O ritmo dos repasses de recursos do governo federal ao Rio Grande do Sul no segundo mês de ações para apoiar a recuperação econômica do Estado diminuiu. Dos atuais cerca de R$ 18,8 bilhões que já foram repassados, aproximadamente R$ 15 bilhões já tinham sido destinados às ações até 10 de junho. Portanto, nos últimos 30 dias, o total de repasses efetivos ficou em R$ 3,8 bilhões. Mesmo com milhares de pessoas e empresas beneficiadas, há reclamações sobre dificuldades de acesso e demora na liberação.
Em razão da enchente que devastou o Rio Grande do Sul em maio, o governo federal passou a anunciar uma série de medidas para contribuir no socorro e na recuperação do Estado. O primeiro grande pacote de ações foi anunciado em 9 de maio, elencando 12 propostas, que somavam um total de aproximadamente R$ 50 bilhões em medidas. Desde então, conforme monitoramento do Painel da Reconstrução, o valor dos anúncios do governo federal chegou a cerca de R$ 92 bilhões, incluindo ações envolvendo novos recursos alocados (cerca de R$ 28 bilhões), linhas de crédito (cerca de R$ 48 bilhões) e antecipação de benefícios e prorrogação de tributos (cerca de R$ 16 bilhões).
— As medidas mais importantes da primeira fase foram as de apoio, resgate e salvamento. Foram cerca de 90 mil resgates em salvamento de pessoas, 15 mil em salvamento de animais, 40 mil homens entre civis e militares mobilizados. Essas ações foram decisivas para que o número de óbitos que chegaram a estimar da casa de milhares não tenham ocorrido. No caso da ajuda humanitária e do restabelecimento, o recurso vai muito rápido para a prefeitura, em até 48 horas. Para atividades de reconstrução, por exemplo, é diferente, a prefeitura tem que fazer um projeto, o projeto tem que ser aprovado, vai ter um processo de licitação, só depois vai contratar — afirma o ministro da Reconstrução, Paulo Pimenta.
Até o momento, entre as ações estabelecidas pelo governo federal pra apoiar financeiramente aos cidadãos diretamente atingidos pela enchente, foi criado o Auxílio Reconstrução, que já pagou cerca de R$ 1,3 bilhão a 255 mil famílias no Estado. O programa foi anunciado inicialmente em 15 de maio, prevendo pagar R$ 1,2 bilhão a 240 mil famílias, e teve o primeiro pagamento realizado no dia 30 daquele mês. Em 19 de junho os recursos disponíveis para a ação foram ampliados em R$ 689 milhões, prevendo beneficiar pelo menos 375 mil famílias com um total de R$ 1,9 bilhão. Os repasses continuaram ocorrendo, sendo o mais recente na última sexta-feira (5), que beneficiou mais 5.621 famílias com um valor de R$ 28,6 milhões.
Uma das beneficiárias do auxílio é Graziele Souza de Vargas, 31 anos, que recebeu a parcela única de R$ 5,1 mil na segunda quinzena de junho. Moradora do bairro Menino Deus, em Porto Alegre, ela teve a casa onde mora com os três filhos inundada pela enchente de maio.
— Na parte de baixo da casa a gente perdeu tudo, móveis, eletrodomésticos. Com o dinheiro do auxílio, além de pagar contas e comprar alimentos, comprei o básico para voltar a ter um pouco de dignidade, começando por remontar minha cozinha — afirma Graziele.
Para o economista Marcos Lélis, professor do Programa de Pós-Graduação de Gestão e Negócios da Unisinos, o pagamento do Auxílio Reconstrução, além de beneficiar a família que o recebe, contribui também para o reforço da economia local como um todo.
— Esses auxílios diretos têm um papel fundamental, gerando renda para famílias que estão em situação precária, atingidas diretamente pela enchente. E um segundo benefício que cumprem é o reforço das economias dessas localidades, pois geram aumento da capacidade de consumo dessas famílias, que acabam normalmente utilizando esses recursos nos comércios locais — argumenta.
Reforço no crédito
Para apoiar as empresas do Estado, além da suspensão do recolhimento de tributos, o governo federal destinou boa parte de seus esforços até o momento para a criação de linhas de crédito com condições especiais de contratação, incluindo três linhas que serão operadas via BNDES a partir desta quarta-feira (10) para empresas de todos os portes, somando até R$ 15 bilhões, e o estabelecimento do Pronampe Solidário, voltado a pequenas e micro empresas, que já soma pelo menos R$ 2,1 bilhões de créditos contratados nas últimas semanas.
Um dos negócios que já realizou contratação de crédito via Pronampe Solidário é o restaurante Mayô Gastronomia, localizado no Sava Iate Clube, na zona sul de Porto Alegre. Funcionando há três anos, o Mayô teve que ficar fechado por 35 dias entre maio e junho em razão da enchente, chegando a um prejuízo estimado de R$ 500 mil.
