Não há uma fórmula mágica aplicável a todos, quando o objetivo é mais saúde e bem-estar. Mas há uma conduta que pode ter, sim, resultados surpreendentes: o equilíbrio. E aí vale combinar conhecimentos modernos e milenares para juntos servirem de balizadores dessa jornada pessoal e única. Lançamento da editora Rocco, o livro Longevidade: nutrição e ayurveda para um envelhecer ativo reúne o conhecimento e a prática da terapeuta Laura Pires, que desde 2005 mergulha nessa busca.
Foi nessa época que, a partir de uma viagem para a Índia, ela passou a ter certeza de que, por trás do tão desejado e recomendado equilíbrio, está uma forma holística de ver a vida, observando a relação entre corpo, sentidos, mente e alma com a alimentação, emoções e o mundo ao redor. Nessa direção, segundo ela, a sabedoria da ayurveda, uma filosofia de vida milenar, tem muito a ensinar.
— Ayurveda traz ferramentas que podem ajudar a não criarmos tantos obstáculos à nossa saúde física e mental. Também auxilia no combate às doenças curáveis e ajuda a manejar e lidar com as incuráveis — garante Laura, que é formada em nutrição e gerontologia. Ela continua:
— A longevidade é um dos principais objetivos desta ciência: para que possamos seguir e realizar nosso propósito, uma vida longa, um corpo e mente saudáveis nos favorecem e auxiliam neste processo. Ayurveda entende e reconhece cada etapa da vida. A velhice é mais uma, e ayurveda tem orientações e cuidados para ela, com suas nuances e particularidades.
Não há milagre para o envelhecer ativo, explica a profissional, acrescentando que jamais se poderá excluir o combo conhecido há tanto tempo por todos: sono de qualidade, alimentação variada, priorizando produtos in natura em vez dos processados, atividade física regular e convívio social em dia com quem se gosta.
Entrevista
Laura Pires é nutricionista, pós-graduanda em Gerontologia pelo Instituto Albert Einstein e terapeuta e professora de Ayurveda com aprofundamento em Saúde da Mulher, Nutrição e Culinária Ayurvédica pela International Academy of Ayurveda, na Índia.
Você é especialista em ayurveda, mas também buscou formação em nutrição moderna e gerontologia. Como essas três áreas se combinam?
Esse é o segredo da busca para ter mais saúde. Somos seres holísticos, estamos integrados com tudo na natureza. E isso não é papo esotérico, é a realidade física. Integrar os saberes ancestrais e modernos nos permite ter estratégias adequadas para cada caso. Somos seres complexos e não há uma fórmula mágica para todos. Uma abordagem ampla traz a flexibilidade que a vida precisa. Nenhum desses saberes se anula ou tem conhecimentos antagônicos. Na verdade, todos eles se complementam, tanto de forma preventiva quanto curativa.
A ayurveda tem milhares de anos. O que a faz atravessar os tempos e se manter atual?
A maior parte das questões de saúde que debilitam e afligem os seres humanos é basicamente a mesma. Ao longo dos tempos, fomos só somando, criando e ficando expostos a mais obstáculos e ao mesmo tempo encontrando outras soluções, oportunidades e possibilidades. Cada vez mais, é preciso simplicidade para preservar a vida e a saúde. Mas simples não significa que é fácil, pois vivemos numa sociedade que busca cuidar da saúde somente quando a doença já chegou, que normalizou a prisão de ventre, achando que tomar laxante é resolver a situação. Ayurveda fortalece um verdadeiro clichê: prevenir é o melhor remédio, afinal, é mais fácil e simples de manejar, os cuidados em atenção básica são menos onerosos e não requerem tanta complexidade. Mas ressalto que, embora existam textos com o conhecimento ayurveda que datam mais de 3 mil anos, essa ciência não está só baseada neles. São diversos estudos, análises, práticas que acontecem até hoje na Índia. Há universidades espalhadas pelo país, centros de pesquisa, entendendo e reconhecendo a união de saberes da ciência moderna com os ensinamentos ancestrais.
O que pesa mais para ter uma vida com qualidade, principalmente, a partir dos 50 anos: alimentação, nossa forma de lidar com as emoções ou o contexto em que estamos inseridas?
Tudo tem um peso, mas o estresse demasiado é um fator de risco importante para a debilidade física e mental, por isso exige práticas e cuidados diários. Meditação e atividade física regular não podem ficar de fora. E não precisa meditar uma hora por dia sentado em uma cadeira ou no chão. Pode ser uma meditação ativa, com sons, ou observar a nossa respiração, caminhar de forma consciente passo a passo, tocar um instrumento musical, orar. Meditar é fazer as atividades de forma concentrada e presente, principalmente aquelas que nos desconectam do celular, das redes sociais, da televisão e nos conectam com nossa essência, com a natureza, com a nossa respiração, com o compasso da música, com o nosso mundo interno. A atividade física regular é importante para o corpo, mas tem algo muito importante que é resultado dela: o impacto na nossa mente, na nossa cognição. Diversos estudos modernos mostram o reflexo positivo da atividade física na prevenção de doenças que acometem o cérebro, um órgão que " sente" bastante os efeitos do processo de envelhecimento.
