Marcada para esta terça-feira (10), a troca na presidência da Argentina espalha incertezas entre segmentos exportadores do Rio Grande do Sul. Empresários esperam ter clareza sobre o posicionamento que será adotado na área econômica pelo governo de Alberto Fernández, eleito em outubro. Divergências políticas entre o peronista e o presidente Jair Bolsonaro reforçam o tom de cautela no discurso de industriais gaúchos.
Fernández substitui Mauricio Macri em meio ao cenário de crise econômica, que se acentuou ao longo do ano passado. Tradicional destino de produtos da indústria brasileira, a Argentina reduziu drasticamente as compras, o que afeta o Rio Grande do Sul.
Conforme dados preliminares apurados pela Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), as exportações gaúchas ao país vizinho despencaram 40,3%, para US$ 795 milhões, no geral, de janeiro a outubro. Nos embarques brasileiros, a redução chegou a 36,6%, para US$ 9 bilhões, entre janeiro e novembro, indica o Ministério da Economia.
Um dos setores abalados no Estado é o de máquinas e implementos agrícolas. Presidente do Simers, que representa a indústria do setor, Claudio Bier afirma que as exportações ao país já chegaram a abocanhar 20% de toda a produção gaúcha. Neste ano, a fatia deverá ficar abaixo de 10%, projeta:
– Estamos preocupadíssimos. Primeiro, com a crise. Agora, há uma questão adicional. Não sabemos qual será o rumo do novo governo. Antes, tínhamos uma preocupação. Hoje, duas.
Apesar da recente tensão política com Fernández, Bolsonaro disse na segunda-feira (9) que o comércio do Brasil com a Argentina não mudará. O brasileiro, que apoiou Macri nas eleições, não participará da posse do peronista. Depois de vaivém sobre quem representaria o Brasil, foi anunciado que o vice-presidente Hamilton Mourão vai a Buenos Aires.
– Ainda não sabemos qual será a linha de ação do novo presidente da Argentina. Do ponto de vista econômico, os países têm de se acertar. O Brasil não deve ficar de costas para a Argentina, nem o contrário – pontua o presidente da Fiergs, Gilberto Porcello Petry.
Renegociação de dívida
Ao substituir Macri, Fernández terá como um de seus principais desafios renegociar a dívida do país vizinho. Desde 2018, a Argentina recebeu US$ 44 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Com escassas reservas em dólares, amarga o temor de entrar em moratória – suspensão do pagamento de empréstimos do governo. Assim, o fluxo da moeda estrangeira no mercado local poderia diminuir ainda mais, gerando novo golpe em importações e exportações. Professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), a economista Maria Carolina Gullo classifica a situação como "risco adicional":
– A Argentina representa excelente mercado para setores tradicionais da serra gaúcha, como o metalmecânico. A indústria da região sentiu bastante a derrocada do país. Não temos clareza sobre os planos do novo presidente.
Entidade que representa a indústria calçadista, a Abicalçados também acompanha os desdobramentos. Segundo a entidade, as vendas de calçados brasileiros ao Exterior subiram 0,6% em receita de janeiro a outubro deste ano. Se as exportações à Argentina não tivessem despencado, o percentual seria bem superior, de 5,6%.
– O clima é de cautela. A Argentina está em crise, e não sabemos quais medidas o novo governo pretende tomar – relata o presidente da Câmara Empresarial Argentino Brasileira do RS, Pedro Calazans.
Conforme analistas, a relação entre Bolsonaro e Fernández também será crucial para o Mercosul. Na última quinta-feira (5), em Bento Gonçalves, o brasileiro afirmou desejar que o bloco econômico siga sua trajetória sem "retrocessos ideológicos". A manifestação ocorreu após Bolsonaro sugerir em outras ocasiões que o Brasil poderia deixar o Mercosul em razão da vitória de Fernández.
Desafios dos vizinhos
Em 2018, o Produto Interno Bruto (PIB), a soma dos serviços e bens produzidos no país, teve queda superior a 2%. As dificuldades são sentidas diretamente no bolso pela população. Em 2019, a projeção é de que o PIB desabe em torno de 3%, e a inflação alcance assustadores 55%.
Por trás da crise, está a escassez de divisas. Ou seja, o baixo nível de reservas internacionais, calculadas em dólares, que servem de espécie de colchão de segurança contra choques financeiros. Enquanto o Brasil tem US$ 364,7 bilhões, a Argentina reúne US$ 43,7 bilhões, indicam os dados mais recentes.
O país também sofre desde o ano passado com turbulências no cenário internacional. Com a projeção de alta no juro americano em velocidade acima da esperada, os Estados Unidos passaram a ser vistos como porto ainda mais seguro para investidores. Assim, mercados emergentes como Argentina e Turquia, onde há riscos mais elevados, foram atingidos pela fuga de recursos.
Eleito em 2015 com discurso em defesa do ideário liberal na economia, Mauricio Macri viu sua imagem abalada pela penúria econômica. No último mês de abril, meses antes das eleições, o presidente recorreu ao congelamento de preços de produtos como arroz, farinha e açúcar, além de manter inalteradas tarifas de serviços públicos.
Ao assumir o país, Fernández terá de enfrentar a renegociação da dívida, tanto com o FMI –US$ 44 bilhões recebidos desde 2018 – quanto com proprietários de títulos. No total, a dívida externa argentina passa de US$ 315 bilhões, quase 100% do PIB local.