— Como a gente fica na beira do Guaíba, fomos bastante impactados. A água atingiu nossos espaços externos e internos, danificou mesas, cadeiras, paredes, parte elétrica, cozinha. Solicitamos o Pronampe Solidário em junho, o recurso foi liberado no final do mês, e já estamos usando para reformar os pisos, refazer a parte elétrica, comprar móveis e para ter mais capital de giro — afirma Guilherme Grassotti, um dos sócios do estabelecimento.
Para o vice-presidente de Integração da Federasul, Rafael Goelzer, o governo federal deveria ampliar a linha de crédito ligada ao Pronampe que oferece condições mais favoráveis de contratação aos interessados.
— O governo anunciou o número de R$ 30 bilhões em crédito ligado ao Pronampe, mas esse valor não é real, depende da contratação por parte das empresas para ser efetivado. Além disso, dessa projeção, apenas uma parte tinha condições realmente favoráveis aos empresários, com juros de só 4% ao ano, por exemplo, que deveria ter um maior alcance — ressalta.
O Pronampe Solidário RS prevê financiamento de até 72 meses com carência de até 24 meses, com limite de R$ 150 mil. O governo federal também fez um aporte de R$ 1 bilhão para concessão de desconto em juros de créditos garantidos pelo Pronampe, até o valor máximo de crédito concedido passível de desconto de R$ 2,5 bilhões, com taxa nominal de juro de 4% ao ano. Um novo aporte de R$ 1 bilhão no programa foi anunciado pelo ministro Pimenta na terça-feira (9).
Medidas para os trabalhadores
Para ampliar o volume de recursos disponíveis para trabalhadores que tiveram prejuízos com as enchentes, há medidas como o pagamento de parcelas extras do seguro-desemprego e a possibilidade de antecipação do saque calamidade do FGTS — que neste último mês passou de R$ 1,4 bilhão para R$ 2,8 bilhões em valores retirados.
Em 6 de junho, o governo anunciou outra medida visando evitar demissões: o pagamento de duas parcelas no valor de um salário mínimo, podendo alcançar até 434 mil trabalhadores gaúchos. O primeiro pagamento no âmbito do programa ocorreu nesta segunda-feira (8), beneficiando cerca de 80.319 mil trabalhadores e repassando valor total de R$ 113 milhões.
— Vai ser muito importante, é um gasto que se divide. Não temos intenção de demitir, mas com certeza, na situação que está, está bem complicado, então dá uma boa ajuda para manter. Seria bom até se fosse estendido pelo menos por mais alguns meses — avalia Jônia Koller, diretora financeira da Vinagres Prinz, de Lajeado — na segunda-feira, 47 funcionários da empresa receberam o benefício, somando R$ 66.364.
Para Rafael Goelzer, o pagamento de duas parcelas de salário mínimo é insuficiente — ele defende a retomada do Benefício Emergencial (BEm) utilizado durante a pandemia, que permitia a suspensão do contrato de trabalho de colaboradores e a diminuição da jornada laboral.
—Bastava reeditar uma medida provisória retomando esse programa, muito mais efetivo para a manutenção de empregos. As empresas gaúchas perderam sua capacidade produtiva, e essas duas parcelas de salário mínimo são completamente insuficientes para compensar essa perda — reforça.
— Considero uma medida importante porque essas duas parcelas vão ajudar a dar uma segurada na folha de pagamento das empresas. Mas o governo vai ter que ficar acompanhando esse processo de retomada e ver se essa ação será suficiente, ou se eventualmente precisará ser ampliada — complementa Lélis.
Entrega de moradias é prioridade para julho
Após a primeira etapa de medidas de socorro mais emergenciais, a prioridade do governo federal passa a ações de mais longo prazo, que demandam maior planejamento para execução. Entre elas, se destaca a compra de residências para as famílias das faixas 1 e 2 do Minha Casa Minha Vida que perderam suas casas durante a enchente, com o governo planejando entregar ainda em julho as primeiras 2 mil habitações, após promessa inicial de entrega em junho.
— Estamos em uma fase final para que as prefeituras concluam a identificação das casas que foram atingidas e que estão condenadas, bem como das áreas que foram completamente arrasadas e que não podem continuar sendo utilizadas como moradia. Já temos mais de 4,7 mil imóveis cadastrados no site que abrimos para compra assistida, e durante o mês de julho, faremos a entrega de mais de 2 mil moradias. A partir disso, queremos ter uma meta de pelo menos mil entregas de moradias por mês — projeta o ministro Pimenta.
Em 17 de junho, com a publicação da medida provisória nº 1.233/24, o governo federal destinou R$ 2,18 bilhões para integralização de cotas ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), com o objetivo de realizar a compra e a entrega das moradias. Além da entrega de uma nova casa para famílias das faixas 1 e 2 do programa, o governo também anunciou na última semana que irá subsidiar até R$ 40 mil da entrada de compras de novas residências para famílias da faixa 3 do programa que tiveram sua moradia comprometida pela enchente.