Pelo bem da Argentina, do Brasil e da América Latina, merece aplausos a iniciativa do derrotado presidente Mauricio Macri, que, ao parabenizar seu oponente, Alberto Fernández, na noite deste domingo (27), o convidou para um café da manhã nesta segunda-feira (28).
Havia medo de que Macri fosse vingativo e, ao perder, minasse a transição e entregasse a Argentina a seu oponente ainda mais quebrada do que já está.
O presidente optou pelo diálogo. Se Fernández, que é conhecido pela moderação, for no mesmo caminho, a nação que emerge das urnas pode estar dando o primeiro passo para sair da crise, a pior desde 2001, quando nossos vizinhos foram à bancarrota.
A vitória de Fernández é muito mais um "não" ao governo Macri do que um "sim" a Cristina Kirchner, que volta como vice e está até o pescoço enrolada na Justiça. Ela só não foi presa, como dois de seus ex-ministros, porque tem imunidade como senadora.
O escândalo conhecido como Cadernos da Propina é uma espécie de Lava-Jato local, com requintes que só os hermanos conseguem dar a seus dramas — até uma série de cadernos escolares foi encontrada na qual um motorista registrava, um por um, os milhões de pesos que buscava na casa de empresários para altos funcionários dos governos Néstor e Cristina. Por 12 anos, todas as 20 empresas que pagavam propina aos Kirchner ganhavam licitações de obras públicas.
Cristina volta à Casa Rosada carregada pelos votos que Fernández conquistou para chapa – a depender de seu próprio esforço, o kircherismo não teria alcançado a vitória. A rejeição que paira sobre ela é imensa. Cristina tem menos poder hoje do que tinha quando movimentava as massas de fiéis nos estádios de futebol. E ela sabe disso.
A vitória da centro-esquerda alterna o jogo político na América Latina:
1) Provavelmente, Fernández fará sugestões ao acordo Mercosul-União Europeia, algo que desagrada ao governo de Jair Bolsonaro.
2) Com a centro-esquerda no poder, a crise na Venezuela muda de status, uma vez que Fernández não considera Nicolás Maduro um ditador e, provavelmente, o futuro governo não reconhecerá Juan Guaidó como presidente, como fizera Macri.
3) Seria saudável que Fernández e Bolsonaro colocassem os interesses das nações acima das rixas ideológicas e se encontrassem a curto prazo em prol do comércio bilateral – os argentinos são o quarto principal comprador de nossos produtos. No Rio Grande do Sul, empresários dos setores de automóveis, calçados, móveis e agro estão receosos com o previsível protecionismo peronista já visto nos anos Kirchner no governo vizinho.
4) A eleição no Uruguai vai para segundo turno, mas a vitória da Frente Ampla no primeiro mostra que pode haver um alinhamento das esquerdas, o que equilibraria forças no Mercosul — Brasil e Paraguai têm governos de centro-direita.
Por fim, não foi uma lavada, como se imaginava – havia quem indicasse que Fernández ganharia com mais de 50% dos votos. Macri mostrou impressionante reação desde as prévias, mas não conseguiu virar o jogo.
A continuidade de seu candidato como prefeito de Buenos Aires, Horácio Rodriguez, e a eleição do opositor Axel Kicillof na Grande Buenos Aires, revelam que a polarização impera no país. Fernández não terá um mar azul pela frente.
Por tudo isso, é saudável que o dia 1 da nova era argentina comece com um café da manhã entre os dois rivais. E com uma boa conversa. Dentro do possível. Oxalá, Bolsonaro e Fernández façam o mesmo. E logo.