Um bom hábito leva a outro. De forma consciente, paciente e amorosa.
LAURA PIRES
terapeuta
As práticas ayurvédicas parecem ir na contramão da rotina corrida e multitarefas da maioria das pessoas. São vistas, muitas vezes, como radicais, por contrariar a “normalidade” ocidental. Como você vê isso?
Mas é exatamente pelo estilo de vida, multitarefas, de desconexão com a própria vida, realidade, respiração, pelo descuido com a alimentação, pelas noites de sono mal-dormidas, por uma alimentação baseada em ultraprocessados, pela inatividade física, pelo tabagismo, que aumentam a chances de adoecimento. É isso que torna a vida efetivamente radical. A crença de que ter dores no corpo e tomar diversos remédios é natural da idade, no meu ponto de vista, está equivocada. O que ayurveda propõe é exatamente o contrário: diminuir os fatores de risco que comprometem a nossa saúde física e mental, observar essas escolhas e fazer as mudanças necessárias, pouco a pouco, para que possamos restabelecer nossa saúde ou preservá-la. É preciso observar de forma amorosa o momento que nos encontramos e tentar achar brechas para que possamos mudar e melhorar. Isso não significa abandonar o churrasco ou uma taça de vinho. Significa reconhecer os excessos e começar mudanças positivas para nossa vida.
As pessoas que buscam o seu conhecimento como terapeuta relatam dificuldade de adoção dos cuidados ayurvédicos?
No início, a disciplina é importante, mas o conhecimento e a observação sobre como esses hábitos, alimentos, isolamento social e inatividade física nos debilitam pode nos ajudar a criar força e determinação para começar mudanças reais e efetivas. Sem desespero e sem excessos, sem punição. O importante é que se comece aos poucos. Se nunca se exercitou, passe a se exercitar duas vezes por semana. Se come carne de forma demasiada e sente peso, dores abdominais, escolha um dia na semana e não consuma produtos de origem animal. Se não consome verduras, como espinafre, couve, bertalha, agrião, folha de beterraba, escolha duas refeições na semana e insira alguma delas. Um bom hábito leva a outro. De forma consciente, paciente e amorosa.
Quais seriam as lições ou focos mais importantes da ayurveda para quem deseja envelhecer com qualidade de vida e de forma ativa?
Não tem como dar fórmulas prontas, pois depende da realidade de cada indivíduo, da sua cultura, seu acesso à educação, alimentação. A partir de uma análise individual, podemos melhorar a qualidade de vida e tornar inclusive a nossa velhice mais ativa e saudável. É exatamente sobre isso o livro Longevidade. Entender os indicadores, perceber a realidade que nos encontramos, que temos acesso para poder criar novas possibilidades e oportunidades, tanto individualmente como coletivamente. Mas sabemos que as doenças crônicas não transmissíveis são o principal fator de morte prematura. Portanto, eu diria que cuidados para evitar o surgimento de muitas delas, ou seu agravamento, é uma das principais orientações que podemos seguir para a vida. No livro eu mostro exatamente este ponto, e quais os fatores de risco modificáveis que podemos começar a mudar e melhorar a nossa qualidade de vida em todas as etapas.
Como e por que uma receita tem o potencial de nutrir corpo, mente e alma? Pode citar uma receita que é sua preferida no livro ou que faz muito sucesso?
As receitas são para nutrir o corpo e a mente, ou seja, não sobrecarregar nosso corpo, favorecer a nossa digestão, auxiliar na melhora digestiva e consequentemente favorecer a saúde do corpo, do cérebro e influenciar também nas nossas emoções. Acho que a seção de preparações terapêuticas é a mais importante, principalmente para uma realidade onde muitas pessoas sofrem de problemas digestivos. Além disso, falar de saúde mental e cerebral é falar de intestino e digestão, afinal, cerca de 90 % da serotonina, um neurotransmissor responsável pelo nosso humor, pelo nosso sono, é produzido no intestino. Se este órgão está inflamado, constipado ou "agredido" por medicação excessiva (principalmente a automedicação feita de forma inadequada) ou por alimentação inadequada, nossas emoções serão imediatamente afetadas. E nada mais importante que dar "pausas" para nosso corpo de tantos estímulos sensoriais: trocar as misturas e alimentos que fazem mal para nossa digestão por uma sopinha terapêutica e nutritiva, numa refeição do dia ou da semana.
LONGEVIDADE — Nutrição e Ayurveda para o envelhecer ativo
Autora: Laura Pires
Editora Rocco, 240 pgs
Preço: R$ 64,90