Segmentos exportadores da economia gaúcha demonstram preocupação e pedem cautela quando o assunto é o futuro das relações de comércio entre Brasil e Argentina. Lideranças empresariais temem que divergências políticas entre o presidente Jair Bolsonaro e Alberto Fernández, recém-eleito ao comando do país vizinho, tragam riscos aos negócios.
A Argentina é o principal destino das exportações brasileiras na América Latina e o quarto no ranking global. Diante da crise econômica que chacoalha os platinos, os embarques despencaram 39% entre janeiro e setembro, para US$ 7,5 bilhões, indicam dados do Ministério da Economia.
O alerta empresarial ganhou força nesta segunda-feira (28), um dia após Fernández vencer a disputa com o atual presidente argentino, Mauricio Macri. Em viagem pelo Oriente Médio, Bolsonaro criticou o eleito por ter homenageado o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda disse que lamenta o resultado das eleições e que não pretende parabenizar Fernández pelo triunfo. Em seguida, fez uma ponderação:
– Agora, não vamos nos indispor. Vamos esperar o tempo para ver qual a posição real dele na política.
Mais tarde, o chanceler Ernesto Araújo disse que "forças do mal" estavam celebrando o resultado eleitoral na Argentina. Ambas as declarações ganharam destaque na capa do site do jornal Clarín, com referência a "aumento de tensão".
Um dos setores da economia gaúcha com tradição exportadora para a Argentina é o de máquinas agrícolas. O país absorve cerca de 15% das vendas internacionais do segmento no Estado, aponta Claudio Bier, presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas (Simers).
Na visão do dirigente, o "desalinhamento político" entre Bolsonaro e Fernández poderá ser "ruim" para os negócios. Bier receia que eventuais tensões abalem a estrutura do Mercosul. Durante a corrida eleitoral argentina, Bolsonaro apoiou Macri e sinalizou que o Brasil poderia vir a deixar o bloco econômico.
– Acabar com o Mercosul seria um desastre. Entraríamos em uma versão mini da disputa entre Estados Unidos e China – argumenta Bier.
O diretor financeiro da Câmara Empresarial Argentino-Brasileira no Estado, Marcelo Pibernat, avalia que é preciso aguardar os próximos passos de Fernández para ter mais clareza sobre a conduta do novo governo. Ao adotar tom cauteloso, Pibernat frisa que eventuais tensões com a gestão Bolsonaro podem resultar em obstáculos a exportações brasileiras, a exemplo do que ocorreu no passado.
– Esperamos que haja cuidado. Não podemos nos precipitar. Há incertezas e temor de que barreiras a produtos brasileiros possam voltar. Esperamos que o novo governo argentino tenha comportamento mais light e que, assim, as exportações não encontrem os mesmos problemas do passado – observa Pibernat.
Calçados
Outro setor de olho nos desdobramentos do retorno do peronismo ao poder é o calçadista. Apesar da crise econômica, o país vizinho segue como o segundo destino dos embarques brasileiros nesse segmento, atrás apenas dos EUA. Entre janeiro e setembro, as exportações para a Argentina somaram 7 milhões de pares, que geraram US$ 77,1 milhões, queda de 25,5% em volume e de 33% em receita. Os dados são da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).
Em nota, a entidade apontou que "ainda é cedo" para analisar os rumos do novo governo argentino. Mesmo assim, o presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, pontuou que, devido ao "viés mais protecionista" de Fernández frente ao "liberal Mauricio Macri", o resultado das urnas “traz novamente o fantasma de barreiras aos calçados brasileiros”.
"É natural que exista o receio (da volta dos entraves). Durante boa parte do governo de Cristina Kirchner, hoje vice-presidente na chapa eleita, tivemos problemas com a liberação de licenças, com prejuízos que chegaram a mais de US$ 200 milhões", acrescentou.
EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS À ARGENTINA
De janeiro a setembro
- Total: US$ 7,5 bilhões
- Variação frente a 2018: -39%
- Participação no total das exportações brasileiras: 4,5%
PRINCIPAIS PRODUTOS
- Automóveis
Valor: US$ 1,6 bilhão
Variação frente a 2018: -51,8%
Participação no total: 21% - Peças para automóveis e tratores
Valor: US$ 594,5 milhões
Variação frente a 2018: -28,9%
Participação no total: 7,9%
IMPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE PRODUTOS DA ARGENTINA
De janeiro a setembro
- Total: US$ 7,8 bilhões
- Variação frente a 2018: -4,8%
- Participação no total das importações brasileiras: 5,9%
PRINCIPAIS PRODUTOS
- Veículos de carga
Valor: US$ 1,8 bilhão
Variação frente a 2018: 15%
Participação no total: 24% - Automóveis
Valor: US$ 994,9 milhões
Variação frente a 2018: -36,9%
Participação no total: 13%
SALDO DA BALANÇA COMERCIAL
De janeiro a setembro
- US$ 333,2 milhões
Ou seja, o déficit mostra que o Brasil importou mais do que exportou para a Argentina.
Fonte: Ministério da Economia