelhos façam uma rotação para dentro.
Agachamento búlgaro – Segue uma ideia semelhante ao afundo, no entanto, a perna de trás fica com o peito apoiado na cadeira. Desça lentamente sem deixar o joelho dianteiro ultrapassar a linha do pé.
Agachamento sumô – Providencie duas sacolas com alimentos para servir de peso. Coloque-as em um cabo de vassoura. Para fazer o exercício, abra bem as pernas com as pontas dos pés voltadas para fora. Segure o cabo de vassoura com as sacolas em frente ao corpo. Desça como se fosse sentar, projetando os glúteos para trás. Retorne à posição inicial.
Apoio – Apoie braços e pés no chão. Os braços devem estar na largura dos ombros. Flexione os braços e desça em direção ao chão. Para iniciantes, pode-se apoiar os joelhos no chão.
Desenvolvimento – Sentado, pegue uma sacola em cada mão. Levante os braços na altura dos ombros, fazendo um ângulo de 90°. Estenda os braços e retorne à posição inicial.
Remada curvada – Coloque uma mochila com algum peso dentro em um cabo de vassoura. Em pé, abra as pernas, flexione levemente os joelhos e projete os glúteos para trás, mantendo as costas retas. Segure o “peso” em frente ao corpo e traga ele em direção ao tronco, flexionando os braços.
Remada curvada supinada – Faça o mesmo processo anterior, dessa vez, com as palmas das mãos voltadas para cima.
Rosca direta – Usando cabo de vassoura e sacolas, flexione os cotovelos puxando o peso em direção ao peito.
Orientações básicas
- Faça os exercícios com oito a 15 repetições. Nos exercícios unilaterais, faça o mesmo número de repetições para cada lado.
- Execute os movimentos no seu ritmo.
- Quando começar a sentir dificuldade, o melhor é parar.
- Respeite o seu limite.
Atenção à respiração
Ansiedade e estresse são alguns dos efeitos do isolamento social pelo qual passamos nesse momento. Além das atividades de força e aeróbicas, outro exercício é aliado nesse período: o pilates. Trabalhando bastante a respiração, ele atua auxiliar no alívio às tensões provocadas pelas horas a fio sentados em uma cadeira.
— São exercícios de mobilidade que a gente faz para distensionar a musculatura. As pessoas ficam muito tempo sentadas, ou com o celular, com os ombros para frente. São exercícios de respiração, equilíbrio — explica a professora de educação física Roberta Ortega.
Antes das aulas da modalidade, os alunos são convidados a fazerem uma pausa para focar exclusivamente na entrada e saída do ar dos pulmões.
— Só o ato de fazer isso vai diminuir a frequência cardíaca. Quando estão ansiosas, as pessoas têm níveis de frequência alterados. Fazendo isso, ameniza a ansiedade e, consequentemente, o estresse também. Pode-se fazer quando e onde quiser: sentado, deitado. Importante é perceber o movimento do tórax, sentir que ele está abrindo e fechando como se fosse uma sanfona.
Como fazer
Posicione os quatro dedos das mãos na frente das costelas e os polegares para trás. Inspire pelo nariz em quatro tempos e solte o ar pela boca em seis tempos. A ideia de colocar as mãos sobre as costelas é justamente para sentir que elas se expandem ao inspirar e se “encolhem” ao expirar.
Quando o isolamento acabar
Ainda que não seja possível precisar uma data para o fim da limitação de circulação, a retomada das atividades físicas, quando for possível, deve ser feita com cautela. O médico Mário Wiehe indica que todos deem um passo para trás nas cargas e metas antes de avançar novamente:
— Não queira, em uma semana, perder cinco quilos ou voltar a correr 10 quilômetros. É preciso ter humildade e bom senso. Nesse sentido, é muito importante a orientação dos profissionais de educação física.
O educador físico Gabriel Hoerlle sugere que o retorno seja focado naquelas atividades que mais dão prazer:
— Não precisa ser atleta. Mas fazer alguma atividade que tenha prazer. Gosta de tênis? Vá jogar. Gosta de futebol? Jogue. Quer um treino diferente? Peça ao seu professor na academia.